Reforma' da Previdência: Discurso Ideológico e Déficit Orçamentário

AutorErick Assis dos Santos; Pedro Daniel Blanco Alves
Ocupação do AutorPossui graduação em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2015)/Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (2015)
Páginas10-39
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“REFORMA” DA PREVIDÊNCIA: DISCURSO IDEOLÓGICO E DÉFICIT
ORÇAMENTÁRIO
PENSION “REFORM”: IDEOLOGICAL DISCOURSE AND BUDGET DEFICIT
Erick Assis dos Santos
1
Pedro Daniel Blanco Alves
2
RESUMO: O presente trabalho objetiva analisar o conjunto de propagandas do governo federal
veiculadas na campanha “Reforma da Previdência” - filmes e áudios (spots) de curta duração,
além de outros materiais gráficos - catalogados nos canais da Secretaria Especial de
Comunicação Social da Presidência da República (SECOM). Para tanto, sob a perspectiva do
materialismo histórico, retomam-se as origens da Seguridade Social no Brasil pós-1988,
levando-se em consideração a correlação de forças entre capital e trabalho e a hegemonia
ideológica neoliberal no desenvolvimento do debate que leva à questão: “a Previdência Social
possui déficit?” Ademais, o artigo pretende realizar uma leitura crítica da linguagem utilizada
na campanha, desvendando recursos manipulatórios nas formas discursivas adotadas,
direcionados ao estabelecimento do consenso social acerca da inevitabilidade da PEC
287/2016.
Palavras-chave: reforma da Previdência; Seguridade Social; propaganda estatal; discurso
ideológico; construção do consenso.
ABSTRACT: This paper aims to analyze the set of advertisements broadcasted by the brazilian
federal government beneath the framework of the “Pension Reform” campaign - short-length
videos and audios (spots), as well as some other graphic materials - catalogued in the Social
Communication Special Department of the Presidency of the Republic (SECOM) on the
internet. For this, from the perspective of historical materialism, the origins of social security
in Brazil after 1988 are also considered, whilst taking into account the correlation of forces and
neoliberal ideological hegemony in the development of the debate that ended up leading to the
question: “Would the Pension really be in debt?” Furthermore, this article intends to perform a
critical reading of the language used in the campaign, trying to unveil manipulative resources
in the sort of speech undertaken, aimed at establishing social consensus about the inevitability
of PEC 287/2016.
Keywords: Pension reform; Social Security; state propaganda; ideological discourse;
manufacturing consent.
1
Possui graduação em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universida de
de São Paulo (2015). É estudante dos cursos de especialização em Trabalho Social com Famílias e de graduação
em Serviço Social da Faculdade Paulista de Serviço Social. E-mail: assintosa@gmail.com.
2
Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (2015). É
estudante do curso de especialização em Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, onde também participa do GPTC - Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital. E-mail:
pedrodbalves@gmail.com.
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INTRODUÇÃO
A propaga nda pol ítica está p ara uma demo cracia assim
como o porrete está para um Estado totalitário.
Noam Chomsky
3
Identificado como taxista aposentado, um homem idoso recebe na sala de sua casa,
espaço aparentemente modesto e confortavelmente familiar, um interlocutor a quem, seguro e
convicto, afirma: “Tem que haver a reforma da Previdência, sim!” Em sua volta, o sofá coberto
por uma manta artesanal de cores discretas, a almofada que ganhou uma capa confeccionada
sob precisos pontos de crochê, a antiga estante de madeira bem conservada e adornada por
delicadas flores, os retratos afixados na parede, a garrafa térmica e duas xícaras nas quais foi
servido o café passado na hora, as duas netas concentradas fazendo a lição de casa, a aliança de
ouro que sugere a presença invisível de uma mulher que organizou a recepção da visita.
Essa é uma das ilustrações identitárias buscadas por um dos vídeos veiculados no âmbito
da campanha publicitária da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da
República (SECOM) sobre a “reforma” da Previdência (PEC 287/2016), apresentada em
05/12/2016 à Câmara dos Deputados pelo governo de Michel Temer. Sob o slogan
“Previdência: reformar hoje para garantir o amanhã”, o governo federal veio a público no
primeiro semestre de 2017, em diversas plataformas, notadamente a televisão, projetar a
representação de um falso consenso acerca da necessidade de aprovação da proposta que
pretende, entre outras medidas, aumentar o tempo de contribuição para a aposentadoria,
dificultando significativamente o acesso a benefícios previdenciários.
De acordo com dados cedidos pelo e-SIC - Sistema Eletrônico de Serviços de
Informação ao Cidadão (portal eletrônico do governo federal), durante o primeiro semestre de
2017, foram investidos R$ 104,3 milhões na campanha publicitária da “reforma” da
previdência. Deste valor, cerca de R$ 57,3 milhões (55%) destinaram-se às transmissões
audiovisuais em televisão
4
. A cifra despendida na campanha correspondente a metade do
orçamento de publicidade previsto para 2017
5
, denotando a importância atribuída pelo governo
3
CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. Tradução de Fernando Santos. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2013. p. 21.
4
A sa ber, os m aior es p aga men tos: R$ 2 7,6 mil hõe s - Globo Comunicações S/A; R$ 10,4 milhões - Rádio e
Tel evi sã o Re co rd; R$ 8 ,8 m il hõe s - TV SBT Canal 4 de São Paulo S/A; e R$ 2,3 milhões - Radio e Televisão
Bandeirantes S/A.
5
BERGAMO, Môni ca. Governo Temer quase esgota verba de publicidade já no pri meiro semestre. Folha de
S.Paulo, São Paulo, p. C2, 25 jul. 2017.

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