A adequada distribuição do dever fundamental de pagar tributos: análise histórica do problema da repartição da competência tributária nas constituições brasileiras

AutorBenedito Gonçalves e Renato Cesar Guedes Grilo
Páginas45-61
A ADEQUADA DISTRIBUIÇÃO DO DEVER
FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS:
ANÁLISE HISTÓRICA DO PROBLEMA DA
REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Benedito Gonçalves
Renato Cesar Guedes Grilo
Sumário: Introdução – 1. As normas de competência tributária nas constituições de 1824 e
1891 – 2. As materialidades abertas à tributação na constituição de 1934 com a inclusão da
técnica de repartição do produto da arrecadação tributária – 3. A repartição de competências
na constituição federal de 1937 – 4. O início do alargamento das competências da união na
repartição da competência tributária na constituição de 1946 – 5. O advento de um sistema
tributário na constituição de 1967 com a repartição hiperbólica de competências em favor da
união – 6. A repartição de competências no sistema tributário nacional na Constituição Federal
de 1988 – Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
O fenômeno tributário já esteve compreendido como parte do direito nan-
ceiro, sendo o tributo nada mais que uma espécie de receita derivada do Estado.
Mais recentemente foi construída a autonomia cientica dos estudos tribu-
tários, porém, de um modo marcadamente instrumental: predomina o entendi-
mento de que o tributo é um instrumento de carreamento de recursos ao Estado.
Contudo, é possível ver na tributação muito mais do que um agir instru-
mental do Estado, especialmente quando se dá atenção às escolhas do Estado na
distribuição do dever fundamental de pagar tributos.
De acordo com dados extraídos1 da Instituição Fiscal Independente (IFI),2
em 2017 37% dos tributos cobrados no Brasil incidiam sobre bens e serviços,
1. INSTITUTO FISCAL INDEPENDENTE – IFI. Relatório de Acompanhamento Fiscal Junho de 2018.
Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/542807/RAF17_JUN2018_Topi-
coEspecial_CargaTributaria.pdf. Acesso em: 19 set. 2022.
2. A IFI – Instituição Fiscal Independente – foi criada no nal de 2016, por meio de Resolução do Senado
Federal (Resolução 42/2016), com o objetivo de ampliar a transparência nas contas públicas.
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enquanto 21% de todos os tributos cobrados no país incidiam sobre a renda – so-
mando-se tributos incidentes sobre a renda, lucro e ganhos de capital de pessoas
naturais e jurídicas.
Em um recorte mais preciso, tendo por referencial o percentual da carga
tributária sobre o PIB, dados da Secretaria do Tesouro Nacional indicam que,
em 2020 a divisão da carga tributária atingiu o 31.64% do Produto Interno Bruto,
sendo dividida do seguinte modo: 7.06% de imposto sobre renda, lucros e ganhos
de capital, 8,41% de contribuições sociais, 1,58% sobre a propriedade, 13,42%
sobre bens e serviços.3
Entre 2010 e 2020 a variação destes percentuais foi muito pequena, a de-
monstrar que, efetivamente, o Brasil é um país onde há uma grande concentração
de tributos incidente sobre o consumo de bens e serviços. A pouca alteração nos
dados, em um espaço de uma década, também demonstra que as propostas de
alterações mais profundas no sistema tributário não vingaram.
Segundo estudo da OCDE, no Canadá, por exemplo, tomando toda carga
tributária, 23,5% dos tributos incidem sobre o consumo, 16% sobre a folha de
pagamento, 11,5% sobre o patrimônio e 48% sobre a renda. A média dos países
da OCDE é a seguinte: 33% dos tributos incidem sobre o consumo, 27% sobre a
folha de pagamento, 5% sobre o patrimônio e 33.5% sobre a renda. No Brasil 43%
dos tributos incidem sobre o consumo, 27,5% sobre a folha de pagamento, 4,5%
sobre o patrimônio e 22,5% sobre a renda. Na Argentina 52% dos tributos inci-
dem sobre o consumo, 20% sobre a folha de pagamento, 9% sobre o patrimônio
e 18% sobre a renda.4
Os percentuais acima trazem a realidade de que todo e qualquer consumidor
de bens e serviços, qualquer que seja sua capacidade econômica, pagará o mesmo
tributo e que há uma escolha pela concentração ou prioridade distributiva do
dever de pagar os tributos sobre os bens e serviços, no Brasil.
Diante disso, parece car claro que as escolhas do Estado sobre onde irá
recair o dever tributário deve funcionar como uma política pública. Incidindo
os tributos prioritariamente sobre bens e serviços, cuja aquisição leva em conta
a necessidade de quem irá consumir – sem identicação da capacidade contri-
butiva ou do poder econômico do contribuinte –, corre-se o risco de se instituir
3. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Estimativa da carga tributária bruta do governo geral.
Disponível em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:38233.
Acesso em: 19 set. 2022.
4. AGÊNCIA SENADO. Por que a fórmula de cobrança de impostos do Brasil piora a desigualdade social.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/05/por-que-a-formula-de-
-cobranca-de-impostos-do-brasil-piora-a-desigualdade-social. Acesso em: 19 set. 2022.
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