Políticas públicas para pessoas com deficiência no Brasil: estrutura e organização

AutorJorge Amaro de Souza Borges
Ocupação do AutorDoutor em Políticas Públicas (UFRGS). Mestre em Educação (PUCRS). Biólogo (IPA). Assessor Técnico da Faders Acessibilidade e Inclusão.
Páginas59-90
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL:
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO
Jorge Amaro de Souza Borges
Doutor em Políticas Públicas (UFRGS). Mestre em Educação (PUCRS). Biólogo (IPA).
Assessor Técnico da Faders Acessibilidade e Inclusão.
Sumário: 1. Introdução – 2. As transformações do marco legal – 3. Órgãos gestores e seu papel
institucional – 4. Espaços de controle social – 5. Planos e programas: da agenda social ao plano
viver sem limite – 6. Considerações nais – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil, nas últimas décadas, tem produzido um conjunto de políticas públicas
que desaf‌iam a sociedade sob todos os seus aspectos, sejam eles éticos, morais ou
culturais. Os temas de direitos humanos, como igualdade racial, diversidade sexual
e de gênero, questões geracionais e direitos da pessoa com def‌iciência, com todas as
suas controvérsias, cada vez mais disputam espaços na agenda do País e provocam as
estruturas de gestão em todas as esferas, sejam elas a federal, a estadual ou a distrital
e a municipal. Um dos fatores que nos ajuda a entender esse processo é o de que a
luta pelos direitos humanos é um aspecto contraditório, no qual o Estado, qualquer
que seja o governo no regime democrático, e a sociedade civil têm responsabilidades
necessariamente compartilhadas.
Assim, a história da construção das políticas públicas no Brasil nos mostra que
muitas das conquistas tiveram como elemento central a participação dos diferentes
segmentos sociais, cujos grupos buscam seus espaços para af‌irmar seus direitos a
partir da organização coletiva.
Dentre os vários momentos históricos, destacamos aqui o início dos anos 2000,
quando diversos planos, programas e políticas começaram um processo de internali-
zação dos direitos humanos nos planejamentos públicos. As pessoas com def‌iciência,
a partir de normas legais, como as leis da acessibilidade (Leis 10.048 e 10.098, de
2000) e, posteriormente, da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU)
sobre os Direitos da Pessoa com Def‌iciência, em 2006, trouxeram temas novos para a
agenda de direitos. Em 2011, o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Def‌iciência
– o Viver sem Limite –, o primeiro a ser dimensionado na perspectiva intersetorial
no País, apresentou um novo desaf‌io: um tema que por décadas esteve apenas no
cenário da assistência social e da educação agora precisava ter novas traduções no
âmbito dos operadores de políticas públicas de forma transversal.
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As pessoas com def‌iciência, conforme dados da ONU, representam 10% da popu-
lação mundial, ou seja, em torno de 650 milhões de pessoas. No Brasil, são 23,7% da
população, o que corresponde a 45 milhões de habitantes (BRASIL, 2010). Ao longo das
últimas décadas, o conceito de “def‌iciência” tem passado por transformações importantes
mediadas pela participação da sociedade civil, ação dos governos e debates internacionais.
A partir dessa perspectiva, este artigo pretende apresentar um panorama das
políticas da pessoa com def‌iciência no Brasil, abordando sua estrutura organizacional,
tentando compreender como se articulam, em que espaços sociais se materializam,
onde, buscamos pensar, a partir das regras do jogo (as leis) como as estruturas são
arranjadas para garantir a efetivação dos direitos conquistados pelo segmento ao
longo da história recente do nosso país.
Para iniciar essa discussão, precisamos estabelecer alguns conceitos, os quais
servirão para trilharmos nossa escrita. Primeiro, trazemos a ideia de política pública.
Para isso, Latour (2004), em uma visão radical, destaca que a política seria o instru-
mento necessário para uma democracia que pudesse dar voz a todos, humanos e não
humanos. Para Linhares (2000):
[...] a política está referida à polis, ou seja, aos exercícios de poder e controle que nos envolvem
coletivamente, buscando denir quem somos e quem queremos ser, distinguindo-nos dos ou-
tros, a política precisa ser estudada, tanto nas esferas tradicio nais e ociais, de onde emanam as
diretrizes formuladas que se tradu zem em normas e regras de ação e de convivência social, mas
também, buscada nas condutas que tornam aceitáveis e dizíveis aquelas dire trizes e, ainda mais,
investigada no próprio imaginário político e social (LINHARES, 2000, p. 83).
Conforme o livro História do Movi mento Político das Pessoas com Def‌iciên cia no
Brasil (BRASIL, 2010), produzido pela Secretaria Na cional de Promoção dos Direitos
da Pessoa com Def‌iciência, até o f‌inal da década de 1980, o Estado brasileiro não tinha
ações efetivas para a pessoa com def‌iciência, sendo que as existentes eram esporádicas,
desarticuladas, sem continuidade e centradas na educação, não ocorrendo, assim,
políticas universais nas áreas de saúde, educação, trabalho, dentre outras.
A política da pessoa com def‌iciência é complexa, dadas as peculiaridades que
a envolvem. Ela não tem um lugar específ‌ico e ao mesmo tempo precisa estar em
todos os espaços, dialogando com todas as áreas do conhecimento e de atuação das
diferentes estruturas públicas, iniciativa privada e da sociedade civil.
Para Borges (2014):
Como seria a organização ideal das políticas públicas para as pessoas com deciência? Existe um
modelo a ser seguido? Com base em algumas experiências que vêm ocorrendo em vários estados
e municípios do país, podemos ter como indicativo que, pelo menos, as seguintes estruturas são
necessárias: órgão gestor, espaço de controle social, plano e fundo ou outros mecanismos de
nanciamento (BORGES, 2014, p. 103).
Para Gramsci (2000), “(...) na noção geral de Estado entram elementos que
devem ser remetidos à noção de sociedade civil no sentido, seria possível dizer, de
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que o Estado = sociedade política + sociedade civil; isto é, a hegemonia couraçada
de coerção” (GRAMSCI, 2000, p. 244). Conforme Brunello (2007), hegemonia é a
capacidade revelada por um ou mais grupos sociais de dirigir outros grupos sociais
pelo consentimento. Tornar-se hegemônico signif‌ica conseguir uma posição de su-
premacia na sociedade, passando a dominá-la pela força das instituições do Estado
e do governo político.
Vamos compreender, aqui, política como processo. O que a incorpora na agenda
pública é a demanda social, que pode ser construída pela compreensão do sentimen-
to de cidadania. Dessa forma, vamos tentar entender os mecanismos da política da
pessoa com def‌iciência no Brasil a partir dos seguintes aspectos: marco legal, órgãos
gestores, espaços de controle social e planos e programas. Esses elementos fazem
parte do desenho institucional da rede de proteção social que busca dar à pessoa
com def‌iciência um espaço nessa “arena política” que está em permanente disputa
na democracia brasileira.
2. AS TRANSFORMAÇÕES DO MARCO LEGAL
Para Celina Souza (2007), os debates sobre políticas públicas implicam respon-
der sobre o espaço que cabe aos governos nos processos de def‌inição e implementação
de determinadas estratégias que coloquem o governo em ação.
No Brasil, a política de inclusão social das pessoas com def‌iciência tem re-
conhecimento como norma ampla, a partir da Constituição Federal de 1988, que
originou a Lei 7.853/1989, posteriormente regulamentada pelo Decreto 3.298/99.
Esses documentos nacionais, junto a outros, com destaque para as Leis 10.048 e
10.098 de 2000 e o Decreto 5.296/2004, conhecido como o decreto da acessibilida-
de, são instrumentos legais importantes que vieram ganhar força com a aprovação,
pela Assembleia-geral das Nações Unidas, realizada em 14 de Dezembro de 2006, da
Convenção Internacional da Organização das Nações Unidas dos Direitos da Pessoa
com Def‌iciência – CDPD (BRASIL, 2007) –, que trouxe um conceito inovador de
def‌iciência, sobretudo para o contexto brasileiro:
Pessoas com deciência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
(BRASIL, 2007)
A convenção foi ratif‌icada pelo governo brasileiro em 2008, depois de ser apro-
vada em dois turnos no Congresso, com quórum qualif‌icado, obtendo assim a equi-
valência de emenda constitucional, sendo o primeiro tratado de direitos humanos
a ter esse status no País.1
1. Decreto Legislativo 186/2009 Decreto Federal 6.949/2009.
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