Princípio da retenção do risco na fonte

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor-Fiscal do Trabalho do Núcleo de Segurança e Saúde do Trabalhador
Páginas200-221
200
CAPÍTULO 7
PRINCÍPIO DA RETENÇÃO DO RISCO NA FONTE
“Uma pessoa inteligente resolve um problema,
um sábio o previne.” Albert Einstein
O princípio da retenção do risco na fonte tem por objetivo eliminar na raiz os
problemas que ameaçam a saúde, a segurança e integridade física dos trabalhado-
res, em vez de se tentar contornar apenas as suas consequências danosas.
Neste capítulo será apresentada a mudança de paradigma da abordagem do
acidente, visto, inicialmente, como fatalidade, passando, posteriormente, por uma
visão monocausal, até se chegar ao entendimento de que na sua gênese existe
uma multicausalidade. Também é demonstrada a adoção do mencionado princípio
como medida prioritária de prevenção e a necessidade de sua efetivação prática.
7.1. Acidente, morte e fatalidade
Nada mais sorrateiro, e por que não dizer até traiçoeiro, que a morte resul-
tante de acidente. Ela surge como uma espécie de ceifeiro que chega do nada e
colhe o que quer. De súbito, quem falava e trabalhava há pouco cai inerte sem
voz, sem gesto. Em agosto de 2011, dois acidentes, um na cidade de Salvador e
outro em São Luís, chamaram a atenção para a falta de segurança nos elevadores
tracionados a cabo dos canteiros de obra no Brasil. Nove operários morreram com
a queda em Salvador e em São Luís o acidente resultou na morte de um trabalha-
dor e outros seis sofreram graves lesões.
Uma cena nem tanto incomum no ramo da construção civil. A vida que se
expressava nas faces e nos corpos destes trabalhadores desmanchou-se como que
tomada por uma repentina e inesperada rajada de vento. O relatório de investiga-
ção de acidente da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Bahia
— SRTE/BA, apresentado no capítulo sobre o princípio do risco mínimo regressivo,
confirmou que o acidente que matou os nove operários, no referido canteiro de
obras de Salvador, foi causado por falta de inspeção e manutenção no elevador a
cabo. O Auditor-Fiscal do Trabalho da SRTE/BA, que investigou o acidente, afirmou
que: “A ruptura (do freio) poderia ser detectada com antecedência, porque foi
constatado indício do processo de trinca no equipamento, que poderia ser evitado
com inspeção e manutenção no eixo do motor e freio de emergência”.(313)
(313) BA: Laudo técnico confirma falta de manutenção em elevador. Notícia Terra, 6 out. 2011. Dis-
ponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5397575-EI8139,00-BA+laudo+tecnico
+confirma+falta+de+manutencao+em+elevador+que+caiu.html>. Acesso em 20 jun. 2012.
201
Esse evento é apenas um dentre outros que compõem uma estatística as-
sustadora. Segundo dados do Instituto de Seguridade Social — INSS, verifica-se,
através do Anuário Estatístico do INSS,(314) que o número total de acidentes de
trabalho nos últimos anos tem apresentado uma tendência crescente, a saber:
em 1999 foram registrados 370 mil acidentes, em 2004 foram 465 mil, em 2005
foram 499 mil, em 2006 foram 512 mil, em 2007 foram 653 mil e em 2009 foram
registrados 723 mil. Essa média foi mantida sem desvio estatístico significativo nos
anos de 2012, 2013 e 2014, que registraram, respectivamente 713, 725 e 704
mil acidentes.(315) As estimativas do Ministério da Previdência apontam para três
mil mortes anuais no ambiente de trabalho, o que, se for considerada a questão
da subnotificação, deve levar a um número bem mais expressivo. Atualmente, no
Brasil, a cada dia, quase dois mil trabalhadores se acidentam, defendendo o pão
da família. Desses, 43 não retornam mais ao trabalho, ou porque ficaram incapaci-
tados para sempre, ou porque morreram. Em média, 7 pessoas perdem suas vidas
por dia trabalhando.(316)
Ora, números como estes lembram baixa de guerra, com a diferença que
quem vai para o fogo cruzado de uma batalha sabe que lá está para matar ou mor-
rer, mas quem, pela manhã, sai ao trabalho espera fazê-lo unicamente para viver.
O problema é que, em várias atividades, a vida parece se equilibrar numa
corda bamba, ameaçada a todo o tempo pelas condições inseguras que oferecem
alguns trabalhos dentro de determinadas empresas. Aqui a construção civil figura
como um dos ramos produtivos mais perigosos, principalmente pela ausência de
uma política de segurança em muitas construtoras. (317) Os trabalhadores conhe-
cem o perigo, tentam ocultar o medo, mas são obrigados a conviver com ambos,
quando não são forçados a lidarem com o fantasma de um ou outro acidente que
colhe a vida de algum companheiro com quem compartilharam o trabalho e as
brincadeiras típicas da construção civil.
No discurso e nas representações mentais dos trabalhadores, pode-se perce-
ber a extensão do medo que responde, em nível psicológico, a todos os riscos que
não são controlados pela prevenção coletiva. São frequentes frases como todo
mundo sabe que trabalhamos sobre um barril de pólvora, quando endereçadas
especialmente às indústrias químicas e petroquímicas, representando a ênfase do
(314) BRASIL. Previdência Social. Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho de 2010 da Previdên-
cia Social. Brasília, DF, 2010. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.
php?id=1214>. Acesso em 16 jan. 2013.
(315) BRASIL. Ministerio do Trabalho e Previdência Social. Anuário Estatístico de Acidentes do
Trabalho: AEAT 2014. Brasilia, DF, 2014. Disponível em: <ftp://ftp.mtps.gov.br/portal/acesso-a-in-
formacao/AEAT201418.05.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.
(316) ACIDENTES de trabalho provocam 7 mortes por dia. Revista Proteção, Novo Hamburgo, nov.
2011. Disponível em: <http://www.protecao.com.br/noticias/estatisticas/acidentes_de_trabalho_
provocam_sete_mortes_por_dia/J9y5AJyJ>. Acesso em: 25 mar. 2013.
(317) SILVA, C. A. D. et al. Construindo o progresso. In: ROCHA, L. et al. (Orgs.). Isto é trabalho de
gente?: vida, doença e trabalho no Brasil. São Paulo: Vozes, 1993. p. 294-320.

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