Princípio da adaptação do trabalho ao trabalhador

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor-Fiscal do Trabalho do Núcleo de Segurança e Saúde do Trabalhador
Páginas222-248
222
CAPÍTULO 8
PRINCÍPIO DA ADAPTAÇÃO DO TRABALHO AO
TRABALHADOR
“Melhor é a mão cheia com descanso do que ambas as mãos cheias
com trabalho e aflição de espírito.” Eclesiastes, 4.6
O princípio da adaptação do trabalho ao trabalhador é apresentado neste
capítulo partindo-se de um breve histórico das condições de trabalho do operário
na Revolução Industrial até se chegar, num período posterior, ao nascimento da
ergonomia. O item subsequente expõe sua conceituação, importância e aplicações
e suas interfaces e, ao final, como se dá a efetividade prática do mencionado
princípio.
8.1. Da adaptação do trabalhador ao trabalho à adaptação do
trabalho ao trabalhador
Na manufatura e nos ofícios, o trabalhador serve-se do instrumento. Na
fábrica, ele serve a máquina. No primeiro caso, ele é quem move o meio de tra-
balho. No segundo, ele só tem que acompanhar o movimento. Na manufatura,
os trabalhadores são membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, são apenas os
componentes vivos de um mecanismo morto que existe independente deles.
A deplorável rotina de um labor interminável, em que o mesmo processo me-
cânico se renova sem parar, é parecido com o trabalho de Sísifo, um personagem
da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma
pedra da base de uma montanha até o seu topo, só para vê-la rolar para baixo
novamente. Como a pedra que rola, fazendo eternamente o mesmo movimento,
o peso do trabalho volta sempre a cair sobre o operário esgotado.
Assim sendo, ao mesmo tempo em que o trabalhador mecânico cansa ao má-
ximo o sistema nervoso, suprime, também, o jogo variado dos músculos e impede
toda atividade livre física e intelectual.(360) Até a maior facilidade do trabalho se tor-
na instrumento de tortura já que a máquina não dispensa o operário do trabalho,
mas faz com que o trabalho se torne monótono.
(360) ENGELS, F. Situação das classes trabalhadoras na Inglaterra. Études Économiques, Paris, 1846.
p. 217.
223
Toda produção capitalista, como geradora não só do valor, mas também da
mais-valia, tem esta característica: em vez de dominar as condições de trabalho, o
trabalhador é dominado por elas, mas essa inversão de papéis só se torna real e
efetiva, do ponto de vista técnico, com o emprego de máquinas.
O meio de trabalho tornado autômato se ergue, durante o processo de traba-
lho, diante do operário sob a forma de capital, de trabalho morto, que domina e
explora a força de trabalho viva. A separação entre forças intelectuais do processo
de trabalho e trabalho manual e a transformação delas em meios pelos quais o
capital sujeita o trabalho tornam-se efetivas na grande indústria baseada no ma-
quinismo.
A subordinação técnica do operário à marcha uniforme do meio de traba-
lho e a composição particular do corpo de trabalho, formado por indivíduos de
idade e sexo diferentes, criam uma disciplina bem militar, que se torna o regime
absoluto das fábricas e desenvolve, amplamente, o trabalho dos supervisores e a
distinção dos operários em trabalhadores e supervisores, em soldados e suboficiais
da indústria.
A principal dificuldade, na fábrica automática, consistia na necessidade de
estabelecer uma disciplina indispensável, por meio da qual os operários perdessem
os hábitos irregulares e chegassem à regularidade imutável do perfeito autômato.
A elaboração e aplicação de tal código de disciplina, adequado às necessidades e
à velocidade do sistema automático, era uma empreitada digna de Hércules.
A escravidão a que a burguesia reduziu o proletariado se manifesta com a
máxima clareza no sistema das fábricas. Nele acaba toda a liberdade, tanto de
direito, quanto de fato. É preciso que o operário esteja na fábrica às 6 horas da
manhã e, se chegar alguns minutos atrasados, o desconto será efetuado em seu
salário. Se o atraso for de dez minutos, recusam-lhe a entrada até a hora do al-
moço e ele perde um quarto do salário. É obrigado a comer, a beber, a dormir de
acordo com as ordens do burguês. O sino despótico vai forçá-lo a deixar a cama, o
almoço, o jantar. E na fábrica? Nela o fabricante é o legislador absoluto. Dita regu-
lamentos a seu bel-prazer, aumenta ou modifica, à vontade, seu código. Ainda que
ele aí inclua os maiores absurdos, os tribunais dirão ao operário: — você aceitou
esse contrato livremente, e, portanto, deve se submeter a ele.(361)
Nestes termos, os operários são condenados a viver dos nove anos até a mor-
te, sob a palmatória, tanto física quanto intelectual, do burguês.
O código de punições do fiscal substituiu o chicote do antigo feitor de es-
cravos. Todas as punições se revertem em multas ou descontos no salário, e a
sagacidade legislativa dos licurgos da fábrica torna a violação de suas leis bem
mais rentável do que sua observação.
(361) ENGELS, F. Situação das classes trabalhadoras na Inglaterra. Études Économiques, Paris, 1846.
p. 216.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT