A Proteção Jurídica da Criança e do Adolescente: Caminhos para Erradicação do Trabalho Infantil

AutorLuciana Aboim Machado Gonçalves da Silva; Maria Hemília Fonseca
Páginas147-159

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Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva(1) 1

Maria Hemília Fonseca 2

O que dizer de uma pessoa tão amável com gestos de um pai? ...

Palavras não podem retratar sentimentos, mas podem registrar carinho, admiração e agradecimento.

Querido Professor, sua generosidade, seu contentamento e seu auxílio incondicional ao ensinar distinguem o seu ser e a sua história.

Nossa eterna Homenagem e nosso eterno Obrigada!

Introdução

A inserção de crianças e adolescentes em trabalhos de forma precoce ou ilícita constitui em um ponto de especial atenção da Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), na medida em que atinge diversas nações em proporções consideráveis e preocupantes.

Em 2013, dados do UNICEF3 estima que cerca de 150 milhões de crianças com idades entre 5 e 14 anos, ou quase uma em cada seis crianças nessa faixa etária, estejam envolvidas em trabalho infantil nos países em desenvolvimento.

No Brasil, a despeito da redução dos índices estatísticos, ainda é frequente, na realidade

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social, o trabalho infantojuvenil exercido na forma proibida, em diversos âmbitos, como doméstico, na agricultura, na pecuária, nas indústrias, nas carvoarias, nas feiras, nas ruas etc.

Em 2016, a Pesquisa Nacional por Amos-tra de Domicílios Contínua — PNAD Contínua4 colheu informações sobre as atividades econômicas, escolares e domésticas realizadas por crianças de 5 a 17 anos de idade no país. De um total de 40,1 milhões de crianças de 5 a 17 anos, 1,8 milhão estava ocupada na semana de referência da pesquisa, o que implica dizer que o nível de ocupação dessa população foi de 4,6%, majoritariamente concentrado no grupo de 14 a 17 anos de idade. Dentre as crianças de 5 a 9 anos de idade, 0,2% (aproximadamente 30 mil crianças) encontrava-se ocupada em 2016, enquanto no grupo de 10 a 13 essa proporção era de 1,3% (aproximadamente 160 mil crianças). De 14 ou 15 anos de idade, 6,4% das crianças estavam ocupadas, e de 16 ou 17, 17,0%.

Servem de justificativas para exploração da mão de obra infantil a baixa renda familiar, herança cultural, desestruturação familiar — gerando, muitas vezes, a exploração sexual — e a não valorização da educação, sendo frequente a afirmativa de que “é melhor começar a trabalhar cedo do que entrar no mundo do crime”, ou seja, o trabalho infantil como caminho para evitar a vadiagem e a prática criminosa.

Todavia, como apontam diversos estudos científicos, o exercício precoce da atividade laborativa priva a criança do seu direito de brincar, formação educacional adequada, além de trazer sérias consequências à saúde, sem falar na alta incidência de acidentes de trabalho.

Quanto a essa realidade de violação dos direitos humanos — a exemplo da educação, saúde, vida digna — se no passado era ignorada ou socialmente aceita, atualmente vigora outra concepção, em que a dignidade da pessoa humana constitui princípio nuclear de inúmeros ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro.

Diante da comprovada incidência do trabalho infantojuvenil, proibido em diversas partes do mundo, pretende-se neste texto abordar sobre as normas internacionais e a proteção jurídica à criança e ao adolescente no Brasil.

Referências históricas da proteção jurídica à criança e ao adolescente no Brasil

Desde a Antiguidade, observa-se que as crianças e adolescentes sempre tiveram sua participação em algum tipo de atividade laboral, seja ajudando seus familiares nos afazeres domésticos ou em trabalhos próprios de adultos, conforme dispõe Haim Grunspun5:

Durante a história humana as crianças sempre trabalhavam junto às famílias e às tribos sem distinguir dos adultos com quem conviviam. Praticavam tudo de forma igual aos adultos dentro de suas capacidades próprias à idade.

No Brasil, esse fenômeno é recorrente desde a época do seu descobrimento, por Pedro Álvares Cabral. Registros históricos apontam — no início do século XVI — a existência de crianças trabalhando como se adultos fossem, recebendo metade do salário, em naus portuguesas, sob a condição de “grumetes” e “pajens”.6

A partir da abolição da escravatura, passou-se a ensinar ofícios — como carpinteiros, sapateiros, marceneiros e pedreiros — aos órfãos

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e filhos de famílias menos abastadas. Não era propriamente um ensino metódico de uma profissão, mas, sim, o ensino baseado na técnica da observância e repetição.7

Com o advento da revolução industrial, no final do século XVIII, ampliou-se a exploração do trabalho das crianças e adolescentes nas máquinas a vapor e teares, com jornadas de trabalho exaustivas e salários irrisórios. Assim, o trabalho infantil caracterizou-se por ser uma mão de obra ágil e barata.

Os constantes acidentes de trabalho somado ao alto índice de mortalidade infantil, bem como o fortalecimento de uma concepção universal de proteção dos direitos humanos, foram fatores que alertaram para a necessidade de um disciplinamento jurídico do trabalho infantojuvenil.

Referências terminológicas e conceituais do trabalho da criança e do adolescente no Brasil

No atual modelo de proteção à criança e ao adolescente, vislumbra-se claramente ascensão para uma nova postura, em que a criança e o adolescente ultrapassa a posição de objeto (doutrina da situação irregular) — pautada na segregação a que apenas o “menor” delinquente, órfão e abandonado8 era tutelado no sentido de ser retirado do convívio social — e assume uma postura de sujeito de direitos, concebendo a proteção dos direitos de qualquer criança e adolescente. Isso reflete na terminologia empregada pelas normas jurídicas a respeito da temática.

2.1. Terminologia

Registra-se que, no Brasil, até a redação da vigente Constituição Federal empregava-se a expressão menor, em uma conotação depreciativa — como sinônimo de delinquente ou abandonado —, peculiar à “doutrina da situação irregular”.

Exemplo disso é a ainda vigente Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, de 1943, que no capítulo IV — constante do Título III — apresenta o seguinte título: “A proteção do trabalho do menor”, considerando, nos termos do art. 402, como menor o trabalhador de 14 (quatorze) a 18 (dezoito) anos.

Sergio Pinto Martins9 destaca o caráter civilista, e notadamente inapropriado para o âmbito trabalhista, desse termo, ressaltando ser utilizado no Direito Civil ou Penal no sentido de inimputabilidade da pessoa, enquanto no Direito do Trabalho não significa incapacidade de trabalhar, mas, sim, previsão jurídica de uma proteção especial.

Ressaltando a ótica distorcida e preconceituosa do termo menor, Erotilde Minharro10 assinala que “as expressões criança e adolescente apareceriam para designar os filhos das classes mais abastadas e menores para designar os filhos das camadas pobres e, por isso, tendentes à marginalidade”.

As nomenclaturas “criança” e “adolescente”, notoriamente mais apropriados, foram incorporados no ordenamento jurídico brasileiro. Em 1990, a norma brasileira chamada Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA definiu: criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Registre-se que antes de 1998, permitia-se o emprego, apenas na condição de aprendiz,

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a partir dos 12 anos — por esta forma de trabalho conceber preferência ao aspecto educativo sobre o laboral —, mas, em razão da normatização internacional da OIT e das críticas realizadas pela doutrina — no sentido de que com 12 anos a pessoa ainda está na fase infantil — esta idade mínima para o trabalho aprendiz foi ampliada para 14 anos com a Constituição Cidadã.

Em 11 de novembro de 2017 entrou em vigor a Lei n. 13.467, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho, denominada “reforma trabalhista”, trazendo consequências que refletem no Direito da Criança e do Adolescente, especialmente no que pertine a regras aplicáveis aos trabalhadores menores de 18 anos. Dentre outros pontos, aventa-se que a Lei n. 13.467/17 representa, em vários de seus dispositivos, um retrocesso no que tange aos direitos das crianças e dos adolescentes na seara trabalhista, pois muito provavelmente implicará (a) na redução no número de contratações de adolescentes e jovens aprendizes; (b) no aumento dos índices de trabalho infantil; (c) e precarização do trabalho do adolescente, diante da possibilidade, ainda que camuflada, de trabalhar em atividades insalubres11.

2.2. Conceito

No plano internacional, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989, conceituou como “criança” toda a pessoa com menos de dezoito anos de idade, salvo se a maioridade fosse alcançada antes.

A Convenção n. 182 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2 de fevereiro de 2000, que cuida das piores formas de trabalho infantil, prevê que o termo “criança” abarca toda a pessoa menor de 18 (dezoito) anos. De outro lado, a Convenção de n. 138 da OIT, ratificada pelo Brasil em 28 de junho de 2001, dispõe que, como regra geral, o limite etário mínimo para qualquer trabalho ou emprego “não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a 15 anos”, desde que não prejudique a saúde, a segurança e a moral do jovem.

Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 veda a relação de emprego ao indivíduo menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, que se admite a partir dos 14 anos. Proíbe também a relação de emprego em ambiente insalubre, perigoso ou noturno ao menor de 18 anos.

Em termos de política pública brasileira, a acepção da...

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