Ações coletivas para a tutela dos interesses individuais homogêneos

AutorRonaldo Lima Dos Santos
Páginas325-363
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CAPÍTULO IX
AÇÕES COLETIVAS PARA A TUTELA DOS
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
1.TERMINOLOGIA
A expressão “ação coletiva” possui duas signifi cações distintas na seara da tutela processual
coletiva. Em sentido amplo, compreende o conjunto de ações judiciais para a tutela de interesses
transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), como a ação civil pública, a ação
popular, o dissídio coletivo, a ação de cumprimento, a substituição processual sindical e a ação coletiva
do CDC (art. 91).
Em sentido estrito, o termo “ação coletiva” é empregado para designar somente a ação coletiva
para a tutela de interesses individuais homogêneos do Código de Defesa do Consumidor (art. 91), sendo
que esta última também recebe as denominações “ação coletiva para a tutela de interesses individuais
homogêneos”, “ação coletiva stricto sensu”, “ação coletiva do Código de Defesa do Consumidor”, “ação
civil coletiva”.
A nomenclatura “ação coletiva lato sensu” constitui o gênero do qual são espécies todas as
demais ações coletivas para a proteção de interesses transindividuais, inclusive a ação coletiva stricto
sensu, sendo que esta última expressão é básica e predominantemente utilizada para designar a ação
coletiva prevista no art. 91 do CDC para a tutela de interesses individuais homogêneos.
Não obstante a tutela dos interesses individuais homogêneos ser o mote da ação coletiva stricto
sensu, o próprio CDC (art. 81) igualmente previu também a possibilidade da tutela de interesses difusos
e coletivos por meio desse instituto processual.(1)
Desse modo, quanto ao conteúdo, a ação coletiva e a ação civil pública não se distinguem, podendo
ambas versar sobre qualquer espécie de interesse transindividual. Determinados doutrinadores,
inclusive, nomeiam a ação coletiva do CDC como “ação civil pública coletiva”, para aproximá-la do
conceito de ação civil pública. Por outro lado, a ação civil pública pode ser plenamente empregada para
a proteção de interesses individuais homogêneos.
De fato, conquanto exista uma diferenciação meramente terminológica, e para fi ns didáticos, ainda
que assim não fosse, atualmente, com a imbricação da LACP (art. 21) e do CDC (art. 90), a ação civil
pública e a ação coletiva possuem a mesma natureza jurídica, inclusive com possibilidade de tutela de
qualquer interesse transindividual por qualquer uma dessas demandas, independentemente do nomen
iuris que lhes for concedido na praxe forense, pois a ação é determinada pelas partes, pedido e causa
de pedir e não pela qualifi cação jurídica concedida na exordial. Ademais, em se tratando de demandas
coletivas da mesma natureza e regidas por iguais princípios e regras, estão elas sujeitas ao princípio
da fungibilidade das ações coletivas.
(1) “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente,
ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I — interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que
sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II — interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de
que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III — interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”
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2. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL
A ação coletiva foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pelo CDC para a defesa dos
interesses coletivos lato sensu (transindividuais) dos consumidores em juízo (art. 81, CDC), sendo,
porém, de aplicação a todos os ramos do ordenamento jurídico, em virtude do caráter universal do
CDC, como instrumento de proteção dos hipossufi cientes sociais, técnicos ou econômicos.
Além desta previsão genérica, o CDC consagrou um capítulo específi co, intitulado “Das ações
coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos”, com vistas a disciplinar minuciosamente
a tutela destes interesses, possibilitando que os autores coletivos proponham, em nome próprio e
no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos
individualmente sofridos (art. 91, CDC). Vale recordar que o conceito de interesses individuais
homogêneos foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pelo próprio CDC.
Três anos após o advento do CDC, a LOMPU (LC n. 75/93 — art. 6º, VII, “d”) conferiu ao Ministério
Público a atribuição para a tutela de “outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais,
difusos e coletivos”, prevendo expressamente a ação coletiva, ao dispor que compete ao Parquet
“propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos” (art. 6º, XII).
Embora plena e legalmente apta para a tutela de quaisquer dos interesses transindividuais (art. 81,
CDC), as ações coletivas ganharam notoriedade jurídica como típico instituto para a tutela de interesses
individuais homogêneos, cuja defesa, na Justiça do Trabalho, já era há muito praticada por meio da ação
de cumprimento e das hipóteses de substituição processual sindical.
Essa preferência específi ca da praxe forense se contrapõe ao próprio conteúdo conceitual e
objetal amplo da ação coletiva previsto no art. 81 do CDC. Por isso, parte da doutrina denomina esta
actio como “ação civil pública coletiva”, por também estar vocacionada à tutela dos interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos, de sorte que a sua fi nalidade, seus princípios e regras coincidem
com os da ação civil pública.
Tecnicamente, porém, a ação civil pública ganhou a preferência para a tutela de interesses difusos
e coletivos, e a ação específi ca do CDC para a proteção de interesses individuais homogêneos,
adquirindo as seguintes denominações: “ação coletiva stricto sensu”; “ação coletiva do Código de
Defesa do Consumidor”, “ação coletiva” e “ação civil coletiva”.
O CDC, após introduzir o conceito de interesses individuais homogêneos na legislação nacional
e disciplinar a sua tutela processual, inseriu o art. 21 à LACP para determinar que se aplique à defesa
dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do seu Título
III, que trata da “Defesa do Consumidor em Juízo”.
Por outro lado, o próprio art. 90 do CDC prescreve a aplicação dos dispositivos do CPC e da
LACP às ações nele previstas. Essa imbricação entre os dois estatutos processuais coletivos deu
ensejo à formação de um “microssistema das ações coletivas”, cujos dispositivos, princípios e regras
são aplicáveis a qualquer demanda coletiva, como prescrito no art. 21 da LACP e no art. 83 do CDC.(2)
A distinção entre a ação civil pública e a ação coletiva stricto sensu é meramente didática e doutrinária,
não ensejando, em nenhuma hipótese, a extinção do processo sem resolução do mérito com base no
nomen iuris exposto na exordial, valendo a pena enfatizar que a ação é defi nida pelo trinômio: partes, pedido
e causa de pedir, e não pela qualifi cação jurídica concedida na exordial. Ademais, como já expusemos, em
se tratando de demandas coletivas da mesma natureza e regidas por iguais princípios e regras, estão elas
sujeitas ao princípio da fungibilidade.
(2) Além de conferir contornos mais precisos ao objeto da ação civil pública e dispor sobre as ações coletivas, o CDC defi niu
uma série de conceitos cruciais para a celeridade e segurança desse universo de proteção, como a enunciação dos atributos
essenciais e específi cos de cada um dos interesses transindividuais (art. 81, incisos I, II e III), a tutela processual de direitos
individuais homogêneos (arts. 91 e segs.), a determinação do alcance e efeitos da coisa julgada nas lides coletivas (art. 103,
incisos I, II e III), a litispendência entre as lides individuais e as coletivas com o mesmo objeto (art. 104) etc.
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Neste capítulo, daremos enfoque à ação civil coletiva stricto sensu, isto é, vocacionada à tutela de
interesses individuais homogêneos, tendo em vista que às ações coletivas para a tutela de interesses
difusos e coletivos aplicam-se os mesmos princípios e regras pertinentes à ação civil pública.
3. NATUREZA JURÍDICA
A ação coletiva stricto sensu é um típico “instrumento apto a provocar a jurisdição no escopo de
uma tutela a interesses com teor social, ditos públicos primários”.(3)
Estando inserida no microssistema processual coletivo, a ação coletiva segue as regras do direito
processual coletivo, aplicando-se as normas da LACP e do CDC, além das regras e princípios da CLT e
do CPC. Ontologicamente, a ação de cumprimento e a substituição processual sindical possuem a mesma
natureza da ação coletiva stricto sensu, uma vez que todas constituem ações para a tutela de interesses
individuais homogêneos, sendo tais instrumentos processuais regidos pelos mesmos princípios e regras.
4. OBJETO
A ação coletiva tem como objetivo primordial a reparação de lesão a interesses individuais
homogêneos, por meio da obtenção de um provimento judicial predominantemente de natureza
condenatória. Serve igualmente para a obtenção de provimentos inibitórios para a prevenção de danos,
bem como para pretensões declaratórias e constitutivas em torno dos interesses deduzidos em juízo.
Como tem inspiração no sistema das class actions norte-americanas, a fi nalidade principal da
ação coletiva é o ressarcimento dos danos sofridos pelos indivíduos lesionados; sendo proposta no
interesse dos individualmente lesados, cujos valores condenatórios revertem-se diretamente para
estes, para o ressarcimento dos danos materiais e morais sofridos.
A priori, técnica e didaticamente, a ação coleiva não se destina ao ressarcimento do dano
globalmente considerado, como no caso da ação civil pública, cuja condenação em dinheiro é revertida
a um fundo gerido na forma do art. 13 da LACP, salvo se for intentada com vistas à tutela de interesses
difusos e coletivos, nos termos do art. 81 do CDC, hipótese na qual ganhará contornos de ação civil
pública ou, como preferem certos doutrinadores, ação civil pública coletiva.
À guisa de exemplifi cação, consideremos que um teto de uma determinada empresa venha a desabar,
ocasionando lesões a diversos trabalhadores. No caso, verifi cada lesão a interesses individuais homogêneos,
poderia ser proposta ação coletiva para o ressarcimento dos danos materiais sofridos pelos trabalhadores
atingidos.
Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer cita como exemplo de cabimento de ação coletiva a seguinte
hipótese: “associação de defesa de paraplégicos ajuizando ação em face de determinado Município,
visando à reparação de danos causados em cadeiras de rodas de vários associados, em virtude de
não terem sido eliminadas as barreiras arquitetônicas que difi cultavam o acesso ao hospital municipal.
Assim, se diversos associados tiverem as suas cadeiras quebradas quando buscavam acesso ao
hospital não se vislumbra impedimento ao ajuizamento de uma ação coletiva, ao invés de diversas
ações individuais”.(4)
Raimundo Simão de Melo assinala como hipóteses de cabimento de ações coletivas no âmbito
trabalhista: cobrança de contribuições sindicais descontadas indevidamente; anulação da suspensão
do pagamento do adicional noturno de 40% que trabalhadores recebiam por força de norma coletiva
ou de regulamento interno da empresa; evitar eventual redução salarial perpetrada pelo empregador
sem negociação coletiva com o sindicato profi ssional; cancelamento de suspensão disciplinar de
diversos trabalhadores como represália à greve julgada não abusiva; exigência do pagamento de
(3) TOPAN, Renato Luiz. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 48.
(4) PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. As associações civis..., cit., p. 167.

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