Toyotismo, Consciência de Classe e o Esvaziamento do Direito do Trabalho: Reflexões a Partir da Análise do Trabalho Operário em São Paulo

AutorTiciane Lorena Natale
Ocupação do AutorMestranda em Direito do Trabalho e da Seguridade Social
Páginas735-752
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TOYOTISMO, CONSCIÊNCIA DE CLASSE E O ESVAZIAMENTO DO DIREITO
DO TRABALHO: REFLEXÕES A PARTIR DA ANÁLISE DO TRABALHO
OPERÁRIO EM SÃO PAULO
TOYOTISM, CLASS CONSCIOUSNESS AND THE EMPTYING OF THE LABOR
LAW: REFLECTIONS FROM THE MANUFACTURING WORK ANALYSIS IN SÃO PAULO
Ticiane Lorena Natale
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RESUMO: Neste artigo, apresentaremos a nossa pesquisa, ainda incipiente, sobre os
mecanismos ideológicos e materiais de cooptação e desorganização do setor operário pelo
toyotismo. Entendemos que esta nova configuração do trabalho jogou um importante papel no
esvaziamento do direito do trabalho, para além da precarização e da flexibilização do trabalho,
pela mudança da situação concreta. Nessa nova disputa de consciência feita pelo capital, os(as)
trabalhadores(as), de modo geral, não conseguiram lutar por novos direitos de modo que o
direito do trabalho fosse atualizado favoravelmente, no sentido de aumentar a proteção do(a)
trabalhador(a) perante essa nova situação fática. Pelo contrário, a forma jurídica também
enquadrou novos fatos de forma condescendente, como a terceirização, e agora com a reforma
trabalhista, que representa a flexibilização de antigos direitos duramente conquistados,
adaptando-se ao modelo de acumulação flexível do capital. Todo esse cenário pôde ser
verificado por meio de pesquisa empírica (por meio de observação participante) realizada
durante dois anos em uma fábrica da cidade de São Paulo, a qual apresentaremos aqui
brevemente.
Palavras-chave: toyotismo; consciência de classe; esvaziamento do Direito do Trabalho;
pesquisa empírica; reestruturação produtiva.
ABSTRACT: This article will present a research, still incipient, about ideological and material
mechanisms of cooptation and disorganization of the factory workers sector by the toyotism.
Known that this new work configuration played and important role on direct emptying of work
for beyond the precariousness and relaxation of work, by the change of the concrete situation.
On this new dispute for consciousness made by the capital, the workers, in general, can't
struggle for new rights so that labor law would be updated in favour of the protection of workers
towards this scenario. In other hand, the legal way also framed new facts condescending, as the
outsourcing, and now with the labor law reform, that represents the relaxation of old rights
hardly conquered, adapting to the flexible accumulation of capital model. This scenario can be
verified by empirical research (by participant observation) done during two years in a factory
in São Paulo, which will be briefly presented.
Keywords: toyotism; class conciousness; emptying of the Labor Law; empirical research;
productive restructuring.
INTRODUÇÃO
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Mestranda em Direito do Trabalho e d a Seguridade Social. Servidora pública estadual e ex-operária.
ticianenatale@gmail.com
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Muito se tem falado da precarização do trabalho. Mas para entendê-la, é
imprescindível entender o toyotismo
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, uma forma de organização do trabalho e da produção
caracterizada, essencialmente, pela flexibilidade, participação do(a) trabalhador(a) e redução
de custos que se tornou hegemônica nos locais de trabalho contemporâneo; e, mais
especificamente, entender a ideologia colaboracionista entre classes que se opera sob este
modelo, pois que escamoteia a contraposição de interesses entre as classes e impede a tomada
de consciência do/a trabalhador/a acerca da exploração, dificultando qualquer projeto de
emancipação da classe trabalhadora.
Assim, o tema de nossa pesquisa, que aqui fazemos uma breve apresentação, busca
entender a relação entre uma nova organização do trabalho e da produção – o toyotismo,
também chamado de acumulação flexível ou ohnismo – e seus impactos para a consciência de
classe a partir das últimas décadas do século XX. Entendemos que o toyotismo se utiliza de
uma série de mecanismos materiais e ideológicos, particularmente a fragmentação da classe
trabalhadora e a ideologia do colaboracionismo, para ampliar seu poder de controle e sua
exploração sobre o trabalho. E, como grande expressão dessas mudanças, temos o
esvaziamento dos direitos trabalhistas que, por sua vez, contribui para a expansão do toyotismo,
num círculo virtuoso para o capital e extremamente deletério na dimensão humana.
Quando falamos em esvaziamento dos direitos trabalhistas, estamos não apenas
falando da flexibilização e desregulamentação do direito do trabalho
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(comumente chamados
de “precarização”), que se opera essencialmente num plano institucional-jurídico, mas da
“revogação” de uma situação de fato que é a tradicional forma como o trabalho era feito. Por
exemplo, uma auxiliar de produção que antes tinha que tampar determinado produto com
movimentos ritmados e frenéticos sob a organização fordista, agora deve fazer esses
movimentos de forma a acompanhar uma máquina ainda mais rápida e, também, fazer o
controle de peso, cor e odor do produto, calcular a produtividade do dia, a quantidade de rejeição
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O toyotismo surge no Japão em meados do século XX, a partir de uma ruptura com o for dismo-taylorismo,
modelo hegemônico na época. O fordismo-taylorismo consistia em uma organização da produção e do trabalho
voltado para o consumo de massa, em que se produzia um grande volume de mercadorias padronizadas, com o
auxílio de grandes linhas de produção, movimentos repetitivos e padronizados, grandes estoques em grandes
fábricas que acolhiam praticamente todas as etapas do processo produtivo. Entraremos em maiores detalhes no
item 2 deste artigo.
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“Conceitualmente falando, flexibilização é ideia distinta da desregulamentação. Por flexibilização entende-se
a adaptação das regras trabalhistas à nova realidade das relações de trabalho, que permite, e muitas vezes exige,
um reordenamento do sistema jurídico, não necessariamente no sentido de diminuição de direitos ou de exclusão
de regras positivadas, mas no sentido de regular, de modo diferente, as relações de trabalho. Por
desregulamentação i dentifica-se a ideia de eliminação de diversas regras estatais trabalhistas, buscando uma
regulamentação por ação dos próprios interessados”. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O direito do trabalho como
instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000, p. 139.

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