Tributação e desigualdades pós-pandemia

AutorIvo César Barreto de Carvalho
Páginas209-234
TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADES
PÓS-PANDEMIA
Ivo César Barreto de Carvalho
Sumário: Introdução – 1. Premissas fundamentais – 2. Tributação do consumo – 3. Tributação
da renda – Conclusões – Referências.
INTRODUÇÃO
O tema proposto na presente obra é um desao posto não somente ao Bra-
sil, mas ao mundo todo: repensar as premissas, as funções e as estruturas de um
Estado após a pandemia de saúde pública que atingiu a todos, por meio da disse-
minação do vírus SARS-CoV-2, mais conhecida popularmente como Covid-19
ou Coronavírus. Afora as questões e discussões político-partidárias que não
devem permear o presente trabalho, necessário perquirir os efeitos econômicos
e nanceiros dessa pandemia no Estado Brasileiro, em especial no aspecto das
relações jurídico-tributárias entre os contribuintes e a Administração Pública
Fazendária dos entes federados.
Diante das possibilidades de abrangência dessa temática, resolveu-se traba-
lhar o tema da tributação e das desigualdades pós-pandemia sobre dois diferentes
ângulos: tributação do consumo e da renda. Embora se pudesse tratar ainda de
outras questões, quiçá até mais interessantes – tais como tributação das heranças,
gasto público, corrupção e justiça scal no pós-pandemia – entendeu-se abso-
lutamente necessário realizar um corte na pesquisa, adequando-a aos objetivos
desta obra.
A proposta metodológica deste artigo parte de um roteiro de indagações
propostas pelo Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, na presidência
do Professor Schubert de Farias Machado, mas não se cingindo apenas a este rol,
procuraremos xar outros conceitos e premissas, bem como suscitar outras dú-
vidas (sem a pretensão de exauri-las todas) acerca da tributação e desigualdades
no pós-pandemia.
1. PREMISSAS FUNDAMENTAIS
Partindo da premissa do Direito como Sistema, é preciso identicar no or-
denamento jurídico brasileiro quais são os princípios norteadores da tributação
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e sua correlação com as desigualdades. Sob a óptica do Direito Positivo, o ponto
de partida dessa análise é a Constituição Federal de 1988, pois além de estrutu-
rada em capítulo especíco sobre o Sistema Tributário Nacional, também está
ancorada em diversos dispositivos constitucionais atinentes às desigualdades
sociais e regionais.
Sendo a redução das desigualdades sociais e regionais um dos objetivos fun-
damentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, inciso III), não há dúvidas
da intenção do legislador constituinte originário em ncar a premissa de que o
ordenamento jurídico brasileiro deveria ser estruturado, a partir de 1988, com
normas jurídicas criadas para colaborar no desenvolvimento social e econômico da
nação, reduzindo as desigualdades do nosso povo já constatadas (e, infelizmente,
ainda existentes) desde àquela época.
Contudo, as questões que se colocam são: a) passados 24 anos da CF/88,
as normas postas conseguiram ou contribuíram para alcançar o desiderato de
reduzir as desigualdades sociais e regionais? b) o Sistema Tributário Nacional,
em especial as normas jurídico-tributárias sobre tributação do consumo, renda e
heranças, é compatível com viés desenvolvimentista do constituinte originário? c)
o tributo é uma ferramenta adequada e/ou suciente para se promover a redução
de desigualdades? d) o arcabouço normativo tributário brasileiro passou no “teste
da pandemia de Covid-19”?
Historicamente, o princípio da legalidade sempre norteou o aspecto legiti-
mador do direito e do discurso da dogmática jurídica. Dessa forma, a avaliação
do desenvolvimento esteve sempre calcada na conexão entre as normas jurídicas
e os objetivos estabelecidos nas políticas públicas voltadas para a redução das
desigualdades sociais e regionais. Noutros termos, a legalidade estrita – embora
voltada à segurança jurídica – está atrelada a um contexto histórico, a determinados
valores xados no tempo e a conceitos predeterminados no passado.
Quando a humanidade passa por eventos únicos de proporções globais – a
exemplo da pandemia da Covid-19 –, torna-se absolutamente imprescindível
questionar estes valores xados no passado e os conceitos previamente determi-
nados que foram baseados numa outra sociedade em outro contexto histórico.
Destarte, pergunta-se: aquela “moldura da legalidade” é adequada e suciente
para a solução dos problemas estruturais de uma dada sociedade, em particular,
no caso do Brasil, para a redução das desigualdades sociais e regionais?
Neste mesmo sentido de estabelecer novos paradigmas para uma nova era
da tributação e do desenvolvimento, Eurico Marco Diniz de Santi elenca alguns
desaos para a superação dessa legalidade do passado: (i) em razão da desco-
nexão das normas à prática e aos objetivos nacionais, deve-se utilizar o direito
e a dogmática como efetivos instrumentos promotores de mudanças sociais, de
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