A perspectiva emancipatória da capacidade civil da pessoa com deficiência em face da lei brasileira de inclusão
Autor | Vitor Almeida |
Ocupação do Autor | Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor Adjunto de Direito Civil da UFRRJ. Vice-diretor do Instituto Brasileiro de Biodireito e Bioética (IBIOS). Advogado. |
Páginas | 91-116 |
A PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
DA CAPACIDADE CIVIL DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA EM FACE DA LEI BRASILEIRA
DE INCLUSÃO1
Vitor Almeida
Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor Adjunto de Direito Civil da
UFRRJ. Vice-diretor do Instituto Brasileiro de Biodireito e Bioética (IBIOS). Advogado.
Sumário: 1. Notas introdutórias: da exclusão à inclusão social da pessoa com deciência – 2. Perso-
nalidade e capacidade civil no direito brasileiro – 3. O regime das (in)capacidades da pessoa com
deciência após o advento do EPD – 4. O m da incapacidade absoluta e a capacidade “possível”
– 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO SOCIAL DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O alvorecer do século XXI presencia uma preocupação sem precedentes na
defesa e promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência, visando sua
plena inclusão social e exercício da cidadania, em igualdade de oportunidades com
os demais atores sociais, superando um passado odioso de invisibilização social e
privação de direitos e garantias fundamentais. Apesar do atual cenário de enalteci-
mento dos direitos da pessoa com deficiência, garantindo-lhes a plena capacidade
legal, e, por conseguinte, a autonomia na tomada de decisões a respeito das questões
existenciais e patrimoniais, a efetiva inclusão social encontra resistência de parcela
da sociedade que não reconhece no outro com deficiência a qualidade de pessoas
humanas de igual valor e competência para atuar, com independência e voz, em
igualdade de condições na vida de relações.
A exclusividade do discurso médico a respeito da deficiência começou a ceder
terreno em fins da década de 1970 com a ascensão do chamado modelo social, que
forçou a sociedade a enxergar a pessoa com deficiência a partir de suas diferenças,
retirando-lhe de um profundo isolamento forçado por meio de sua institucionali-
zação. A principal inovação desse modelo reside na concepção de que a experiência
da opressão não é uma consequência natural de um corpo com lesões, mas também
um problema social. O principal desafio para superar o antigo modelo, puramente
1. O presente trabalho é fruto das ideias e reflexões já substancialmente desenvolvidas em ALMEIDA, Vitor.
A capacidade civil das pessoas com deficiência e os perfis da curatela. Belo Horizonte: Fórum, 2018, cap. 2,
com modificações e acréscimos.
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VITOR ALMEIDA
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médico, é compreender que o legado de opressão é devido às barreiras sociais im-
postas e ao não reconhecimento dessas pessoas como agentes sociais de igual valor
e competência.2
As reinvindicações da sociedade civil e das entidades representativas culmina-
ram na primeira Convenção Internacional do século XX sobre direitos humanos da
Organização das Nações Unidas a versar sobre os direitos da pessoa com deficiência.
A Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu protocolo facultativo (CDPD) foram ratificados pelo Congresso
Nacional através do Decreto Legislativo n. 186, de 09 de julho de 2008, e promulga-
dos pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. As disposições do CDPD encon-
tram-se formalmente incorporadas, com força, hierarquia e eficácia constitucionais,
ao plano do ordenamento positivo interno do Estado brasileiro, nos termos do art.
5º, § 3º, da Constituição Federal. A internalização à ordem constitucional brasileira
da CDPD como Emenda Constitucional revolucionou o tratamento da questão, ao
colocá-la no patamar dos direitos humanos e ao adotar o denominado modelo social
de deficiência.
No plano infraconstitucional brasileiro, a Lei n. 13.146, denominada de Lei Bra-
sileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da Pessoa com Deficiência
(EPD), aprovada em 06 de julho de 2015, instrumentalizou e deu cumprimento à
CDPD. Destinado expressamente a assegurar e promover, em condições de igualdade,
o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência,
visando à sua inclusão social e cidadania, o EPD cria os instrumentos necessários à
efetivação dos ditames constitucionais, dentre os quais se inclui profunda alteração
do regime de (in)capacidade jurídica, previsto no Código Civil, cujas consequências
se alastram praticamente por todo ordenamento jurídico, especialmente no giro
funcional da curatela, que transforma-se em instrumento de apoio à emancipação
da pessoa com deficiência, afastando-se da noção assistencialista e substitutiva de
vontade que sempre a acompanhou.3
O regime da incapacidade civil no direito brasileiro sempre foi estanque e ab-
soluto, visando particularizar determinados sujeitos desautorizados ou inabilitados
à prática de, pelo menos, certos atos da vida civil. Indispensável, no entanto, à luz
da dignidade da pessoa humana e a partir das disposições da CDPD e do EPD, o
estabelecimento de novas bases, numa perspectiva emancipatória da capacidade
civil, que permita a transição da ótica rígida, estrutural e excludente, para uma
concepção dinâmica, promocional e inclusiva do regime de incapacidade. É a partir
dessas premissas que o presente estudo discorre sobre a perspectiva emancipatória
da capacidade civil da pessoa com deficiência no ordenamento brasileiro.
2. Cf. BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA JUNIOR, Vitor de Azevedo. Reconhecimento e inclusão das
pessoas com deficiência. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 13, p. 17-37, 2017.
3. Sobre o assunto permita-se remeter a ALMEIDA, Vitor. A capacidade civil das pessoas com deficiência e os
perfis da curatela. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 195-268.
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