Regramento Internacional Único do Teletrabalho Transnacional

AutorFrancisco de Assis Barbosa Junior
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho do TRT da 13a Região
Páginas124-163
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Francisco de Assis Barbosa Junior
VII
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Regramento Internacional Único
do Teletrabalho Transnacional
A
A modernidade encerra sua fase histórica. Vivemos hoje a era daquilo que se denominou
pós-modernidade(340), com sua lógica de pós-capitalismo avançado e globalizado.
Valores, ideologias, modelos e sistemas econômicos, sociais e jurídicos são questionados,
desconstituídos ou simplesmente abandonados, sendo postos em xeque conceitos como
nação e soberania pelos interesses do capitalismo globalizado(341).
Na forma mencionada por Dray, a globalização congura-se numa das “megatendên-
cias” do último quartel do séc. XX e do séc. XXI. Os mercados, de um modo geral, estão
abertos, sem maiores barreiras. Apesar de casos isolados contrários, em linhas gerais, o
protecionismo esmoreceu e a abertura econômica, dentro de espaços regionais ou entre
blocos regionais, tende a imperar(342).
Ocorre neste cenário a deslocalização das empresas multinacionais e a sua proliferação
por vários mercados de forma maiúscula e crescente, além do desenvolvimento frenético
(340) Coni Junior enriquece os debates sobre a concepção do que seja a “pós-modernidade”, dizendo que “Nes-
ta senda, é efetivamente relevante debruçar-se sobre os efeitos da crise da modernidade, tal como assevera
Soares: ‘Com a crise da modernidade, muitos estudiosos referiram a emergência de um novo paradigma de
compreensão de mundo a pós-modernidade. A perspectiva pós-moderna passou a indicar a falência das pro-
messas modernas de liberdade, de igualdade, de progresso e de felicidade acessíveis a todos. A desconança
de todo discurso unicante torna-se o marco característico do pensamento pós-moderno. A realidade social,
dentro da perspectiva pós-moderna, não existe como totalidade, mas se revela fragmentada, uida e infeliz.
Neste cenário de carência de gozo e fruição mínima de direitos fundamentais, em face da crise que atinge parte
relevante dos países do globo, exsurge na população mundial um sentimento de carência de representativida-
de democrática, representado pela eclosão de diversos movimentos sociais confrontando os Estados, diante
da suposta eleição equivocada e desvinculada do sentimento dos cidadãos, no tocante aos rumos da gestão
pública”. CONI JUNIOR, Vicente Vasconcelos; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direitos fundamentais e a era digital.
Revista LTr, São Paulo, jan. 2018, p. 53.
(341) MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Os novos contornos das relações de trabalho e de emprego. Direito
do trabalho e a nova competência trabalhista estabelecida pela Emenda n. 45/04. Revista do Ministério Público do
Trabalho, São Paulo, n. 30, ano XV, set. 2005, p. 42.
(342) DR AY, Guilherme Machado. O princípio da proteção do trabalhador. São Paulo: LTr, 2015. p. 395.
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Teletrabalho Transnacional – Normatização e Jurisdição
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das tecnologias de informação e comunicação (e das formas de trabalho a elas inerentes),
sendo que os efeitos sentidos na economia de um Estado decorrentes desta realidade rapi-
damente se proliferam pelos demais(343).
Dentro deste universo, a ordem econômica não pode ser mais entendida como algo
estritamente nacional, contornado pelas fronteiras físicas e legais de um Estado. Os países
estão cada vez mais interdependentes economicamente e há surpreendente facilidade de
trânsito internacional de capitais, fato que permite a xação dos investimentos onde houver
maior lucratividade(344).
Nesta linha, hoje vivemos uma espécie de fragilização do Estado em face das empresas
transnacionais, pois não é mais aquele que impõe seu ordenamento jurídico sobre as em-
presas. A decisão sobre se concentram, ou não, sua linha de produção neste ou naquele país,
dependendo das vantagens apresentadas, ca nas mãos das empresas. Assim, neste movi-
mento há um enfraquecimento natural da autonomia dos Estados, os quais acabam abdi cando
de parte de sua soberania e legislando de forma mais favorável às empresas para atrair sua
atividade em seu território(345).
Historicamente, sabe-se que os direitos humanos de primeira geração foram criados
como forma de vedar a interferência exacerbada do Estado na esfera individual. Porém, a
globalização relativizou a soberania do Estado, reduzindo de forma acentuada sua força coer-
citiva(346), tornando muitas vezes até inócua aquela vedação (isto do ponto de vista estatal,
não do da aplicação aos particulares dos citados direitos fundamentais, como estudado).
Em que pese todo o arcabouço constitucional, infraconstitucional e até mesmo internacional,
há muito tempo verica-se uma carência de efetiva tutela dos direitos fundamentais.
De fato, os Estados, especialmente dos países periféricos, pelos mais variados moti-
vos(347), não têm logrado êxito em tutelar as mínimas garantias fundamentais aos cidadãos,
notadamente no campo das prestações positivas no tocante aos direitos sociais, econômicos
e culturais, “(...) bem como no âmbito da dimensão da fraternidade, no qual é evidente o
fracasso, diante das recorrentes catástrofes ambientais, além da resiliência de grandes po-
tências econômicas quanto ao comprometimento com o desenvolvimento sustentável(348).
(343) Dray destaca que “As tecnologias de informação e de comunicação, por sua vez, desenvolvem-se a um rit-
mo absolutamente frenético: os computadores pessoais massicaram-se; o acesso à internet em banda larga
(v. g., móvel) passou a universalizar-se e constitui um dos principais objetivos das políticas públicas, enquanto
instrumento de prossecução de políticas de igualdade de oportunidades nomeadamente nas zonas rurais e des-
povoadas; os Estados promovem a construção de novas infraestruturas de comunicações — as Redes de Nova
Geração — que irão potenciar uma utilização da internet mais abrangente, mais célere e com mais conteúdos”.
DR AY, Guilherme Machado. O princípio da proteção do trabalhador. São Paulo: LTr, 2015. p. 395.
(344) ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antônio Galvão. O direito do trabalho na empresa e na sociedade
contemporâneas. São Paulo: LTr, 2010. p. 69-70.
(345) FARIA, José Eduardo. Direitos humanos e globalização econômica. Estudos Avançados, São Paulo, v. 11,
n. 30, maio/ago. 1997, p. 45.
(346) Ibidem, p. 53.
(347) Instabilidade política, atraso social, pobreza da população, falta de educação adequada da população etc.
(348) CONI JUNIOR, Vicente Vasconcelos; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direitos fundamentais e a era digital. Revista LTr,
São Paulo, jan. 2018, p. 52.
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Coni Junior ressalta o fato de, com a diminuição da competência do Estado, des-
fazer-se também a contradição entre “libertação nacional” e “imperialismo. Além disso,
a globalização acarreta uma nova contradição estrutural entre o mercado e o Estado. De
fato, por meio da internacionalização do estoque de capital, este foge ao controle estatal e
diminui as receitas públicas. Os Estados, devido à falta de recursos nanceiros, abandonam
à sua própria sorte uma parcela cada vez maior da população, roubando-lhe muitas vezes
o direito à cidadania(349).
Tal “abandono” e ineciência revelam-se ainda mais latentes em face dos desaos da
concorrência internacional e da globalização, perdendo espaço o protagonismo Estatal e fazen-
do com que o papel do Estado pareça contraproducente, basicamente por dois motivos,
quais sejam, pelos altos custos que impõe ao trabalho para nanciamento dos encargos sociais
e pelos limites legais que coloca à exigência de competitividade máxima das empresas no
mercado internacional(350).
Noutra linha, temos que o fato de ter havido uma fragmentação pelo globo das
atividades produtivas possibilitou uma ampliação inédita do comércio entre as empresas
diretamente. Assim, por consequência, restou diminuída a força das instituições jurídicas
do Estado-nação. Atualmente, “(...) pelo menos 1/3 das atividades e negócios das 37 mil
empresas transnacionais que atuam na economia globalizada – por meio de 200 mil liais
e subsidiárias – é realizado entre elas próprias(351).
Não obstante, apesar de todo este quadro atual, o Estado-nação não pode se ape-
quenar diante desta situação de superpotência empresarial. Permanece ele sendo um foro
privilegiado de resistência e luta. A defesa da legislação trabalhista (assim como da previ-
denciária) contra a pressão do capitalismo global, bem como a implantação de políticas de
resistência econômica e cultural, são imperativos de qualquer Estado comprometido com o
bem-estar social de sua população(352).
Romagnoli defende que o Direito do Trabalho do século XX efetivamente está em
rota de colisão com uma invisível lex mercatoria, a qual, redesenhando toda a geograa
econômica, ameaça sua desnacionalização, que ocorreria não no nal de um processo de
adequação transnacional orientado à conservação de sua identidade originária, mas, sim,
no nal de uma concorrência para o rebaixamento entre os direitos nacionais. Não obstante,
tal fato não impede a manutenção das regras de proteção nacional. Seria “(...) deplorável
que os direitos nacionais do trabalho se degradassem ao nível das legislações que, para
(349) CONI JUNIOR, Vicente Vasconcelos; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direitos fundamentais e a era digital. Revista LTr,
São Paulo, jan. 2018, p. 52-53.
(350) Idem.
(351) FARIA, José Eduardo. Direitos humanos e globalização econômica. Estudos Avançados, São Paulo, v. 11,
n. 30, maio/ago. 1997, p. 45
(352) MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Os novos contornos das relações de trabalho e de emprego. Direito
do trabalho e a nova competência trabalhista estabelecida pela Emenda n. 45/04. Revista do Ministério Público do
Trabalho, São Paulo, 30, ano XV, set. 2005, p. 42.
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