Teoria Geral do Direito Eleitoral

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas49-68

Page 49

1 Justificativa de estudo

Nos últimos anos, especialmente no Brasil, com o resgate da democracia a partir do final dos anos 70 quando, durante o governo do presidente da República João Batista de Oliveira Figueiredo, começou o processo de anistia dos alcançados pelas medidas punitivas aplicadas com base no Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, o Direito Eleitoral vem passando por grande alento e experimentando particular desenvolvimento. Com efeito, seus números quanto às eleições, aos cargos eletivos e, especialmente, à quantidade de candidatos disputando-os são vertiginosos, todos dependendo de regramento pela legislação eleitoral constitucional e infraconstitucional.

São realizadas eleições de dois em dois anos, uma das quais para eleger presidente e vice-presidente da República, governadores e vice-governadores de Estados, dois senadores por cada Estado, deputados federais e deputados estaduais, e outra, para eleger prefeitos e vereadores, cujas eleições costumam suscitar os mais calorosos debates e envolvimento popular pela proximidade com os eleitores. Tomando como base as eleições municipais de 2000, foram quinze mil e dezesseis (15.016) os candidatos a prefeito e trezentos e sessenta e sete mil, trezentos e quarenta e quatro (367.344), a vereador. Doze anos depois, nas eleições de 2012, quinze mil, setecentos e oitenta e oito (15.788) candidatos concorreram ao cargo de prefeito de um dos cinco mil, quinhentos e sessenta e oito (5.568) municípios brasileiros, enquanto quatrocentos e quarenta e nove mil, setecentos e oitenta e seis (449.786) tentavam eleger-se vereador.

Nas eleições de 2002, seis (6) candidatos disputaram o mandato presidencial e duzentos e dezoito (218), o de governador. No plano legislativo, trezentos e quarenta e nove candidatos (349) disputaram cinquenta e sete (57) vagas de senador, quatro mil novecentos e um (4.901), as quinhentas e treze (513) vagas de deputados federais e treze mil quatrocentos e seis (13.406), as mil e noventa e quatro (1.094) de deputados estaduais e distritais. Oito anos depois, nas eleições de 2010, cento e sessenta e nove (169) candidatos disputaram a governadoria de um dos vinte e sete entes federativos, duzentos e setenta e dois (272) correram em busca de uma vaga de senador e seis mil e quinze (6.015) tentaram subir ao plano legislativo na condição de deputado federal, enquanto, nos Estados, quatorze mil, trezentos e oitenta e dois (14.382) tentavam a mesma coisa em alguma Assembleia Legislativa.

Movimentando esses números fantásticos, há outro número também grandioso, formado, no ano de 2000, por cento e quinze milhões, duzentos e cinquenta e quatro mil e cento e treze (115.254.113) eleitores de ambos os sexos e todas as faixas etárias, eleitorado que em 2012 chegou a cento e quarenta milhões, seiscentos e quarenta e seis mil e

Page 50

quatrocentos e quarenta e seis (140.646.446), sendo sessenta e sete milhões, trezentos e oitenta e dois mil e quinhentos e noventa e quatro (67.382.594) (48%) homens, setenta e dois milhões, oitocentos e setenta e sete mil e quatrocentos e sessenta e três (72.877.463) (52%) mulheres, além de cento e trinta e quatro mil e quarenta e seis (134.046) de sexo não identificado.

Apenas esses dados são suficientes para justificar a necessidade de estudos científicos sobre o direito eleitoral. Ademais, o Direito Eleitoral não é só legislação em matéria eleitoral – mesmo porque o direito não depende unicamente de leis; é, antes, o veículo de transporte da democracia, por meio do qual se regulamentam as eleições e a vida partidária. Sem um Direito Eleitoral forte, transparente e organizado não há democracia que resista ou exista, porque sem eleições não há como permitir a participação popular no processo decisório do Estado.

2 Conceito de direito eleitoral

Reconhecendo não ser fácil conceituar o direito eleitoral, Joel Cândido1ensina ser o ramo do direito público que trata dos institutos relacionados com os direitos políticos e eleições, enquanto Tito Costa2assim leciona:

Embora incipiente, o Direito Eleitoral vem se firmando entre nós, na prática, com perspectivas de desenvolvimento na medida em que se aprimorarem nossas instituições políticas e em que pudermos retomar, no Brasil, ao salutar costume de realizar eleições periódicas para todos os cargos públicos eletivos. Ramo do direito público, o Direito Eleitoral pode ser entendido como um conjunto de normas destinadas a regular os deveres do cidadão em suas relações com o Estado, para sua formação e atuação. Estado, aqui, entendido no sentido de governo, administração, nas suas áreas federal, estaduais e municipais. Estado, entidade político-jurídica.

Fávila Ribeiro3diz que o “direito eleitoral, precisamente, dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabeleça a precisa equação entre a vontade do povo e atividade governamental”, enquanto Elcias da Costa4afirma ser “um sistema de normas de direito público que primordialmente regulam os deveres do cidadão, de participar na formação do governo constitucional, e, secundariamente, os direitos políticos correlatos àquele dever, tanto os pressupostos, como os consequentes ao seu adimplemento”. Por outras palavras, pode-se dizer ser o Direito Eleitoral um ramo do direito público, mais especificamente uma especialização do direito constitucional, cujo conjunto sistematizado de normas coercíveis se destina a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos, precipuamente, os de votar e ser votado.

3 Direito eleitoral, direitos políticos e direito partidário

Direito eleitoral não se confunde com os direitos políticos, nem com direito partidário. Os direitos políticos o integram como um de suas partes, versando sobre as prerrogativas do indivíduo de intervir na formação dos órgãos do governo. Como ensina Torquato Jardim,

Page 51

Os direitos políticos são as prerrogativas, atributos, faculdade, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu País, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos5”. São os direitos que “credenciam o cidadão para exercer o poder ou participar da escolha dos responsáveis pelo comando do grupo social6. Em síntese, os direitos políticos dizem respeito à regulamentação das condições de alistabilidade de eleitores e elegibilidade, enquanto o Direito Eleitoral se volta para as eleições propriamente ditas. Por sua vez, direito partidário é expressão utilizada para designar a parte do Direito Eleitoral relacionada com os partidos políticos, tendo como fonte principal, presentemente, a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que regulamenta o art. 17 da Constituição Federal e contém normas básicas sobre a criação e extinção de partidos políticos, além de dispor sobre outros aspectos a eles relacionados.

4 Objeto do direito eleitoral
4. 1 Noções

Entende-se por objeto de uma disciplina o seu conteúdo, o que implica analisar sobre o que versa e descobrir o seu campo de atuação. Com a finalidade de assegurar o exercício dos direitos políticos, o objeto do Direito Eleitoral acaba sendo amplo, compreendendo desde as regras partidárias ao alistamento eleitoral, transferência de eleitores, registro de candidaturas, campanha eleitoral, propagandas partidária e eleitoral, entre outros institutos. São de Fávila Ribeiro7as palavras a seguir:

Cabe ao Direito Eleitoral cuidar do disciplinamento das medidas tendentes à distribuição do corpo eleitoral. Pode o eleitorado da nação se apresentar em feitio unitário, aparecendo agrupado em uma única circunscrição eleitoral, ou distribuído em várias circunscrições, que ainda se podem repartir, no tocante ao exercício de sufrágio, em distritos eleitorais. Depois disso tem de promover a organização do sistema eleitoral, dando maior ou menor amplitude à participação, dando margem essas providências a uma das duas categorias de sufrágio universal e restrito. Pertence também ao âmbito do Direito Eleitoral ditar as normas que se devem cumprir quanto à forma do voto, conforme se filie ao voto secreto ou público, com as respectivas técnicas de cédula individual ou cédula única.

No que tange à mecânica da representação, incumbe ao Direito Eleitoral prescrever as normas que permitirão a aplicação do sistema majoritário ou do sistema proporcional, disciplinando depois, em relação ao último sistema, as medidas que devem ser adotadas na distribuição das sobras de votação entre as organizações concorrentes.

Cumpre também tratar das prescrições sobre a aquisição e perda da capacidade política ativa e passiva, isto é, de votar e ser votado. Tudo isso feito, há necessidade de espraiar as suas atividades sobre a natureza, funcionamento e responsabilidade dos partidos políticos, por serem os instrumentos empregados para a dinâmica do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT