O pedido implícito

AutorRafael Calmon
Páginas243-298
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O PEDIDO IMPLÍCITO
Antes que seja tentada qualquer conceituação ou sugerido qualquer regime jurídico
unif‌icado para o tratamento dos pedidos implícitos, será feita um breve mostra de como
a literatura jurídica e a jurisprudência dos Tribunais Superiores vêm tratando do tema,
com o objetivo de se deixar claro como são insuf‌icientes e discrepantes as opiniões a
respeito.
7.1 OS OBSTÁCULOS A SEREM SUPERADOS
7.1.1 O primeiro obstáculo: a escassez literária sobre o tema
Um dos maiores problemas enfrentados ao se estudar a temática decorre do fato
de que, embora a literatura reconheça, majoritariamente, a existência de uma categoria
jurídica denominada de “pedidos implícitos”,1 não fornece critérios seguros que per-
mitam sua identif‌icação, tampouco esclarece os motivos pelos quais tais providências
poderiam ser conhecidas de ofício e como elas deveriam ser incluídas nas sentenças.
Não raro, os textos jurídicos costumam fazer comentários meramente pontuais
a respeito, quando não recorrem diretamente a hipóteses retiradas do próprio texto
legislativo para exemplif‌icá-los. Nas vezes em que se arriscam a conceituá-los, acabam
empregando termos demasiadamente genéricos, impossibilitando que se possa alcançar a
devida compreensão acerca do seu real signif‌icado, dos problemas teóricos e práticos que
são capazes de gerar, assim como das distinções que possam apresentar de f‌iguras af‌ins.
Para que o estudo não se alongue demasiadamente em busca da comprovação dessa
af‌irmação, mencionam-se duas percepções sobre o mesmo fenômeno, manifestadas
por expoentes da literatura processual de décadas distintas. Na opinião escrita por
Milton Paulo de Carvalho2 nos idos de 1992, pedidos implícitos seriam aqueles que,
“embora por sua natureza pudessem constituir pedidos autônomos, a lei considera
1. Exemplif‌icativamente: CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao código de processo civil. v. III. 4. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1983, p. 293; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. I. 59. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2018, p. 777; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo. v.
II. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 50-51; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 2. ed.
São Paulo: Método, 2010, p. 97; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008,
p. 366; NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo:
Ed. RT, 2015, p. 678; MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno. v. 1.
São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 148; AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo:
Ed. RT, 2015, p. 437. Inadmitindo a existência desta f‌igura no sistema brasileiro, p. ex.: DINAMARCO, Candido
Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 3. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 137; ARRUDA ALVIM, José
Manoel de. Nulidades da sentença. Soluções práticas de direito. v. 4. São Paulo: Ed. RT, p. 297.
2. CARVALHO, Milton Paulo de. Do pedido no processo civil. Porto Alegre: SAFe, 1992, p. 101.
PEDIDOS IMPLÍCITOS • RAFAEL CALMON
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compreendidos no pedido simples ou qualif‌icado, ou presume neles compreendidos
como decorrência da sucumbência”. Por sua vez, na visão exposta por Fredie Didier
Jr. no ano 2015,3 e já a respeito do Código de 2015, pedido implícito seria “aquele que,
embora não explicitado no instrumento da postulação, compõe o objeto litigioso do
processo (mérito) em razão de determinação legal. Mesmo que a parte não peça, deve
o magistrado examiná-lo de ofício”.
Perceba que, apesar de reconhecerem os pedidos implícitos como uma f‌igura jurí-
dica, ambos os professores parecem limitar sua ocorrência às hipóteses previstas por lei.
Existem alguns estudiosos que sequer os reconhecem como f‌igura autônoma. Em
uma passagem de sua clássica obra, Cândido Rangel Dinamarco4 deixaria anotado que
“conceitualmente, não há lugar para a existência de pedidos implícitos”, ao argumento
de que “falar em pedido implícito é valer-se arbitrariamente de uma desnecessária f‌icção
legal, porque basta reconhecer que todos esses são casos em que o pedido é dispensado,
não havendo porque f‌ingir que ele haja sido deduzido”.
De opinião parecida é Marco Antonio dos Santos Rodrigues,5 para quem “tecnica-
mente, a expressão pedido implícito não é a mais adequada, pois se trata de uma dispensa
de pedido, ou seja, de um cúmulo objetivo decorrente de lei”.
Outros tantos estudiosos os incluem nas amplas “exceções à regra da adstrição”,
misturando-os com outras espécies que não se adequariam bem a este gênero, como
visto no capítulo antecedente.6
Se a literatura não investiga o fenômeno a contento, as decisões dos tribunais
ref‌letem imediatamente essa carência, confundindo categorias de direito distintas e
lhes direcionando tratamento processual nada adequado em um sistema que pretenda
que seus órgãos devam “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente” (CPC, art. 926, caput).
A f‌im de se comprovar esta af‌irmação, vale a pena ser feito um breve apanhado
sobre a forma como eles vêm sendo tratados pelas mais altas Cortes de Justiça do país.
Os resultados obtidos, advirta-se, revelam quadros preocupantes.
7.1.2 O segundo obstáculo: a incoerência jurisprudencial sobre o tema
Outro enorme problema que o pesquisador encontra ao pretender conhecer mais
a fundo os pedidos implícitos é a forma absolutamente aberta e desparametrizada com
que eles vêm sendo tratados pelos Tribunais Superiores.
3. DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1., 17. ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 590.
4. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. III. 3 ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2003, item 455.
5. RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. A modif‌icação do pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de
Janeiro: Mundo Jurídico, 2014, nota de rodapé 87, p. 251.
6. SIQUEIRA, Thiago Ferreira. Objeto do processo, questões prejudiciais e coisa julgada: análise dos requisitos para a
formação de coisa julgada sobre a questão prejudicial incidental no Código de Processo Civil de 2015. Tese (Doutorado).
Universidade de São Paulo, 2018, p. 96; MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo civil: relações
entre demanda e tutela jurisdicional. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 141-142.
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7 • O PEDIDO IMPLÍCITO
Repetindo-se aqui o que foi escrito na introdução deste trabalho, buscas realizadas
em janeiro de 2020, na página virtual da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob
os termos pedido adj implícito, permitiram encontrar 12 (doze) documentos relativos
a Acórdãos, 43 (quarenta e três) documentos retirados de Decisões Monocráticas e 02
(dois) de Decisões da Presidência. Por seu turno, semelhante pesquisa desenvolvida na
página do Superior Tribunal de Justiça na internet, na guia “pesquisa livre”, com a seleção
dos campos “acórdãos”, “súmulas” e “decisões monocráticas” de sua base de pesquisa,
permitiu que fossem encontrados 03 (três) documentos referentes a Acórdãos de Re-
petitivos, 267 (duzentos e sessenta e sete) documentos referentes a Acórdãos e 4.157
(quatro mil, cento e cinquenta e sete) documentos referentes a Decisões Monocráticas.
Somadas, essas ocorrências resultaram em mais de 4.400 documentos em que a
expressão “pedido implícito” foi utilizada pelas Cortes de Sobreposição.
No Supremo, as mais antigas remontam à primeira metade do século passado;7 no
Superior, ao início dos anos 1990,8 sendo que todas se estendem a período posterior à
entrada em vigor do estatuto processual de 2015, diploma este, inclusive, mencionado
em várias delas.
Fazendo-se uma breve retrospectiva histórica, percebe-se que ainda nos anos 70
do século passado, o Supremo Tribunal Federal já admitia que determinadas providên-
cias se encontrassem encartadas no pedido, a partir de uma interpretação da petição
inicial, como ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário n. 85.258/RS, em que
foi concedida a gratuidade da justiça a uma parte hipossuf‌iciente do ponto de vista
econômico, mas que não a havia postulado expressamente. Ao f‌inal, o pronunciamento
restou assim ementado:
Justiça gratuita. Deferimento pelo juiz com base em pedido que reputou formulado. Matéria de inter-
pretação da petição inicial, imune a reexame na via extraordinária. Recurso não conhecido.
(RE 85.258/RS, J. em 21.05.76)
Convenhamos, contudo, que a postulação voltada à obtenção de gratuidade da
justiça não é bem um pedido, mas sim um mero requerimento.
No Superior Tribunal de Justiça, já faz bastante tempo que o posicionamento foi
f‌ixado em um sentido específ‌ico: o de que o pedido deve ser extraído a partir da inter-
pretação lógico-sistemática da petição inicial, e não somente daquilo que constar de
capítulo especial ou que estiver sob a rubrica “dos pedidos”.9
Por questão meramente metodológica. a partir de agora serão analisados mais de
perto apenas os resultados encontrados nesta Corte, até porque, a rigor, eles acabam
mantendo sintonia com os encontrados no Supremo Tribunal Federal.
7. STF, Tribunal Pleno. RE 14.768 EI/DF, Rel. Min. Orozimbo Nonato, DJ de 23.04.1953; 1ª T. RE 26.949/SP, Rel.
Min. Mário Guimarães, DJ de 20.05.1955; 2ª T. RE 27.323/SP, Rel. Min. Edgard Costa, DJ de 05.04.1956.
8. STJ, 1ª T. REsp 11.139/PE, Rel. Min. Pedro Acioli, DJ de 04.11.1991; 1ª T. REsp 20.923/SP, Rel. Min. Demócrito
Reinaldo, DJ de 21.09.1992; 6ª T. REsp 29.830/SP, Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, DJ de 05.04.93.
9. A título meramente exemplif‌icativo: STJ, 4ª T. REsp 76.153/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de
05.02.96; 3ª T. REsp 337.785/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 25.03.02; 1ª T. AgRg no Ag 468.472/RJ, Rel.
Min. Luiz Fux, DJ de 02.6.03.

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