Pactuação Coletiva Transnacional

AutorFrancisco de Assis Barbosa Junior
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho do TRT da 13a Região
Páginas92-123
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Francisco de Assis Barbosa Junior
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Pactuação Coletiva
Transnacional
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P odemos atribuir a dois fatores o papel principal para o nascimento das características
sociais contemporâneas modernas, quais sejam, a modicação do panorama inter-
nacional de distribuição de poder e, claro, o aprimoramento da tecnologia de informação.
Certamente, tais fatos, em si, não são novidade na história humana, apenas o sendo a velo-
cidade com a qual hoje se desenvolvem(249).
Os efeitos dos novos desenvolvimentos na organização laboral e na própria sociedade
são incertos, podendo e devendo ser moldados pela sociedade. Hoje vivenciamos uma nova
negociação entre indivíduos, os parceiros sociais e o Estado, sendo que o papel dos parceiros
sociais parece essencial na determinação do trabalho decente em âmbito mundial(250).
Na forma mencionada por Moreira, parece que o diálogo social e a participação dos
parceiros sociais, tanto no plano da concertação social como no da negociação coletiva, são
capazes de conduzir à descoberta de respostas inovadoras em matéria de desenvolvimento
do emprego, de luta contra a exclusão e de melhoria da qualidade de vida e das condições
de trabalho. É possível, através da negociação, se conseguir respostas apropriadas, porque
portadoras de novas exibilidades e de segurança renovada, aos grandes desaos de hoje,
como o “(...) desenvolvimento da formação ao longo da vida, o reforço da mobilidade, o
envelhecimento ativo ou ainda a promoção da igualdade de oportunidades e da diversidade
perante um mundo de trabalho que está a sofrer uma verdadeira revolução(251).
(249) Cordeiro destaca ser impossível não se ressaltar a profundidade das mudanças sociais havidas por conta das
chamadas revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, bom como que tais momentos históricos implicaram uma
alteração da distribuição do poder no plano internacional. Esse processo, não obstante, foi conduzido ao longo de
mais de um século, se considerarmos a Revolução Gloriosa (1688) e a Revolução Francesa (1789), enquanto even-
tos que apenas zeram eclodir transformações que já se encontravam em curso. Conf. em CORDEIRO, Wolney de
Macedo. Contrato coletivo de trabalho transnacional: o direito global do trabalho e sua inserção na ordem jurídica
brasileira. Curitiba: Juruá, 2014. p. 24 e ss.
(250) MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Algumas notas sobre o trabalho 4.0. Prontuário de direito do trabalho,
2016 – II. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016. p. 262.
(251) Idem.
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A presença de novas formas de debate, as quais tenham os parceiros sociais como atores
centrais de negociações, efetivamente parece fundamental para a criação de um sistema de
trabalho decente em âmbito mundial. Naturalmente, são aqueles os maiores interessados
na criação de uma nova ordem, não sendo diferente quanto ao teletrabalho transnacional.
Nesta espécie de mourejo, enfrentamos uma situação na qual faltam dados mais preci-
sos acerca de quem são os reais trabalhadores, onde eles estão, quais espécies de vínculo de
trabalho estão formados (se autônomos ou subordinados, por exemplo), qual a jornada de
labor efetivamente desenvolvida etc. Tais imprecisões tornam incerta a atuação dos entes
de classe em defesa dos trabalhadores, pois estes, igualmente, muitas vezes não possuem
informações sucientes para corretamente lastrear suas ações.
Por outro lado, o labor realizado longe das empresas resulta no isolamento do tra-
balhador, e esta simples circunstância o afasta física e mentalmente da esfera coletiva que
engendra um sindicato. Tal fato cria enormes diculdades para o órgão classista aproximar-
-se de cada teletrabalhador, realizando reuniões e atividades coletivas, até porque, como
aventado, a própria existência deste pode ser desconhecida pelo ente sindical(252).
Se há hoje uma inédita capacidade de deslocamento das empresas na economia dita
pós-fordista, a qual prejudica a negociação coletiva em termos tradicionais (locais), este
prejuízo mostra-se ainda mais transparente quando a empresa emprega trabalhadores “vir-
tuais”, vale dizer, quando não precisa se deslocar sicamente para ser capaz de contratar
obreiros noutros países.
Dentro deste universo, o mercado internacional de teletrabalhadores abarca obreiros
de todo o globo, em face da possibilidade de se laborar praticamente em qualquer lugar,
não havendo limitações físicas para o “deslocamento” da mão de obra. Esta “mobilidade”
também enseja diculdades na atuação sindical, para, por exemplo, forjar um movimento
grevista em uma determinada empresa, pois não há contato direto entre o ente sindical e a
maioria dos trabalhadores, inexistindo articulação forte entre eles ante esta falta de contato
físico, havendo diculdades para se formar um acordo até mesmo sobre os direitos a serem
defendidos pelos obreiros.
De outra parte, a diferença de realidades pessoais dos teletrabalhadores transnacionais
(de cultura, idioma, de problemas do cotidiano etc.) torna mais difícil a construção de lide-
ranças, fato naturalmente prejudicial à própria legitimidade dos órgãos classistas.
A realidade atual efetivamente demanda mudanças nas regras laborais, não sendo
exceção as relacionadas com as negociações coletivas envolvendo os teletrabalhadores
transnacionais, os quais se encontram numa situação inédita, estando inseridos numa
realidade regulamentar local distinta da de seu empregador.
As diculdades narradas, apesar de vultosas, não podem servir de obstáculo para a
efetiva atuação de sindicatos, especialmente quanto à pactuação coletiva. O resultado da
(252) MELHADO, Reginaldo. Metamorfoses do capital e do trabalho: relações de poder, reforma do judiciário e
competência da justiça laboral. São Paulo: LTr, 2006. p. 38.
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atuação de atores sociais para rmar regras negociadas próprias apresenta-se como um
caminho viável e consistente, o qual pode ser trilhado para ns regulamentares da situação
dos teletrabalhadores transnacionais.
Não obstante, as normas pactuadas devem seguir ditames mínimos especícos, assim
como os entes sindicais devem se reinventar para se adequar à nova realidade do mercado de
trabalho 4.0, e, assim, tornarem-se capazes de exercer com plenitude sua função protetiva.
6.1. Atuação Sindical no Teletrabalho Transnacional
Os trabalhadores compunham um todo homogêneo, cujos membros enfrentavam as
mesmas diculdades de vida e sofriam a mesma exploração no trabalho. Assim, a emanci-
pação da classe trabalhadora, unida por denição, dependia das reivindicações coletivas,
uniformes. Não obstante, agora a fragmentação resultante da introdução de relações de
trabalho atípicas e precárias, que cria uma diversidade de ocupações até então desconhe-
cida, debilita o poder do sindicato. A antiga “comunhão de interesses” desaparece ante a
atomização das atividades produzida pelo teletrabalho, por novas formas de trabalho em
domicílio e pelo trabalho informal(253).
Nesta linha, o movimento sindical é necessariamente afetado pela dispersão dos tra-
balhadores. Na forma indicada por Lamas quando se referiu aos sindicatos europeus, a
identicação dos trabalhadores individuais com os interesses gerais de classe e com os projetos
de transformação propostos está arruinada e ressentida, sendo difícil agregar as demandas
dos novos trabalhadores(254).
Sako também indica alguns problemas para a atuação sindical em face da complexidade
das situações relacionadas ao trabalho tecnológico executado a distância, destacando as
diculdades para localizar e identicar os teletrabalhadores que prestam serviços dentro de
sua base territorial, pois o teletrabalho é invisível e, na maioria das vezes, prestado na infor-
malidade, assim como a dispersão dos obreiros, espalhados pelos mais diferentes territórios,
o que faz surgir conitos entre sindicatos por espaços de atuação. Tais fatos dicultam
naturalmente a regulação convencional do teletrabalho(255).
(253) Conf. em ROMITA, Arion Sayão. A globalização da economia e o poder dos sindicatos. In: SCAFF, Fernando
Facuri (Coord.). Ordem econômica e social: estudos em homenagem a Ary Brandão de Oliveira. São Paulo: LTr, 1999.
(254) “No sólo resulta difícil agregar las reinvindicaciones de los nuevos trabajadores y procurar su identicación
con unos intereses generales de clase, sino que se cuartea y resiente la identifcación de los trabajadores individu-
ales con los intereses de clase generales y por con los proyectos de transformación propuestos por los sindicatos”.
In: LAMAS, Juan Rivero. El empleo y las relaciones laborales en el umbral del siglo XXI: una perspectiva comparada,
derecho del trabajo, t. 1998-A, n. 4, Buenos Aires: Ediciones La Ley, abr. 1998, p. 647.
(255) Bem ressalta a autora que “o direito sindical muito lentamente procura adaptar-se a essa nova realidade
laboral, tenta superar obstáculos para fazer efetivos os direitos de um sem-número de trabalhadores e teletraba-
lhadores, pois foi concebido e desenhado para empresas em que todo seu pessoal está agrupado nos centros de
trabalho. Esse distanciamento, entre o antigo e o novo, dá origem a diversos conitos, especialmente em âmbitos
como representatividade sindical, regulação convencional do teletrabalho, controle informático das comunicações
sindicais, uso dos instrumentos tecnológicos da empresa para exercício da função sindical, e direito de greve. In:
SAKO, Emília Simeão Albino. Trabalho e novas tecnologias: direitos on-line ou direitos de 4a geração. São Paulo: LTr,
2014. p. 199 e 201.
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