A Penhora On-Line no Processo Civil

AutorAgnaldo Gomes de Souza
Páginas43-76

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2. 1 A responsabilidade da pessoa jurídica

A responsabilidade, quanto ao pagamento das dívidas da empresa, em principio é da pessoa jurídica, sendo que os sócios da empresa não respondem diretamente com o seu patrimônio pelas dívidas geradas pela empresa, salvo nos casos determinados em lei, como veremos nos capítulos seguintes. A pessoa jurídica tem autonomia patrimonial, sendo que os seus bens não se confundem com os bens particulares dos seus sócios em decorrência das obrigações sociais.

O art. 1.024, do Código Civil, preceitua que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade. Os bens dos sócios somente poderão ser executados depois de serem esgotados todos os meios para a execução dos bens sociais, sem que se obtenha êxito, aplicando-se, na hipótese, a responsabilidade subsidiária, à semelhança da regra estabelecida no art. 596, do Código de Processo Civil36. Convém esclarecer a exceção da regra ora referenciada, tendo em vista a sociedade empresária ter

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responsabilidade nos casos alcançados pela teoria ultra vires societatis de origem anglo-saxônica. Para Adalberto Simão Filho, “o traço característico da formulação original dessa teoria refere-se à consideração de que qualquer ato praticado em nome de pessoa jurídica que extrapole o seu objeto social seria nulo”.37Não obstante a aplicação da teoria ultra vires societatis, o Código Civil estabelece no seu art. 1.015, parágrafo único, as hipóteses em que os excessos praticados pelos administradores podem ser opostos aos terceiros: “I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no regis-tro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação, evidentemente estranha aos negócios da sociedade”.

As observações acima têm pertinência para o tema, em razão do art. 1.016 do Código Civil Brasileiro reconhecer a responsabilidade solidária dos administradores perante terceiros prejudicados, por culpa (negligência, imprudência ou imperícia) na execução das suas funções, sendo idêntica à regra aplicada na sociedade anônima, como se percebe no preceito contido no art. 158, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas)38. Logo, nessa linha de raciocínio, persiste a aplicação da teoria ultra vires societatis, porém com a nulabilidade dos atos praticados pelos administradores, desde que estejam previstos no rol taxativo dos artigos 166 e 167, ambos do Código Civil

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Brasileiro39, o que o diferencia do ato que seria nulo, antes das alterações já mencionadas.

Nos casos em que os sócios agirem em desacordo com os estatutos da empresa, por excesso de mandato ou violação da lei, responderão por expressa determinação legal; ao passo que quando os sócios agirem com culpa (imprudência, negligência ou perícia), o ônus da prova é do credor, devendo o exequente provar o ilícito civil praticado pelos sócios.

A responsabilidade dos sócios, gerente e administradores da sociedade empresária, por atos lesivos praticados com abuso de direito no âmbito dos negócios relacionados à pessoa jurídica, é subsidiária, devendo primeiro ser esgotados os meios para alcançar o patrimônio da empresa. Na inexistência de bens para a satisfação do credor, a responsabilidade será redirecionada ao patrimônio dos sócios, a fim de proporcionar a efetividade do processo judicial de execução.

Como visto anteriormente, a penhora on-line, no processo judicial e efetivada nas contas bancárias das empresas, é um instrumento legal e regulamentado pelos provimentos dos tribunais de justiça, em convênio com o Banco Central do Brasil. No entanto, apesar do procedimento da penhora on-line estar prevista na legislação, em alguns casos concretos, a penhora não pode ser realizada, principalmente quando houver excessos e abu-

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sos, como é o caso do excesso de bloqueio de valores, por meio eletrônico, na conta bancária do devedor no processo judicial. Nesse caso o juiz deve agir com cautela para evitar prejuízos para a economia da empresa e dos seus sócios e, em alguns casos, até da subsistência da empresa, evitando a insegurança jurídica.

Releva notar que as diretrizes e estruturas da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), previstas na lei e colocadas à disposição para utilização no desenvolvimento do processo judicial, devem estar em consonância com o princípio da legalidade e com os direitos e garantias fundamentais reconhecidos na Constituição Federal. Deve então, o magistrado, se utilizar das máximas de experiência (art. 335, do CPC)40, não apenas para suprir a falta de normas, cuja lacuna pode ser preenchida por outros recursos jurídicos, mas também para se valer de recursos e meios que possam lhe auxiliar na interpretação teleológico-finalista, visando atender aos fins sociais da lei, bem como às exigências do bem comum, na apreciação do caso concreto, de conformidade com o art. 5º, da Lei de introdução às Normas do Direito Brasileiro41.

2. 2 A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica

A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica é o ato pelo qual a responsabilidade pelas dívidas, geradas

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pela pessoa jurídica, recai sobre o patrimônio da pessoa dos seus sócios, gerentes e administradores, nos casos previstos na lei. Segundo doutrina Rubens Requião42, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica surgiu em 1897 na Inglaterra, especificamente no processo Salomon vs. Salomon & Co. A teoria da desconsideração

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da personalidade jurídica (disregard doctrine) surgiu para coibir os abusos e os atos ilícitos praticados pelos sócios que utilizavam a sociedade empresária como blindagem, para a prática de atos ilícitos43.

No direito brasileiro, a desconsideração da personali-dade da pessoa jurídica está prevista no art. 34 da Lei nº 12.529/201144, que dispõe sobre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, no art. 4º da Lei nº 9.605/9845, que trata da Lei de Crimes Ambientais, no art. 28, pará-

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grafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor46e no art. 50, do Código Civil Brasileiro47.

A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica na Lei nº 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência), adota o critério da desconsideração semelhante ao critério adotado pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que as hipóteses tratadas no art. 34 da referida lei prescindem de culpa, nas suas modalidades de imprudência, negligência ou imperícia, a serem reconhecidas nos atos praticados pelos sócios, gerentes ou administradores da sociedade empresária. É evidente o reconhecimento da responsabilidade objetiva atribuída aos sócios, nos casos tratados no art. 34 do Sistema Brasileiro de Defesa de Concorrência, ou seja, nos casos de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade, quando provocados pela má administração. O art. 4º da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), adota o critério da responsabilidade objetiva

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para a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. Segue o critério semelhante ao disposto no art. 34, da Lei nº 12.529/2011 e do art. 28, § 5º do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que para a desconsideração é necessário que apenas a personalidade da pessoa jurídica seja “obstáculo” para a indenização ou compensação dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

O Código de Defesa e Proteção do Consumidor, criado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, determina no seu art. 28, caput, faculdade ao juiz de aplicar a regra da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, quando houver abuso de direito, excesso de poder e outras ilicitudes em detrimento do consumidor48. Logo, em se tratando de relação de consumo, uma breve interpretação literal do Código de Defesa do Consumidor, demonstrará a existência da aplicação da regra de responsabilidade objetiva para a efetivação da desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do seu art. 28, § 5º.49Porém, a referida regra não está pacificada na doutrina, gerando vertentes que enfocam o assunto sob diferentes pontos de vista; uma sob a ótica da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que admite apenas a ocorrência da simples insolvência ou falência da sociedade empresária ou quando a personalidade jurídica da empresa apresentar obstáculos para o ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores, cuja corrente tem amparo no CDC. E outra

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corrente com esteio na teoria maior da desconsideração e na regra subjetiva de responsabilidade, a qual reconhece a desconsideração somente nos casos excepcionais de fraude, abuso de direito e confusão patrimonial50, nos moldes do art. 50, do Código Civil Brasileiro51.

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O dispositivo do “caput” do art. 28 do CDC gera controvérsias na doutrina e na jurisprudência, diante da aplicação do seu parágrafo 5º, que tem sido interpretado sistematicamente, de modo que o mesmo prevalece sobre o dispositivo do seu “caput”52. A divergência interpretativa do art. 28 do CDC, entre o seu “caput” e o parágrafo 5º, provocou a apreciação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, proferida no REsp nº 279.273-SP, a qual priori-zou a aplicação do art. 28, § 5º do CDC, como preleciona Zelmo Denari: “De sua parte, o Min. Pádua Ribeiro, na esteira do pensamento da Min. Nancy Andrighi, fortaleceu a divergência ao considerar que o § 5º do art. 28 é independente do ‘caput’, concluindo que “pode o julgador desconsiderar a pessoa jurídica quando sua personalidade constituir obstáculo ao ressarcimento dos consumidores lesados”53. Zelmo Denari filia-se à corrente que defende a aplicação do § 5º do art. 28 do CDC54.

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Portanto, enquanto se trata de matéria ainda controvertida na doutrina e na jurisprudência55, o operador do

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