A Penhora On-Line no Processo do Trabalho

AutorAgnaldo Gomes de Souza
Páginas99-144

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4. 1 Natureza jurídica do crédito trabalhista

O crédito trabalhista tem natureza alimentar. O direito aos alimentos constitui direito de personalidade, sendo, portanto, irrenunciável e intransmissível, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária, conforme preceitua o art. 11 do Código Civil142. O art. 449 da CLT143estabelece que os direitos provenientes do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da sociedade empresária. A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, deixa o crédito trabalhista em primeiro lugar na classificação dos créditos, nos moldes do art. 83, inciso I144. O Código Tributário Nacional, criado pela Lei nº

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5.172, de 25 de outubro de 1966, ao determinar, no art. 186,145a preferência do crédito tributário, faz ressalva ao crédito oriundo da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. O art. 649, inciso IV, do CPC146reconhece a impenhorabilidade do salário.

A jurisprudência147é pacífica quanto ao entendimento de que o crédito trabalhista se reveste de natureza alimentar, cuja posição tem acento no princípio da dignidade da pessoa humana, em virtude de se tratar de rendimento proveniente da força de trabalho do obreiro, necessário para assegurar a sua sobrevivência, sendo o mesmo

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irrenunciável, intransmissível148e consiste em norma de ordem pública, das quais as partes não podem dispor149.

A doutrina, também, se posiciona no sentido de reconhecer a natureza alimentar do crédito trabalhista. Itamar Gaino,150ao tratar da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, pondera, com propriedade, a natureza alimentar do crédito trabalhista como fundamento preponderante na desconsideração, cuja natureza alimentar sedi-

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menta a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana. Não há que se falar na necessidade de se aplicar a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, mas, apenas, o critério hermenêutico integrativo para contrabalançar a colisão entre os direitos do empregado e do sócio.

4. 2 A penhora on-line na execução trabalhista

O Direito Processual do Trabalho rege os procedimentos na execução trabalhista, com a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho, criada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, especificamente no Título X, Capítulo V, que trata da Execução, entre o art. 876 e o art. 892, o que demonstra a sua regulamentação de forma lacunosa, já que os artigos de lei não são suficientes para regulamentar todos os conflitos que surgem na fase de execução no processo do trabalho. Por essa razão o Direito Processual do Trabalho, por força do art. 889151da Consolidação das Leis do Trabalho adota, nos procedimentos da execução judicial, a aplicação subsidiária da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que regulamenta o processo de execução fiscal, bem como acolhe a aplicação supletiva do Código de Processo Civil, nos moldes do art. 769 da CLT152, desde que as normas previstas na lei de execução fiscal e no CPC não sejam incompatíveis com o processo do trabalho.

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No entanto, em tese, no processo de execução trabalhista, o operador do direito, primeiro se utiliza da aplicação da CLT. Não encontrando a norma para reger o caso a ser examinado, aplica a Lei nº 6.830/80. Se esta não oferecer a norma adequada para a solução do caso em análise, o intérprete aplicará o Código de Processo Civil153. Nesse sentido Wagner D. Giglio dá ênfase à aplicação subsidiária da lei de execução fiscal (Lei nº 6.830/80), tendo em vista que o art. 889 da CLT acolhe a referida lei de maneira subsidiária154.

Para Amauri Mascaro Nascimento, quando o processo do trabalho era regido pelo Decreto-Lei nº 1.237, de 1939, hoje revogado, eram aplicadas as normas sobre a execução fiscal, critério mantido pelo art. 889 da CLT, criado pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. O Decreto-Lei nº 960, de 1938, regia o processo de execução fiscal, fonte subsidiária ao processo do trabalho. O art. 889 da CLT continuou vigente com a revogação do

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Decreto-Lei nº 960, de 1938, pelo Código de Processo Civil. Entrou em vigor a Lei nº 6.830 de 1980, regendo o processo de execução fiscal e restabelecendo a eficácia do art. 889 da CLT. A lei de execução fiscal é específica e o art. 889 da CLT a ela se refere155.

Sem embargo da discussão doutrinária sobre ser ou não o Código de Processo Civil fonte de aplicação subsidiária ao processo de execução do trabalho, o que se pode perceber é que, atualmente, as lides trabalhistas têm demonstrado que, na prática, é mais comum o operador do direito, na falta de norma prevista na CLT para reger o processo de execução, se valer da aplicação do Código de Processo Civil, de forma subsidiária, do que se socorrer da lei de executivos fiscais. Nesse diapasão, tem prevalecido a aplicação subsidiária do CPC no processo de execução do trabalho, até porque o art. 741 do CPC156, com redação determinada pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro

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de 2005, trata dos embargos à execução contra a Fazenda Pública.

Dependendo do caso concreto enfocado, a aplicação do Código de Processo Civil, de maneira subsidiária ao processo do trabalho, quando houver compatibilidade com este, torna o processo do trabalho mais eficaz do que a aplicação exclusivamente da CLT, tendo em vista sua omissão normativa ou sua normalização insuficiente para alcançar os inúmeros casos que surgem nas lides trabalhistas em fase de execução157.

O processo de informatização na Justiça do Trabalho tem apresentado êxito, especialmente no que diz respeito à redução da morosidade do processo judicial. É evidente que em alguns aspectos precisa melhorar, mas de um modo geral pode-se dizer que houve um grande progresso, principalmente no tocante à adoção de técnicas modernas direcionadas ao uso da Internet, com o escopo de alcançar a efetividade do processo na Justiça do Trabalho. Isso proporciona eficiência na prestação jurisdicional, sem prejuízo das garantias do devido processo legal, bem como dos “princípios e direitos que efetivamente regulem e propulsionem a atuação do próprio Direito do Trabalho158”.

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A preferência na constrição de valor em pecúnia do devedor no processo do trabalho para integrar a penhora está prevista no art. 655, I do CPC159, c.c. com o art. 882, da CLT160e no art. 11 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980161, que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública. A constrição judicial de valores em pecúnia, por meio eletrônico, na conta bancária do devedor foi admitida no ordenamento jurídico, primeiramente no âmbito da Justiça do Trabalho. Em março de 2002, O Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central do Brasil firmaram convênio de cooperação, com o propósito de se utilizar dos mecanismos tecnológicos eletrônicos à disposição, com o escopo de tornar ágil a constrição

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de valor em pecúnia para a formalização da penhora162e proporcionar efetividade ao processo163.

Através desse convênio entre a Justiça Federal do Trabalho e o Banco Central do Brasil, denominado de BACEN/JUD, os juízes trabalhistas encaminham às instituições financeiras, ofícios eletrônicos, com o fim de obter informações sobre contas correntes e demais ativos financeiros dos devedores, pessoas físicas ou jurídicas, no processo de execução trabalhista, com poderes para determinar bloqueios e desbloqueios das contas164.

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Como se pode perceber, não houve alteração da penhora, a qual é formalizada mediante a apreensão e o depósito dos bens, nos moldes do art. 664, do Código de Processo Civil165. Logo, do ponto de vista terminológico, também, não há que se falar em “penhora eletrônica” ou “penhora on-line”. O que existe, na verdade, é a mudança quanto ao modo a ser utilizado para a realização da constrição em dinheiro para integrar a penhora, que passou a ser por meio eletrônico, através de ordem judicial e do bloqueio eletrônico via Internet166.

Quando da admissão da constrição de valor na conta bancária e nos demais ativos financeiros do executado no processo do trabalho, por meio eletrônico, várias entidades contrárias ao procedimento on-line propuseram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), que não foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, já que a Corte Suprema não vislumbrou a existência dos fundamentos jurídicos dessas ações, com amparo na existência de afronta ao princípio do contraditório, princípio da ampla defesa e do devido processo legal, dentre outros167.

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Além das arguições de ser a penhora on-line inconstitucional no aspecto material, no âmbito da inconstitucionalidade no plano formal, os argumentos que prevaleciam nas pretensões contrárias à penhora on-line se reportam à falta de legislação infraconstitucional para dar suporte jurídico à realização da constrição judicial on-line, já que, nesse particular, a competência privativa para legislar sobre Direito Processual é da União, nos moldes do art. 22, inciso I, da Constituição Federal168.

Com o advento da Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, que acrescentou o art. 655-A e seus incisos do Código de Processo Civil, adotando a constrição judicial dos ativos financeiros depositados nas instituições financeiras, por meio eletrônico, caiu por terra os argumentos contrários à penhora on-line que a consideravam inconstitucional no aspecto formal, em razão do Direito Processual do Trabalho admitir a aplicação subsidiária do CPC, com exceção da matéria que não contrariar o processo do trabalho.

Já em relação à discórdia da corrente contrária na adoção da penhora on-line, em virtude desta demons-trar violação ao sigilo bancário...

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