Telemedicina e o processo de consentimento informado do paciente

AutorAdriano Marteleto Godinho e Igor de Lucena Mascarenhas
PáginasAdriano Marteleto Godinho e Igor de Lucena Mascarenhas
TELEMEDICINA E O PROCESSO DE
CONSENTIMENTO INFORMADO DO PACIENTE
Adriano Marteleto Godinho
Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Coimbra. Doutor em Ciências
Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito Civil pela Universidade Fe-
deral de Minas Gerais. Professor dos cursos de graduação e de pós-graduação stricto
sensu da Universidade Federal da Paraíba. Membro Fundador do Instituto de Direito
Civil Constitucional (IDCC). Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Responsa-
bilidade Civil (IBERC).
Igor de Lucena Mascarenhas
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná e Doutorando em
Direito pela Universidade Federal da Bahia. Mestre pela Universidade Federal da
Paraíba. Professor da graduação e pós-graduação do Centro Universitário UNIFIP e
da UNIFACISA. Pesquisador vinculado ao Instituto de Direito Civil Constitucional
(IDCC). Pesquisador do Eixo de Relações Familiares do Núcleo de Estudos em Direito
Civil – Virada de Copérnico. Advogado.
Sumário: 1. Introdução: notas sintéticas sobre a telemedicina – 2. O consentimento informado e o
respeito à autodeterminação do paciente – 3. Consentimento informado e seus elementos – 4. O
consentimento do paciente no âmbito da telemedicina – 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO: NOTAS SINTÉTICAS SOBRE A TELEMEDICINA
A telemedicina surgiu como um mecanismo de facilitação de acesso da assistên-
cia à saúde por parte do Estado e da iniciativa privada. A partir das dif‌iculdades de
promoção da saúde e a escassez de determinados serviços em algumas localidades,
houve a aplicação da premissa de que “se Maomé não vai até a montanha, a montanha
vai até Maomé”.
O deslocamento do paciente deixa de ser elemento essencial para a prestação
do serviço médico, passando o serviço a se deslocar em busca dos seus pacientes. De
acordo com a Associação Americana de Telemedicina (ATA), a premissa é de mover
remotamente os prof‌issionais até os pacientes com o objetivo de promoção da saúde
de forma mais ef‌iciente e redução de despesas.
Acontece que, no Brasil, o tema é muito pouco trabalhado sob uma perspectiva
legislativa, na medida em que o Legislativo se afasta de temas relacionados ao Biodi-
reito e Bioética, apresentando verdadeiro vazio legal e impondo, de forma racional
ou não, que o tema seja tratado por alguém, ainda que não legitimado para tanto.
Nesse sentido, em razão do vácuo legal, o Brasil apresentava tímida normatização
pelo Conselho Federal de Medicina que, desde 2002, tratava da matéria por intermé-
EBOOK TELEMEDICINA.indb 41EBOOK TELEMEDICINA.indb 41 17/05/2022 16:28:0317/05/2022 16:28:03
ADRIANO MARTELETO GODINHO E IGOR DE LUCENA MASCARENHAS
42
dio da Resolução CFM 1.643/2002. Considerando a natureza espinhosa do tema, em
especial por um aspecto f‌inanceiro e de mercado, o assunto era pouco tratado e, na
primeira oportunidade de normatização mais detalhada por intermédio da Resolução
CFM 2.227/2018, publicada no diário of‌icial da União em 6 de fevereiro de 2019, as
reações foram tão virulentas que em 6 de março de 2019 foi revogada pela resolução
CFM 2.228/2019 que repristinou a antiga resolução CFM 1.653/2002. O atual cenário
regulador é composto pelas seguintes normas: Resolução CFM 1.643/2002, Portaria
n. 467/2020 do Ministério da Saúde e Lei 13.989/2020.1
Em razão da relevância da matéria e a necessidade de observância ao princípio
bioético da autonomia, o presente artigo, a partir de uma revisão bibliográf‌ica e do-
cumental, busca debater o processo de consentimento para uso da telemedicina. Para
tanto, o artigo está estruturado em três seções centrais: “o consentimento informado
e o respeito à autodeterminação do paciente”, “consentimento informado e seus
elementos” e “o consentimento do paciente no âmbito da telemedicina”.
2. O CONSENTIMENTO INFORMADO E O RESPEITO À
AUTODETERMINAÇÃO DO PACIENTE
A liberdade, em sentido lato, constitui um dos valores mais elementares de toda
ordem jurídica fundada na democracia, na dignidade da pessoa humana e no império
dos direitos humanos e fundamentais.
Na ordem constitucional brasileira, a liberdade é invocada em múltiplas cir-
cunstâncias: genericamente, como direito fundamental (art. 5º, caput) e em des-
dobramentos como a garantia de autonomia para a manifestação do pensamento,
ainda que vedado o anonimato (art. 5º, inciso IV); como a manifestação de crença e
de religiosidade (art. 5º, inciso VI); como meio para a exteriorização das criações do
espírito humano, ou seja, como expressão da atividade intelectual, artística, cientí-
f‌ica e de comunicação (art. 5º, inciso IX); no âmbito laboral (art. 5º, inciso XIII); em
termos de locomoção (art. 5º, inciso XV); e para f‌ins de associação (art. 5º, inciso
XVII), inclusive prof‌issional ou sindical (art. 8º, caput), entre outras hipóteses.
A autonomia, de forma geral, implica conferir às pessoas a liberdade de se di-
tarem as próprias regras. Esta autonomia, aliás, deve ser concebida não apenas no
âmbito patrimonial, mas também no existencial, isto é, como meio de se desenvolver
e realizar a própria personalidade. Se a cada indivíduo se reconhece a prerrogativa
de ser e de tornar-se o que bem entender, a autonomia privada tem um nobre papel
a cumprir: o de facultar a cada pessoa modelar o sentido da sua existência, ancorada
nos seus valores, suas crenças, sua cultura e seus anseios. A autonomia, assim, assume
a função de consagrar e impulsionar a individualidade de cada pessoa.
Assim, no âmbito do Direito Privado e, muito particularmente, na seara das
relações estabelecidas entre os prof‌issionais da saúde e seus pacientes, emerge a au-
1. Lei temporária com os efeitos restritos ao combate da pandemia causada pela Covid-19.
EBOOK TELEMEDICINA.indb 42EBOOK TELEMEDICINA.indb 42 17/05/2022 16:28:0317/05/2022 16:28:03

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT