Princípio da proporcionalidade

AutorJosé Wellington Bezerra da Costa Neto
Páginas181-239

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13. Introdução

O pretexto para exame do princípio da proporcionalidade é sua relação de instrumentalidade no confronto com a onda que se vem denominando protagonismo judicial. O princípio em questão é dotado de matriz constitucional no que concerne aos estudos doutrinários mais frutíferos a seu respeito, em especial quando vem à baila a análise da chamada "colisão de direitos fundamentais" e conceitos como de "balanceamento"; "sopesamento" ou "ponderação" de princípios constitucionais.

A distinção qualitativa entre regras e princípios é um dos pilares da moderna dogmática constitucional. A Constituição concebida como sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores, entre os quais a realização da justiça e dos direitos fundamentais, assume papel central, tendo como método de aplicação a ponderação362.

Afirma-se cuidar-se do "princípio dos princípios", que impulsiona a busca de uma solução de compromisso, qual seja, a de respeitar um dado princípio em situação colidente com outro, desrespeitando ao segundo o mínimo possível363.

Noutro vértice, reconhece-se um efeito expansivo de liberdades proporcionado pela incidência do princípio da proporcionalidade. Diz-se que com a disseminação da análise de proporcionalidade, emerge a tendência

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de incluir todos os tipos de interesses de liberdade nos domínios dos interesses que gozem, prima facie, proteção como direitos364.

É indiscutível que a aplicação do princípio da proporcionalidade implica uma controvertida ascendência do juiz365, como executor da justiça material, sendo muitas vezes equiparada ao puro subjetivismo. Por isto é que os críticos apontam-no como instrumento para deslocamentos secretos de poder na organização do Estado, e forma de viabilização do governo dos juízes. Obviamente que tais críticas partem da patologia na aplicação do princípio, sem observância de seu real conteúdo. Proporcionalidade e arbitrariedade não se confundem. De fato, "o campo de seu desenvolvimento se distancia de parcialidades discricionárias". Cuida-se da máxima normativa por excelência quando se trata da realização prática do Direito366. Não é de voluntarismo que se cuida, mas de abrir ao Judiciário a estratégia de ação construtiva para produzir o melhor resultado possível, mesmo que não seja o único viável367.

O uso do princípio da proporcionalidade nem sempre é dotado do mesmo significado. Na doutrina, em primeira aproximação, virão ideias como a de bom-senso ou prudência, a proporcionalidade afirmada como a proibição do excesso368; adequação entre meios e fins, o que comporta avaliação tanto no âmbito dos atos administrativos discricionários ou vinculados, e mesmo atos legislativos. Fala-se também na apreciação acerca da adoção do meio mais suave e menos oneroso, análise da relação "custo/benefício"369. Por vezes tem sido identificado como exigência de

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racionalidade, ora como limitação à violação de um direito fundamental; limitação à pena; ou ainda, sinônimo de equivalência370.

Eros Roberto Grau empreende análise a partir da distinção entre "norma jurídica" e "norma de decisão", esta última produzida no momento de aplicação do comando abstrato representado pela primeira, e salienta a incidência da proporcionalidade neste segundo momento371.

O mesmo autor identifica a gênese da proporcionalidade na ideia de equidade, inclusive lembrando Aristóteles para dizer que a equidade opõe-se ao caráter geral da lei, o equitativo exsurge como corretivo da justiça legal, visto que a lei se encontra em relação de tensão necessária para com sua concreção.

O direito moderno, segue Eros Grau, avesso que é a subjetivismos, "tragou" a noção de equidade, "e de modo tal que, em face da realidade, quando a sua concepção é retomada – e isso desejo sustentar – embora assumindo a mesma forma e conteúdo, ela tem outros nomes. Inicialmente, o de razoabilidade; e mais recentemente, o de proporcionalidade" e conclui: "proporcionalidade não passa de um novo nome dado à equidade"372.

Uma outra ideia posta pelo autor e que merece referência é a de que a proporcionalidade não é um princípio, mas uma pauta, um critério de interpretação373. É também esta a ideia de Luis Virgílio Afonso da Silva, que à luz da distinção entre regras e princípios de Robert Alexy nega à proporcionalidade o caráter de princípio, já que não produz efeitos em variadas medidas, mas é ou não aplicada sem variações, ou seja, não é concretizado em vários graus.

Assim, enquadra-o Luis Virgílio como regra, que inclusive é dotada de sub-regras, todas aplicáveis mediante critério de subsunção, de modo que quando se

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fala em "princípio" da proporcionalidade não se emprega aquele termo conforme a clássica distinção entre princípios e regras proposta por Alexy374.

Humberto Ávila define-o como postulado normativo-aplicativo, que não pode ser deduzido ou induzido de um ou mais textos normativos, mas resulta da estrutura das próprias normas e da própria característica do Direito de estabelecer proporções entre bens jurídicos exteriores ou divisíveis. O modo de solução da colisão de princípios é que induz o dever de proporcionalidade, e tal meio de solução é a ponderação no plano concreto, porque no plano abstrato não há uma ordem imóvel de primazia. Adiante tais assertivas serão retomadas375.

A aplicação jurídica comporta basicamente dois modelos: subsunção e ponderação. Esta, a seu turno, contém três problemas imbricados: estrutura; racionalidade e legitimidade. A legitimidade depende da racionali-dade, e para esta, é decisiva a estrutura.

O próprio caráter dos princípios constitucionais mantém uma relação de implicação com o que Alexy diz ser o mais importante princípio de direito constitucional material: a proporcionalidade, e esta "implica el carácter de los princípios"376.

14. Princípio da proporcionalidade e justiça material

Um ponto em que o princípio (ou regra) da proporcionalidade assume especial relevo para fins de uma teoria geral da função jurisdicional que queremos esboçar é no seu reconhecimento como um limitador ao poder normativo do Estado, representando a proteção dos direitos e liberdades contra a legislação opressiva, afirmando-se que o Estado não pode legislar sem limites377.

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É exatamente aqui que o protagonismo judicial se espraia e ganha especial relevo: correção judicial da legislação desproporcional (seja a desproporcionalidade abstrata, em tese, seja a concreta, isto é, revelada quando aplicada a regra a determinada situação, em face às particularidades desta).

O princípio de justiça formal na aplicação judicial do Direito dita o conformismo com a subsunção fria e mecânica do texto legal ou mesmo da norma que dele se depreenda ao caso concreto. Ajustada a subsunção, presume-se de modo absoluto que a solução legal é a justa.

A evocação da justiça material, que é veiculada pelo princípio da proporcionalidade, não se contenta com o formalismo cego da aplicação da regra ao caso que lhe constitui o suposto fático. Permite-se que o intérprete proceda a uma avaliação qualitativa do processo de aplicação da lei, que pode ou não representar a solução "de Direito", ou seja, justa em sentido concreto. Mais do que isto, exige-se do intérprete que, verificando que a solução legal (formalmente justa) não constitui a melhor (mate-rialmente justa), utilize instrumentais como, justamente o princípio da proporcionalidade, para promover as devidas adequações.

Roberto Rosas afirma que o devido processo legal ostenta dois princípios informadores essenciais: a proporcionalidade e a razoabilidade, o que os torna parâmetros para a própria aferição da constitucionalidade material dos atos estatais, como obstáculos à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável378.

Luís Roberto Barroso que equipara os postulados da razoabilidade e proporcionalidade, afirma estarem estes condensados como "parâmetro de valoração dos atos do Poder Público, para aferir se eles estão informados pelo valor superior imanente a todo ordenamento jurídico: a justiça" 379.

Admite-se que o juízo de mérito sobre os atos editados pelo Legislativo transcende ao mero controle objetivo de legalidade, e implica que o órgão jurisdicional decline seu próprio ponto de vista do que seja racio-

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nal ou razoável, no que inevitável admitir certa dose de subjetivismo. E é então que se questiona a legitimidade democrática do Judiciário para a tanto proceder.

Barroso destaca, contudo, que é função do Judiciário, em especial pela via do controle de constitucionalidade, assegurar a preservação dos valores permanentes prestigiados pelo constituinte originário, sobre os ímpetos circunstanciais das maiorias legislativas eventuais380.

Na doutrina de common law encontramos uma ampla ordem de justificações para a revisão judicial dos atos dos demais poderes sob a ótica do critério de justiça material proposto pela proporcionalidade.

Há duas espécies de razões que justificam que aos juízes deve ser deferido o papel de "final arbitrer of public reason". A primeira delas refere-se à melhora dos resultados, e tem um caráter instrumental. Os resultados da avaliação judicial da proporcionalidade são melhores porque abordam certos tipos de patologias que grassam nos processos decisórios democráticos, mesmo nas democracias liberais maduras.

A segunda espécie de razão refere-se ao fato de que esta atuação judicial expressa uma...

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