O Regime Especial de Inclusão Previdenciária

AutorJorge Luiz Souto Maior
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho, titular da 3ªVara do Trabalho de Jundiaí
Páginas375-389

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1. Introdução: a previdência social dentro da seguridade social

A Constituição Federal (CF) prevê, dentre os direitos sociais, a saúde, a previdência social e a assistência aos desamparados (art. 6º).

Esses direitos são objeto de normatização específica no capítulo a respeito da seguridade social, definida como “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194, CF).

Previdência e assistência sociais não se confundem. Segundo o art. 203 da Constituição Federal, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. Já a previdência social, conforme o art. 201 da Carta com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998, tem caráter contributivo e é de filiação obrigatória.

Ainda que ambos visem a cobertura e atendimento universais, esses subsistemas possuem como grande marca diferenciadora a contributividade direta, exigida como contrapartida apenas ao recebimento de benefícios e serviços previdenciários, mas não para ações de cunho assistencial, que são custeadas pela sociedade como um todo.

O art. 1º da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/1993) evidencia a natureza não contributiva de política pública voltada à provisão de mínimos sociais, de forma a garantir atendimento às necessidades básicas.

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Já a Lei n. 8.213/91 dispõe, em seu art. 1º, que “a Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente”.

Um dos objetivos constitucionais da assistência social é a promoção da integração ao mercado de trabalho (art. 203, III, CF). Por outro lado, ao exercer atividade laboral remunerada (seja pelo emprego, pelo trabalho autônomo, eventual, doméstico, etc.), fica sujeito, obrigatoriamente, à filiação ao sistema previdenciário, organizado sob a forma de Regime Geral de Previdência Social (RGPS), nos termos das Leis ns. 8.212/91 e 8.213/91.

Dessa forma, a incidência da assistência social sobre o trabalhador é eventual (em caso de necessidade, dentro das políticas públicas existentes), enquanto da previdência social é obrigatória.

2. O trabalhador marginalizado enquanto segurado do RGPS

O RGPS prevê cinco categorias de segurado obrigatório: empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, avulso e especial. A legislação prevê ainda a possibilidade de filiação daquele que não exerce atividade remunerada ou exerce atividade remunerada não sujeita a filiação obrigatória como contribuinte facultativo (art. 13, Lei n. 8.213/91).

As diferentes categorias de segurado implicam em diferenças em relação à inscrição, alíquotas, salário de contribuição, carência, cobertura de benefícios, dentre outras.

O trabalhador que exerce suas atividades sob condições precárias pode ter diversos enquadramentos previdenciários. A manicure, o catador de lixo, o estagiário, o advogado sem vínculo empregatício, o apostador, a prostituta, o homem-placa, dentre outros, são trabalhadores colocados à margem do mercado de trabalho formal.

O estagiário, apesar de exercer atividade via de regra remunerada, é classificado como segurado facultativo, desde que observado o regime jurídico da lei de estágio (art. 28, § 9º, “i”, Lei n.
8.212/91). Outros trabalhadores são empregados não formalizados ou sujeitos a relações de trabalho precarizadas pela interposição de empresa-intermediária, mas que, para fins previdenciários, são segurados empregados.1A maior parte dos trabalhadores marginalizados, no entanto, é considerada pela legislação previdenciária contribuinte individual.

A figura do contribuinte individual foi criada pela Lei n. 9.876/99, que reuniu sob uma mesma categoria os antigos segurados empresário, autônomo e equiparado a autônomo (Lei n.
8.213/91, art.11, III, IV e V, em sua redação original). Trata-se de figura residual, que abarca todos os trabalhadores não abarcados pelas demais categorias (empregado, avulso, doméstico e especial).

A legislação previdenciária elenca como contribuintes individuais e, portanto, sujeitos ao mesmo regime jurídico, diversos trabalhadores, com diferentes condições culturais e econômicas.

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É contribuinte individual, nos termos do art. 9º, V, do Decreto n. 3.048/99, o produtor rural, cuja propriedade seja maior que quatro módulos fiscais; o garimpeiro; o ministro de confissão religiosa; o brasileiro civil que trabalha em organização internacional, se não coberto por outro regime de previdência; o titular de firma individual; o diretor não empregado ou membro de conselho de administração de sociedade anônima; o sócio gerente ou cotista que receba remuneração pelo trabalho; o autônomo; o trabalhador eventual; o cooperado de cooperativa de produção; o microempreendedor individual, etc.

Destaca-se, dentre esses segurados, o autônomo, definido no art. 9º, V, “l”, do Decreto n.
3.048/99, como pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não. Muitos dos trabalhadores marginalizados são considerados trabalhadores autônomos.

A amplitude da categoria faz com que tanto o membro do conselho de administração de sociedade anônima como o catador de lixo sejam tratados pela legislação previdenciária em uma mesma categoria jurídica.

Deve-se reconhecer, no entanto, que as necessidades previdenciárias não são as mesmas para todos os contribuintes individuais. A dificuldade de inserção previdenciária da prostituta e do garimpeiro é maior do que a do brasileiro civil que trabalha em organismo internacional do qual o Brasil seja membro efetivo.

Possivelmente por conta da preocupação em efetivamente universalizar a cobertura e atendimento previdenciários (art. 194, parágrafo único, I, CF), tanto a Emenda Constitucional n. 41/2003, como a Emenda Constitucional n. 47/2005, constitucionalizaram um chamado sistema especial de inclusão previdenciária do trabalhador de baixa renda.

Os parágrafos doze e treze do art. 201, CF, preveem, respectivamente, que “lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo” e que “o sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social”.

O mérito das alterações reside na declaração expressa da necessidade de se tratar diferenciadamente situações desiguais. Se essa foi uma tentativa bem sucedida, cabe analisar mais detidamente.

3. Sistema especial de inclusão previdenciária

Em primeiro lugar, cumpre apontar a grande lacuna doutrinária e jurisprudencial acerca do tema. As poucas manifestações doutrinárias sobre o sistema especial são breves e, de modo geral, superficiais. Já a jurisprudência ainda não enfrentou os temas relativos ao sistema.

Dessa forma, toda análise a seguir é baseada na análise teórica do sistema especial à luz dos postulados constitucionais e legais a respeito da seguridade social brasileira.

De acordo com o texto constitucional, o sistema especial de inclusão previdenciária deve atender tanto trabalhadores de baixa renda como aqueles, sem renda própria, que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda.

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Segundo o parágrafo doze do art. 201, o sistema deve garantir “acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo”.

Já o parágrafo treze prevê que o sistema terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados.

Portanto, em princípio, o sistema especial deveria facilitar o acesso do trabalhador de baixa renda ao regime previdenciário, com a introdução de regras mais benéficas à sua inserção e permanência no sistema.

O dito sistema especial de inclusão deve, no entanto, ser conciliado com a previsão constitucional de que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória (art. 201, CF). Portanto, o sistema especial não pode contrariar a estruturação básica do regime, iniciada pela própria Constituição.

Segundo Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, a função da Previdência de promover a redistribuição de renda é realizada na medida em que o sistema é geral, pois retira “maiores contribuições das camadas mais favorecidas” e, com isso, concede “benefícios a populações de mais baixa renda”. Assim, “defende-se que a Previdência Social deva ser universal, ou seja, abranger, num só regime, toda a população economicamente ativa, exigindo-se de todos contribuições na mesma proporção e, em contrapartida, pagando-se benefícios e prestando-se serviços de igual magnitude, de acordo com a necessidade de cada um”.2Assim, a criação de sistema especial de inclusão deve ter em mente a necessidade de preservação da universalidade da Previdência, sendo as regras particulares guiadas pela necessidade de facilitação do ingresso do trabalhador de baixa renda.

A regulamentação legal do sistema especial foi dada pela Lei Complementar n. 123/2006 (que criou...

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