O princípio da vedação do retrocesso social e a reserva do possível
Autor | Rodrigo Moreira Sodero Victório |
Páginas | 40-43 |
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O Estado Social de Direito possui o dever da adoção de um comportamento sempre positivo para a implementação dos direitos sociais, sendo esta a orientação para a condução de suas políticas públicas, para a atuação do legislador e para o juiz, quando chamado a solucionar os conflitos apresentados pela sociedade83
Encontra-se na jurisprudência europeia, especialmente em julgados proferidos em Portugal e na Alemanha, a origem do Princípio da Vedação do Retrocesso Social84, também conhecido como Princípio da Proibição do Retrocesso Social, da Proibição de Contrarrevolução Social ou ainda da Evolução Reacionária.
Foi o Tribunal Constitucional Português (TC) quem proferiu uma das primeiras decisões fundamentadas na vedação do retrocesso social, o acórdão 39/84, oportunidade em que se declarou a inconstitucionalidade da lei que revogava parte do Serviço Nacional de Saúde, apontando, assim, que aquele direito social, conquistado pelo povo, não poderia ser abolido.
Para Joaquim José Gomes Canotilho, a conceituação do Princípio da Vedação do Retrocesso Social está ligada à ideia de que o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados por meio de medidas legislativas deve ser considerado constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas legislativas que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, o anulem ou o aniquilem85
Luís Roberto Barroso, no mesmo sentido, ensina que o direito previsto na Constituição, regulamentado e concretizado pela lei, se incorpora ao património jurídico da cidadania, não podendo ser absolutamente suprimido86
O Princípio em estudo funciona como verdadeira muralha com a finalidade de impedir que o legislador aja de sorte a esvaziar o chamado "núcleo essencial" de um determinado direito fundamental (principalmente o de cunho social), o que viria a suprimi-lo87. Uma espécie de blindagem dos direitos sociais contra medidas consideradas regressivas.
Em resumo, tem-se que os direitos fundamentais sociais, constitucionalizados e conquistados progressivamente pelos indivíduos desde o início do século XX, no chamado de Estado do Bem-Estar Social, não podem sofrer restrições, mas tão somente ampliações, exceto nas hipóteses em que políticas compensatórias venham a ser implementadas (o chamado effet cliquet, pela doutrina francesa).
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É possível identificar na Constituição Federal do Brasil dispositivos específicos que tratam, mesmo que de forma implícita, do Princípio da Vedação de Retrocesso. É o caso, por exemplo, do art. 5S, § 2° e do art. 7S, caputque prevêem que os direitos fundamentais ali garantidos podem ser ampliados; ou seja, a contrário senso, não podem ser diminuídos.
Vale também a citação do art. 3S, incisos I e III e do art. 170, incisos VII e VIII, que tratam dos obje-tivos fundamentais da República Federativa do Brasil e dos fundamentos da ordem económica, por meio da construção de uma sociedade livre e solidária, onde haja justiça social com a progressiva redução das desigualdades regionais e sociais.
Além dos argumentos acima expostos, o Princípio da Dignidade Humana, previsto no art. ls, inciso III da Constituição Federal, apresenta-se como mais um fundamento constitucional implícito para a vedação do retrocesso social, ao passo em que cabe ao Estado a adoção de medidas positivas para a sua concretização, medidas estas que não devem ser reduzidas, sendo resguardado o mínimo existencial.
Ingo Wolfgang Sarlet nos lembra ainda do Princípio do Estado Democrático e Social de Direito como argumento para a proibição do retrocesso, posto que "impõe a manutenção de um patamar mínimo tanto em termos de proteção social quanto em termos de segurança jurídica, o que necessariamente, entre outros aspectos, abrange a garantia do mínimo existencial, assim como a proteção da confiança e a manutenção de certa continuidade da ordem jurídica, além de uma segurança contra medidas retroativas e...
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