Recuperação judicial de associações

AutorAlexandre Ferreira de Assumpção Alves
Ocupação do AutorMestre e Doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003)
Páginas153-202
Recuperação judicial de associações
Alexandre Ferreira de Assumpção Alves*
1. Introdução
O trabalho tem como objetivo central colocar em debate a pos-
sibilidade de ser processada e concedida recuperação judicial (e
por extensão a recuperação extrajudicial) a outras pessoas jurídicas
de direito privado, como as associações, rompendo a restrição con-
tida no art. 1º da Lei n. 11.101/2005.
Adianta-se que o tema é assaz controvertido por envolver um
dos preceitos mais caros e tradicionais no direito empresarial: a
concepção de determinados institutos para, e somente para, os em-
presários, com tradições que remontam ao próprio surgimento do
direito comercial em seu aspecto subjetivo clássico (o direito co-
mercial como direito dos comerciantes).
Pretende-se, de forma sucinta e objetiva, através do método in-
dutivo com pesquisa bibliográfica e documental, adentrar em algu-
mas questões sobre a aplicabilidade da recuperação judicial às
associações, tais com: a) o exercício de atividade econômica por as-
sociação a descaracteriza como tal, tornando-a de fato uma socie-
dade empresária? b) sendo certo que o registro de empresário é
declaratório, é possível uma associação que alega exercer empresa
obter recuperação judicial? c) a comprovação de regularidade do
devedor no Registro Empresarial pode ser dispensada se for deter-
minado o processamento da recuperação e o plano aprovado? d) a
* Mestre e Doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003); Professor
associado II da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor associado do progra-
ma de Pós-Graduação stricto sensu da Faculdade de Direito Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
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exigência do exercício regular da empresa (“de direito”), ao contrá-
rio da falência, pode ser afastada pelo juiz/credores, com funda-
mento no art. 47 da Lei nº 11.101/05? Esse dispositivo admitiria
interpretação ampliada, por exemplo, para permitir a recuperação
judicial de sociedade falida ou de entidades não empresárias? e) se
a recuperação foi concedida mesmo com a prova de que a devedora
é uma associação, o “sucesso”, “bom termo” do plano e a viabilida-
de da recuperação são suficientes para sanar a carência do direito
de ação, aplicando-se a teoria do fato consumado aos não empresá-
rios em prol dos objetivos da recuperação?
Para o desenvolvimento do tema proposto, preliminarmente,
cumpre traçar um comparativo entre os institutos da associação e
sociedade, inclusive dentro dessa categoria a distinção entre socie-
dade simples e empresária.
Em seguida, revisita-se o tradicional sistema restritivo brasilei-
ro quanto à sujeição passiva à falência e legitimidade ativa no pro-
cesso de recuperação judicial tendo por base o marco teórico apre-
sentado por José Marcelo Martins Proença em artigo publicado na
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro1.
A partir das conclusões e considerações do autor, volta-se a atenção
para a possibilidade de desvinculação do conceito de empresa sob
o seu perfil subjetivo – o empresário – para considerar a atividade
como preponderante sobre o interesse dos membros de uma pes-
soa jurídica, sopesando se o intuito lucrativo (“partilha dos resulta-
dos”) deve ser ou não o único ou mais importante critério para de-
terminar quem poderá ou não se valer do instituto da recuperação.
Em outras palavras: a única estrutura jurídica que a empresa
pode assumir para pleitear recuperação judicial é a sociedade (ou a
EIRELI para aqueles que a consideram como pessoa jurídica sui ge-
neris)? Por fim, a partir do processo de recuperação judicial da
Casa de Portugal, que tramita na comarca da Capital do Estado do
Rio de Janeiro, tecer considerações sobre as decisões nele proferi-
das, tanto em primeira instância, quanto em sede de agravo de ins-
trumento e de recurso especial.
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1 PROENÇA, José Marcelo Martins. Os Novos Horizontes do Direito Concursal –
uma crítica ao continuísmo prescrito pela Lei 11.101/2005. Revista de Direito Mer-
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Ano XLVIII. n. 151/152. jan-dez.2009,
p.47-63.
2. A associação e sociedade como espécies de pessoa jurídica
de direito privado: principais distinções
Preliminarmente será apresentada a distinção terminológica
feita por Rubens Requião entre os termos “associação” e “socieda-
de”. Para o autor elas representam duas espécies distintas de pes-
soas jurídicas de direito privado, como se verifica pela leitura do
art. 44 do Código Civil, e nitidamente nos conceitos apresentados
para a sociedade, no Livro II da Parte Especial (art. 981), e para a
associação, na Parte Geral (art. 53). Segundo o comercialista, a pa-
lavra “associação” designaria entidades de fins não econômicos e
“sociedade”, por sua vez, referir-se-ia a entidades com fins econô-
micos e constituídas por uma pluralidade de pessoas2.
A escolha do conceito acima foi proposital, porque ele está as-
sentado na literalidade dos artigos 53 e 981 do Código Civil, sem
qualquer análise da legislação especial societária ou da atuação das
associações, Ademais, cabe distinguir “fim econômico” de “ativida-
de econômica” para os fins deste trabalho e se a pluralidade de pes-
soas é sempre uma característica da sociedade.
Tanto as sociedades quanto as associações se caracterizam pela
união de pessoas para fins lícitos e objetivos comuns. No Código
Civil de 1916, o conceito de sociedade estava presente no art.
1.363: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutua-
mente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr
fins comuns”, cuja redação era muito parecida com o Code des Ob-
ligations suíço, de 1911, ao apresentar no art. 530, 1ª alínea, a no-
ção de sociedade – “La société est un contrat par lequel deux ou plu-
sieurs personnes conviennent d’unir leurs efforts ou leurs ressources
en vue d’atteindre un but commun”. No direito vigente, adotou-se
um conceito mais restritivo de sociedade, onde devem estar pre-
sentes o exercício de atividade econômica, seja pela sociedade per-
sonificada, pelos sócios em comum ou pelo sócio ostensivo na so-
ciedade em conta de participação, e a partilha dos resultados entre
os sócios.
A primeira observação crítica a ser feita diz respeito à omissão
da expressão “atividade econômica” no artigo 53 do Código Civil,
que apresenta um conceito assaz sucinto de associação, sem sequer
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2 REQUIÃO, Curso de direito comercial, vol. 1. 33.ed. rev. e atual. São Paulo: Sa-
raiva, 2014, pp. 454-5.

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