Responsabilidade civil médica e consentimento do paciente nas cirurgias robóticas realizadas à distância (telecirurgias)

AutorRafaella Nogaroli
PáginasRafaella Nogaroli
RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA E
CONSENTIMENTO DO PACIENTE NAS CIRURGIAS
ROBÓTICAS REALIZADAS À DISTÂNCIA
(TELECIRURGIAS)
Rafaella Nogaroli
Mestranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Direito Médico e Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba
(Unicuritiba). Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná
(EMAP) e em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.
Coordenadora do grupo de pesquisas em “Direito da Saúde e Empresas Médicas”
(Unicuritiba), ao lado do prof. Miguel Kfouri Neto. Diretora adjunta e membro titular
do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Integrante do grupo
de pesquisas em direito civil-constitucional “Virada de Copérnico” (UFPR). Assessora
de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). E-mail: nogaroli@
gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5046-1396.
Os instrumentos robóticos permitiam movimentos precisos e ultranos que eram visualizados em uma
tela com altíssima resolução. Além disso, os braços robóticos podiam se dobrar e eram exíveis de uma
maneira que a mão humana jamais seria capaz. Obviamente, o robô cirurgião precisava de um médico
altamente qualicado para tirar o máximo proveito dele, tal como um grande violinista, reconhecido
internacionalmente, que toca uma sonata de Beethoven em um violino Stradivarius […]. Eles [joysticks
do robô] traduziam cada movimento do seu braço, antebraço, pulso e dedos, não importava o quão
suave ou delicado, em movimentos correspondentes nos braços controlados pelo robô, que estavam
presos nos vários instrumentos cirúrgicos no paciente.
[Trecho do livro Bad Robot: A high-tech medical thriller, de John Benedict. Kindle Direct Pu-
blishing, 2020, p. 50, tradução livre]
Sumário: 1. Introdução: considerações preliminares sobre a evolução dos procedimentos cirúrgicos
– 2. Breve histórico das cirurgias robóticas e telecirurgias no Brasil e no mundo – 3. Responsabi-
lidade civil do médico nas telecirurgias – 4. Consentimento do paciente nas cirurgias robóticas à
distância – 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE A EVOLUÇÃO
DOS PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS
Avanços tecnológicos no primeiro quartel do século XXI, sobretudo na área da
Medicina robótica e Telemedicina, trouxeram importantes impactos para os proce-
dimentos cirúrgicos. Na realidade, uma longa e notável evolução ocorreu desde os
primeiros registros da arte da cirurgia, a qual sempre esteve, ao longo dos séculos,
aliada ao progresso científ‌ico e tecnológico.
No século XIX, intervenções cirúrgicas eram realizadas esporadicamente e se
mantiveram extremamente controvertidas. A cirurgia era um trabalho repleto de
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riscos e deveria ser evitada a todo custo. Muitos cirurgiões se recusavam categorica-
mente a operar, optando por restringir sua alçada ao tratamento de doenças de pele,
ferimentos superf‌iciais ou outros problemas externos. Os procedimentos invasivos
eram raríssimos, razão pela qual, em dias de cirurgia, os anf‌iteatros cirúrgicos f‌icavam
abarrotados de estudantes de Medicina e espectadores curiosos.1 Os médicos que “se
atreviam a realizar esse procedimento invasivo eram apelidados de rasga-barrigas,
por causa da longa incisão que faziam no abdômen dos pacientes”, a qual se trans-
formava com frequência numa fonte de sepse.2
Após o advento da anestesia, em 1846, as cirurgias aumentaram em número e
complexidade, contudo, ainda havia o problema das altas taxas de mortalidade, espe-
cialmente devido a sepse pós-operatória. Com o surgimento dos estudos em micro-
biologia e identif‌icação de germes causadores de infecções, além do desenvolvimento
de métodos antissépticos, deu-se um passo determinante na evolução da cirurgia mo-
derna. Tais descobertas históricas marcaram em def‌initivo uma nova era da Medicina
contemporânea, pois transformaram a cirurgia, “que passou de medicina dos horrores
à ciência moderna – uma ciência em que metodologias recém-testadas e comprovadas
suplantaram as práticas obsoletas”.3 Assim, os resultados da cirurgia não mais seriam
entregues à própria sorte e, daquele momento em diante, “a ascendência do saber sobre
a ignorância e da diligência sobre a negligência”4 def‌iniu o futuro da Medicina cirúrgica.
Já no século XX, a nova técnica cirúrgica videolaparoscópica revolucionou mais
uma vez a Medicina. A cirurgia realizada por videolaparoscopia pôs f‌im ao conceito
de que “grandes cirurgiões realizavam grandes incisões”, pois a cirurgia minima-
mente invasiva proporcionou diversos benefícios, como melhor resultado estético
e funcional, além de menor custo e tempo reduzido de recuperação pós-operatória.
Posteriormente, com o advento da Quarta Revolução Industrial,5 no século XXI,
caracterizada por uma mudança abrupta no desenvolvimento e incorporação de
inovações tecnológicas, surgiu a moderna geração de cirurgiões, que passou a intro-
duzir um conjunto de tecnologias disruptivas como robótica, big data e plataformas
de Telemedicina em procedimentos cirúrgicos.
Cerca de seis milhões de cirurgias robóticas já foram realizadas ao redor do mundo
com o chamado robô “Da Vinci”, desde 2000.6 Durante a cirurgia, o médico permanece
num console, manuseando dois controladores gerais (joysticks) – e os movimentos das
suas mãos são traduzidos pelo robô, em tempo real, em instrumentos dentro do paciente,
1. FITZHARRIS, Lindsey. Medicina dos Horrores: a história de Joseph Lister, o homem que revolucionou o
apavorante mundo das cirurgias do século XIX. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019, p. 9.
2. FITZHARRIS, Lindsey. Medicina dos Horrores: a história de Joseph Lister, o homem que revolucionou o
apavorante mundo das cirurgias do século XIX. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019, p. 195.
3. FITZHARRIS, Lindsey. Medicina dos Horrores: a história de Joseph Lister, o homem que revolucionou o
apavorante mundo das cirurgias do século XIX. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019, p. 226.
4. FITZHARRIS, Lindsey. Medicina dos Horrores: a história de Joseph Lister, o homem que revolucionou o
apavorante mundo das cirurgias do século XIX. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019, p. 225.
5. SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. Cambuci: Edipro, 2018, passim.
6. About da Vinci Systems. Disponível em: https://www.davincisurgery.com/da-vinci-systems/about-da-vin-
ci-systems##. Acesso em: 02 dez. 2021.
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