Teletrabalho Transnacional: Necessidade de Padronização de Tratamento Jurídico

AutorFrancisco de Assis Barbosa Junior
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho do TRT da 13a Região
Páginas15-40
Teletrabalho Transnacional – Normatização e Jurisdição
15
15
.
.
I
I
Teletrabalho Transnacional:
Necessidade de Padronização
de Tratamento Jurídico
A
A classicação das atividades econômicas ganhou um novo setor, o quaternário, ou
terciário superior, relacionado às atividades de geração e compartilhamento de informa-
ções, educação, telecomunicações, pesquisa e desenvolvimento etc. Como dito por Reale, os
computadores e supercondutores subverteram as coordenadas da experiência humana em geral
no campo do trabalho (cada vez mais intelectualizado ou tecnicizado) e da comunicação,
impondo cada vez mais modelos de linguagem adequados à memória dos novos engenhos(1).
Dentro desse universo, enfrentamos hoje uma verdadeira revolução digital, ligada
diretamente à internet, ao cloud computing e a novas formas de prestar trabalho, as quais
encontram suas bases nos sistemas de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
(NTICs), no avanço da robótica, nas tecnologias de sensores, no cloud computing e num
sistema amplo de recolhimento de dados sem precedentes na história humana.
Por seu turno, o denominado trabalho 4.0(2) possui mudanças atuais e constantes,
demandando uma ação de educação mundial dos trabalhadores a m de enfrentar a nova
realidade, melhorando sua produção e, concomitantemente, garantindo a manutenção de
seus trabalhos.
A revolução em curso atingiu o próprio conceito de surgimento da classe trabalhadora.
ompson entendia esta como também determinada pelo lugar(3), estando este elemento
igualmente presente na teoria de Marx, ante a inuência de fatores como a cultura na classe
(1) REALE, Miguel. Nova fase do direito moderno. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 113.
(2) Este termo provém de um programa comum lançado pelo Governo alemão e pela indústria alemã em 2011.
Mais tarde, foi utilizado no léxico da Comissão Europeia, bem como noutras regiões. O termo preferido no orde-
namento jurídico norte-americano é smart manufacturing. Conf. em MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Algumas
notas sobre o Trabalho 4.0. Prontuário de Direito do Trabalho, 2016 – II. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016.
p. 247.
(3) THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987. p. 12.
6221.4 - Teletrabalho Transnacional.indd 156221.4 - Teletrabalho Transnacional.indd 15 20/08/2020 14:13:0320/08/2020 14:13:03
16
16
Francisco de Assis Barbosa Junior
trabalhadora(4). Porém, o lugar não traz maiores inuências para quem moureja via rede
mundial de computadores, livres que estão os trabalhadores para morar e laborar em quase
todos os lugares do globo.
Nesta linha, os teletrabalhadores representam uma evolução da Classe Trabalhadora,
a qual permanece viva e em mutação, não mais sendo o “lugar” em seu conceito clássico
elemento determinante para sua formação.
A prevalência do discurso descrente e niilista na modernidade, somada à chegada da
quarta revolução tecnológica do capitalismo, tornou extremamente dinâmico o surgimento de
técnicas de exploração do trabalho humano, tirando proveito do rompimento das barreiras
físicas de espaço e de tempo no campo comunicacional e no de conexões empresariais, e
impondo, paradoxalmente, fronteiras e obstáculos na conexão humana efetivamente cola-
borativa (e não meramente explorativa)(5).
Esta nova realidade, embora traga grandes promessas de desenvolvimento, também
origina muitos desaos para empresas, governos, indivíduos e trabalhadores.
Como pontua Moreira:
Estamos perante uma mudança que não é somente estrutural mas, também, e
principalmente, funcional, no sentido de que mudou profundamente a maneira
de efetuar a prestação laboral. Esta situação implica uma mudança capital e um
redimensionamento do Direito do trabalho, já não tanto em sentido material de
alteração da sua extensão ou volume, mas um processo de revisão do seu âmbito ou
extensão, da sua intensidade e do nível que se deve adotar na sua regulamentação,
podendo falar-se de uma nova dimensão da sua disciplina(6).
As colocações acima mostram-se precisas e corretas. As mudanças no universo laboral
são indeléveis, tendo a forma de prestação de trabalho sofrido uma metamorfose profunda,
sem precedentes, a qual enseja um redimensionamento do próprio Direito do Trabalho,
que passa a ter uma nova conotação. As atuais linhas desse ramo jurídico são originárias do
nal do século XIX e nasceram na busca de regulamentar as relações de trabalho de então,
com legitimação da subordinação direta do empregado ao seu patrão.
Destarte, a teoria ligada ao Direito do Trabalho baseia-se num modelo rmado antes
da quarta revolução digital, com ela não se adaptando corretamente. Não há como se regular
as novas relações de trabalho sob a égide clássica daquela teoria, especialmente quanto aos
chamados trabalho 4.0 e gig economy.
(4) Conf. em MARX, Karl. O capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
(5) RODRIGUES, Bruno Alves. A relação de emprego no serviço de transporte de passageiros ofertado por inter-
médio de plataforma eletrônica. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR,
José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano. São Paulo: LTr,
2017. p. 210.
(6) MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Algumas notas sobre o Trabalho 4.0. Prontuário de Direito do Trabalho,
2016 – II. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016. p. 247.
6221.4 - Teletrabalho Transnacional.indd 166221.4 - Teletrabalho Transnacional.indd 16 20/08/2020 14:13:0320/08/2020 14:13:03

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT