Entre a Realidade do Cárcere e os Direitos Fundamentais: Sobre o Papel da Constituição da República na Política de Encarceramento em Massa Brasileira

AutorLeo Maciel Junqueira Ribeiro
Ocupação do AutorGraduando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas82-97
1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?82
Leo
ENTRE A REALIDADE DO CÁRCERE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
SOBRE O PAPEL DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NA POLÍTICA DE
ENCARCERAMENTO EM MASSA BRASILEIRA
LEO MACIEL JUNQUEIRA RIBEIRO1
RUMO
A partir de pesquisas e relatórios que identicam as situações degradantes no siste-
ma penitenciário brasileiro, o presente artigo busca identicar quais são os principais fato-
res jurídico-institucionais que fomentam a política de encarceramento em massa brasileira.
Nesses termos, os principais fatores destacados neste artigo são a utilização da prisão preven-
tiva como regra, a repressão penal às drogas com uma lógica bélica e a persecução penal aos
crimes econômicos e à classe política. A análise desses fatores visa à realização de um diag-
nóstico sobre quais dispositivos constitucionais garantem, e quais deles falham em garantir,
os direitos fundamentais dos acusados e dos indivíduos encarcerados. Por m, o diagnóstico
realizado poderá oferecer novas perspectivas para estratégias de combate ao encarceramento
em massa, possibilitando o debate sobre modicações constitucionais, legislativas e institu-
cionais que poderão reduzir o número de pessoas encarceradas e motivar melhorias estrutu-
rais no sistema penal brasileiro.
Palavras-chave: sistema penal; direitos fundamentais; prisão preventiva; tráco de
drogas; crimes econômicos.
INTRODUÇÃO
Passados mais de trinta anos da promulgação da Constituição da República, o sistema
penal brasileiro talvez nunca tenha sido estruturado de forma tão discrepante a seus princípios
e direitos fundamentais como é atualmente. Essa armação se fundamenta, em primeiro lugar,
na instrumentalização política da punição que se constata na atualidade. Nesse sentido, foi su-
1 Graduando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. leoribeiromj@gmail.com
ANAIS DE CONGRSO 83
perado o ideal democrático2 (CASARA, 2017, p. 19-46) do constitucionalismo, provocando
o retrocesso do sistema penal para estruturas anteriores até mesmo ao projeto reformista3 que
fora proposto a partir do século XVIII por Cesare Beccaria (BECCARIA, 2012, p. 125). Além
disso, a caracterização do sistema penal como seletivo, repressivo e estigmatizante (BATIS-
TA, 2011, p. 125) foi potencializada, levando à sublimação do punitivismo como norteador
da política criminal e regente de um projeto político que visa a inocuização de certos grupos
sociais. Esse projeto tem como principal aspecto e demonstração empírica a realidade do cár-
cere no Brasil, provocando a desumanização do condenado, conforme será descrito abaixo. A
partir desse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar os principais aspectos
do sistema penal que produzem a política de encarceramento em massa brasileira, que subme-
te os indivíduos à desumanização do cárcere à constante violação de princípios e de direitos
fundamentais que estão contidos na Constituição da República. Nesses termos, a política de
encarceramento em massa brasileira é constituída e fomentada por algumas questões jurídico-
-institucionais que serão debatidas a seguir.
1. REALIDADE DO CÁRCERE
Tendo como ponto de partida a realidade do cárcere, pode-se reiterar que a principal
característica do sistema penal é, sem dúvidas, o encarceramento em massa. Dados concre-
tos apontam que, no mês de junho de 2016, já havia a assustadora soma de 726.712 pessoas
encarceradas (BRASIL, 2017), destacando-se o encarceramento feminino, que apresentou o
crescimento de 567% entre os anos de 2000 a 2014 (BRASIL, 2018). Não obstante, o as-
pecto mais degradante do encarceramento em massa se manifesta nas péssimas condições do
sistema penitenciário brasileiro. De início, destaca-se um relatório da ONU, publicado em
2018, que indicou que os condenados sofriam severas limitações no acesso à comida, água,
tratamento médico e luz solar, vivendo em condições totalmente desumanas (ONU, 2018).
Em sentido semelhante, um estudo realizado no presídio público de Paracatu, no
estado de Minas Gerais destacou que 0,7% dos presos faziam apenas uma refeição por dia
e que 7,2% faziam duas refeições por dia. Quanto ao banho de sol, cerca de 16,5% dos
presos não tomava qualquer banho de sol, enquanto 96% dos que tomavam, o faziam me-
nos de três vezes por semana, cando a maior parte do tempo totalmente enclausurados.
Nesse contexto, foi destacado que fatores como a superlotação, a alta umidade local e a má
higienização das celas ocasionaram a prevalência de doenças respiratórias nos presos (MEN-
DONÇA, 2018, p. 9-19).
Em seu livro “Falência da Pena de Prisão”, Cezar Roberto Bitencourt descreve com
2 A estrutura do Estado passa a ser marcada pela sublimação do espetáculo, pela exibilização dos limites demo-
cráticos e pela permissividade crescente à ilegalidade no processo penal (CASARA, 2017, p. 19-46)
3 O autor armava e fundamentava esse ideal com base na seguinte premissa: “Que a pena não seja um ato de
violência de um ou de muitos contra um membro da sociedade. Ela deve ser pública, imediata e necessária, a menor
possível para o caso, proporcional ao crime e determinada pelas leis” (BECCARIA, 2012, p. 125)

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