A Reforma Trabalhista e a Aplicação das Convenções Internacionais da OIT no Brasil
Autor | Ana Paula Paiva de Mesquita Barros; Marcia Regina Pozelli |
Páginas | 123-135 |
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Ana Paula Paiva de Mesquita Barros 1
Marcia Regina Pozelli 2
O presente trabalho, que muito nos honra em homenagear o professor doutor Cássio de Mesquita Barros Júnior, com quem temos a oportunidade magnífica de conviver e aprender diariamente, passa longe da intenção de esgotar o tema envolvendo a Reforma Trabalhista, tampouco de confrontar com profundidade as Normas da OIT — Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil. O objetivo foi o de fazer breve digressão a respeito da revolução tecnológica e suas consequências no mundo do trabalho, cujas alterações na lei se mostram inevitáveis em busca de adequações às novas formas de trabalho em um cenário socioeconômico dotado de constantes transformações.
O Direito do Trabalho que tem origem no final do século XIX, apoiado no período da produção em série, nasceu em uma época de rigidez na relação entre o trabalhador e o empregador, em decorrência dos conflitos sociais, principalmente da exploração do trabalho humano no período da revolução industrial. Naquela época, o sistema capitalista permitiu o surgimento das primeiras leis trabalhistas legitimando o poder hierárquico do empregador sobre a atividade do empregado.
A revolução tecnológica impulsionou a globalização provocando na ordem social e econômica, antes condicionadas às fronteiras, a necessidade de as empresas procederem às mudanças estruturais, visando a atender às exigências do mercado competitivo.
Surgiram novas formas de trabalho, novas profissões, bem como outras desapareceram, fruto do avanço tecnológico em uma sociedade pautada na informação. Santiago Zorrila Arena e José Silvestre Mendez (1983) definem a palavra tecnologia como:
“aplicación de los conocimientos científicos en las diferentes actividades humanas. Es el conjunto de técnicas, instrumentos, maquinaria, aparatos, procedimientos
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y métodos empleados en las diferentes ramas económicas de un país.”3
Neste sentido, a revolução tecnológica:
“compreende a transformação radical dos conceitos científicos dominantes numa determinada época.”
A revolução tecnológica, sucessora da revolução agrícola e da industrial tem afetado profundamente todos os setores da atividade humana. Na área do trabalho, os reflexos tecnológicos são experimentados principalmente nos métodos ou processos produtivos, com a redução da mão de obra, em decorrência da robotização e da automação. O centro da vida econômica e social não é mais a produção de bens materiais, mas a informação; com o surgimento da Internet, as distâncias não são mais tão significativas.
As máquinas de tecelagem foram o símbolo da revolução industrial, enquanto que o computador foi o símbolo da revolução tecnológica.
Desde o aparecimento do computador até o surgimento da internet ou World Wide Web (www) muitas transformações ocorreram. Esta revolução abrange vários ramos da ciência e da tecnologia, os quais progridem assustadoramente.
A robótica, em especial, permite às máquinas executar movimentos e tarefas semelhantes ao homo sapiens.
Nos anos de 1989, em um levantamento efetuado pela OIT — Organização Internacional do Trabalho, sobre os efeitos das novas tecnologias sobre o emprego verificou-se que, apesar da existência de literatura a respeito das novas tecnologias e emprego, nos países industrial-mente avançados, a questão, à exceção parcial do Brasil, apresentava-se desconhecida em países em desenvolvimento, em especial, naqueles com baixos níveis de rendimento, e populações predominantemente agrícolas4.
A preocupação com as consequências tecnológicas não são recentes nos países desenvolvidos. Em 1982, em Bruxelas, a Central Sindical Europeia sintetizou que:
“A experiência nos tem demonstrado que a nova tecnologia pode ser usada para conseguir uma sociedade mais igualitária ou pode ser empregada para incrementar a centralização e a polarização (do trabalho e poder). A decisão sobre ela é, consequentemente, social e política, não é uma escolha técnica.”5
Na Noruega, a Central dos Operários, em 1975, já possuía um acordo nacional e geral sobre a introdução das novas tecnologias. Neste acordo estabeleceu-se a formação de dirigentes técnicos, o direito à informática e ao treinamento dos operários6.
O Brasil começou a preocupar-se com o novo fenômeno mundial ao mencionar, no inciso XXVII do art. 7º da Constituição Federal de 1988, visando a necessidade de proteção dos trabalhadores em decorrência da automação, na forma da lei.
Hoje se fala sobre inteligência artificial, caracterizada por uma série de algoritmos matemáticos que permite o desenvolvimento de raciocínio similar aos humanos. A inteligência artificial é capaz de desenvolver a cognição semântica sobre os aspectos gerais da relação humana a partir do contexto e conhecimento e vem causando impacto diretamente no campo do direito. A título de exemplo, menciona-se, no exercício da advocacia, a IBM (Internacio-
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nal Business Machines) por sua plataforma Watson.
Em outros ramos vislumbra-se a presença da inteligência artificial, como exemplo, as empresas prestadoras de serviço de seguro. Para se ter uma ideia, com a imagem do carro acidentado, a seguradora, em tempo real, pode obter os dados referentes ao prejuízo causado no veículo, sendo dispensável a presença de um profissional para avaliar o dano. Mestres da Queen’s univertisy (Canadá) concluíram que supercomputadores com uma grande capacidade de simular a inteligência humana e passíveis de tomar decisões estarão atuando nas empresas em um futuro próximo7.
Em 2017 no Brasil, foi criada a “ABRIA — Associação Brasileira de Inteligência Artificial” cujo objetivo é o de ampliar a troca de informações entre empresas que estão adotando esta tecnologia.
O Congresso Internacional de Direito e Tecnologia, havido no Tribunal Superior do Trabalho, no dia 23.11.2017 teve como tema a inteligência artificial no direito. Ressaltou o ex-presidente do TST, Ministro Ives Granda Martins Filho (2017):
“O que nós vamos tentar fazer com que essas novas tecnologias nos ajudem. É exatamente aquilo que é repetitivo, aquilo que nós podemos passar pra máquina, que a máquina nos ajude, que os computadores de inteligência artificial nos ajude, mas ao mesmo tempo nós temos que ter essa consciência até onde podemos exigir da máquina e aquilo que nós não podemos abrir mão que é a atividade efetivamente jurisdicional.”8
Não obstante exista hoje o temor pelo futuro do trabalho e do emprego, é de se esperar que os avanços da tecnologia, como já tem acontecido, façam surgir novos tipos de trabalho, novos sistemas de produção e, consequentemente, a necessidade de novos trabalhadores treinados e qualificados.
A exemplo da revolução industrial, historicamente, está comprovado que o ser humano é capaz de acompanhar o progresso científico e o avanço tecnológico. A renovação é uma característica da evolução humana.
Neste contexto de revolução tecnológica e concorrência universal, com reflexos diretos na economia do país, que impõe a adoção de procedimentos ágeis e flexíveis, o que se verifica é que o tema “reforma trabalhista” não é novo.
Na década de 90, o impacto da crise econô-mica, das novas tecnologias e dos contratos atípicos fizeram surgir a política de flexibilização, também conhecida por desregulamentação.
Naquela ocasião, o Prof. homenageado Cássio de Mesquita Barros Júnior (1994) escreveu:
“a flexibilidade do Direito do Trabalho consiste nas medidas ou procedimentos de natureza jurídica que têm a finalidade social e econômica de conferir às empresas a possibilidade de ajustar a sua produção, emprego e condições de trabalho às contingências rápidas ou contínuas do sistema econômico.”9
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Consoante seu entendimento, a flexibilização das normas jurídicas seria um meio de conferir às empresas a possibilidade de adaptação às mudanças conjunturais decorrentes de fatores de ordem econômica, visando não somente à sua sobrevivência como empreendimento, mas também como importante e imprescindível fonte geradora de empregos.
Oscar Ermida Uriarte (2000) definiu, no âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilização como:
“la eliminación de la protección laboral clásica, con la finalidad — real o presunta — de aumentar la inversión, el empleo o la competitividad de la empresa.” 10
Na mesma obra, Oscar Ermida Uriarte (2000) menciona que Jean-Claude Javillier distingue três classes de flexibilização: proteção, adaptação e outra de desregulamentação. Segundo seu entendimento, a flexibilização de proteção sempre foi praticada; o Direito do Trabalho sempre foi flexível e adaptável, todavia, a favor do empregado. A flexibilização de adaptação consiste em alterações ou mudanças visando a adaptação das normas legais rígidas às circunstancias atuais, por meio das negociações coletivas, valorizando globalmente o que é mais conveniente para o trabalhador, enquanto que a flexibilização de desregulamentação seria a derrogação dos benefícios trabalhistas ou a substituição por outros.
Uma norma jurídica, para ser justa, deve adequar-se ao fenômeno que pretende reger. Naquela época já se entendia que a flexibilização das leis trabalhistas não deveria ser de proteção ou de desregulamentação, mas de adaptação.11
No Brasil, a título de exemplo de flexibilização das normas trabalhistas, menciona-se, na vigência da Constituição Federal de 1998, que elevou as normas trabalhistas, a instituição do contrato de trabalho a tempo parcial e o banco de horas. Outras alterações sofreu a Lei n. 6.019/74, sobre o trabalho temporário, com o advento da Lei n. 13.429, de 31.7.2017, trazendo também...
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