Tributação e desigualdade

AutorSchubert de Farias Machado
Páginas289-316
TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADE
Schubert de Farias Machado
Sumário: Introdução – 1. Desigualdade – 2. Economia – 3. Tributo – 4. Sistema tributário – 5.
Intensa tributação do consumo – 6. Tabela “progressiva” do imposto de renda das pessoas
físicas – 7. Contribuições de previdência – 8. Imposto Territorial Rural – ITR – 9. Tributação da
herança – 10. Imposto sobre grandes fortunas – 11. Gasto público – 12. Igualdade e isenções –
13. Incentivo e favor scal – 14. Crítica às propostas de alteração do sistema tributário nacional
– 15. Pandemia de Covid-19 – Conclusões.
INTRODUÇÃO
No decorrer deste artigo faremos considerações gerais sobre o tema proposto,
iniciando com a indicação de uma possível origem da desigualdade social, para em
seguida adentrar na questão mais especíca da tributação brasileira. Ao nal, dare-
mos de forma muito sintética nossas respostas às indagações formuladas pelo ICET.
Optamos por uma abordagem prática e direta, que certamente resultou
incompleta e supercial, mas decorreu da nossa tentativa de dar simplicidade e
clareza ao texto diante da profundidade dos pressupostos teóricos e da comple-
xidade do sistema tributário.
Pedimos ao leitor tolerância com as imperfeições que encontrará em nosso
trabalho, com o qual esperamos de alguma forma despertar a reexão sobre o
papel dos tributos na desigual sociedade brasileira.
1. DESIGUALDADE
Para sobreviver no mundo selvagem o homem, sicamente frágil, precisou
viver em grupo para melhor enfrentar as diculdades da natureza. A vida social,
embora absolutamente necessária, mostrou-se conituosa. As comunidades
mantiveram a coesão estabelecendo normas de conduta individual e impondo
sanções aos infratores. Conforme registro de Beccaria, ao submeter-se a um regime
normativo o homem renunciou a uma parte (mínima possível) de sua liberdade
para gozar da grande parcela restante. A liberdade perdida, por sua vez, deveria
ser igualmente dividida entre cada um que faz o grupo.1 Nas palavras de Jayme de
1. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São
Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 43.
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Altavila, desde “que o homem sentiu a existência do direito, começou a converter
em leis as necessidades sociais. Para trás havia cado a era da força física e da
ardilosidade, com as quais se defendera na caverna e nas primeiras organizações
gregárias.2 A parcela de liberdade perdida, contudo, não foi igualmente dividida.
Permaneceram iniquidades em relação à riqueza de alguns poucos diante da pobre-
za da maioria e de diferenças como raça, origem, credo, sexo ou particularidades
individuais outras, que ao longo da história geraram discriminações, conitos e
insurreições sangrentas.
O combate à desigualdade não tem, nem poderia ter, o objetivo de dividir
a riqueza no sentido de tornar todos ricos. Isso não é factível. A desigualdade é
inerente à natureza humana. As experiências sociais que tentaram impor a igual-
dade em detrimento da liberdade levaram a que fossem perdidas as duas. Também
não se restringe à redução da pobreza com políticas públicas assistencialistas. Em
tempos recentes os Estados ocidentais têm procurado manter a paz e a coesão
social através do respeito à dignidade humana como padrão ético orientador de
um tratamento igualitário, sem prejuízo da garantia dada às liberdades individuais.
Angel Latorre aponta que os valores a proteger para se alcançar essa dignidade
estão anunciados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada
pela Assembleia Nacional Francesa em 26 de agosto de 1789, como legado deixado
ao mundo pelos que zeram a Revolução Francesa.3
Ainda assim a discriminação dos diferentes perdurou e perdura. No dizer
de Napoleão Nunes Mais Filho: “o secular problema da desigualdade resiste ao
tempo e às teorias como usina fornecedora de suprimentos para as múltiplas
relações desigualitárias da vida social e desse problema provêm os insumos que
potencializam as várias formas de submissão de uns homens aos outros, de umas
iniciativas pessoais a interesses de terceiros, de uns grupos a outros e de uns sonhos
individuais aos sonhos alheios.4 A escravatura e a opressão à mulher são exemplos
marcantes de como o Direito pode ser e foi usado para legitimar indignidades,
que ainda exigem ferrenho combate na procura por tratamento digno.
É importante perceber que a luta contra a desigualdade não nasce apenas
dos sentimentos de justiça e solidariedade. A desigualdade social diminui a cria-
tividade, a inventividade e a produtividade que seria obtida com a participação
dos excluídos. Dessa forma, devemos minimizá-la não só na busca da dignidade
humana, mas também do crescimento econômico. No Brasil continua presente
2. ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1964, p. 10.
3. LATORRE, Angel. Introdução ao direito. Trad. Manoel de Alarcão. Coimbra: Livraria Almedina, 1974,
p. 54.
4. NAPOLEÃO Nunes Maia Filho. Direito ao processo judicial igualitário. Fortaleza: Editora Curumim,
2015, p. 71.
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