O subsistema postulatório do processo civil brasileiro

AutorRafael Calmon
Páginas177-197
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O SUBSISTEMA POSTULATÓRIO DO
PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Em um sistema processual dinâmico e complexo, como é o brasileiro, f‌ica um pouco
difícil tentar compreender institutos e categorias jurídicas de forma pontual e isolada.
Daí a importância de se enxergar todas as estruturas do Direito de forma sistêmica, isto
é, de forma conjunta e inter-relacionada com tantas outras que se encontram ao seu
redor, para que se possa detectar suas possíveis implicações e se criar um regime jurídico
unif‌icado para seu tratamento.
Portanto, além de observar o conjunto da postulação e a boa-fé (art. 322, §2º), a
interpretação do pedido deve ser orientada e disciplinada por um agrupamento especí-
f‌ico de normas e valores prescritos preponderantemente pelo subsistema postulatório,
que é o subsistema normativo vocacionado a regulamentar todos os aspectos dos atos
de postulação.
Aliás, este é o verdadeiro pontapé inicial da atividade interpretativa: saber a qual
grupamento normativo pertence o ato a ser interpretado.
É por isso que, antes de se estudarem as formas de interpretação dos atos de pos-
tulação, serão tecidas algumas considerações sobre os sistemas jurídico-normativos e
suas subdivisões.
5.1 OS SISTEMAS, SUBSISTEMAS E MINISSISTEMAS JURÍDICO-NORMATIVOS
De acordo com o contexto cultural em que se encontram inseridas, certas práticas
podem ser consideradas juridicamente válidas e socialmente aceitas em determinadas
localidades, mas legalmente inválidas e francamente repudiadas pelo corpo social de
outras. Pelo mesmo motivo, métodos autocompositivos podem contar com maior ou
menor estímulo, procedimentos podem passar ou deixar de existir, e, direitos subjeti-
vos podem receber maior ou menor proteção estatal, exigindo, por consequência, uma
ingerência do Estado em maior ou menor escala.
Enf‌im! Tudo é questão de como os padrões culturais dão forma a um organismo de
pensamento que possa ser considerado racional, coerente e capaz de atribuir sentido e
a regular condutas em meio aos acontecimentos sociais de determinada localidade, em
certa época da história.
Cada componente dessa estrutura serve, ao mesmo tempo, como justif‌icação e
consequência de outro, formando um imenso sistema.
PEDIDOS IMPLÍCITOS • RAFAEL CALMON
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Não importa qual área do saber constitua objeto de pesquisa, o vocábulo sistema
sempre transmite a ideia de um agrupamento de elementos tendente a constituir um
todo organizado ao redor de algo em comum, dotado de propósito específ‌ico. A própria
etimologia do termo remete a algo próximo a “colocar junto ao mesmo tempo”, “reunião
de partes distintas”.
5.1.1 Os sistemas jurídico-normativos e sua interpretação
Na Ciência do Direito não poderia ser diferente. O sistema jurídico constitui o
ajuntamento de maneira signif‌icativamente coordenada, coerente e racional de valores
e normas vocacionados a orientar condutas intersubjetivas e a regular racionalmente a
vida em sociedade em determinados território e quadra da história. Ao menos é assim
na percepção de Norberto Bobbio,1 para quem o sistema representaria uma totalidade
ordenada, ou um conjunto de elementos que seguiria determinada ordem e que se re-
lacionaria coerentemente tanto com o todo como entre si.
Suas principais características são a unicidade do ponto de partida, a unidade, a
coerência e a completude, na medida em que tem por base uma norma superior sob a
qual as demais são construídas de forma escalonada, não tolera incoerências internas
e permite que o julgador sempre encontre nele alguma norma apta a regular qualquer
caso que se lhe apresente.2
Sem que esses atributos estejam presentes, poder-se-ia falar apenas em um emara-
nhado de normas e valores, mas não em algo sistêmico e ordenado.
Possivelmente, sua maior peculiaridade seja a de que, por ser vertido em linguagem,
o conglomerado de normas por ele abrangido se materialize sob as mais variadas formas
linguísticas, a partir das quais o sujeito promove a construção de sentidos no processo
conhecido como interpretação.3
Enxergado a partir de um enfoque amplo, o sistema jurídico representaria, na ver-
dade, um macrocosmo ou um macrossistema, composto não só de normas, mas também
orientado por valores presentes naquela sociedade em determinado momento histórico.
Nessa acepção, comporia o próprio ordenamento jurídico.4 Dentro dele habitariam sub-
1. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste C. J. Santos. 10. ed. Brasília: Editora Uni-
versidade de Brasília, 1999, p. 49, 71, 115.
2. Por todos: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 228; BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste C. J. Santos. 10. ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 49, 71, 115. Mas a consulta também se faz importante a: CANARIS,
Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1989, p. 12; LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito: das origens a escola histórica. v. 1. Trad.
Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2008. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do
direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005, p. 184-187.
3. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998,
p.16-17, 69; VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses,
2005, p. 53.
4. Aparentemente com essa percepção: CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max
Limonad, 2002, p. 188, onde o autor faz a distinção entre sistema jurídico e sistema normativo do Direito. Para ele,
este último é apenas o conjunto harmônico das normas existentes na ordenação jurídica, enquanto o primeiro é mais
amplo, abrangendo, além do sistema normativo, todas as demais proposições prescritivas do direito”. Nesse ponto,

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