Tributação e desigualdades no contexto pós-pandemia

AutorDebora Bezerra de Menezes Serpa Maia
Páginas89-105
TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADES
NO CONTEXTO PÓS-PANDEMIA
Debora Bezerra de Menezes Serpa Maia
Sumário: 1. Premissas fundamentais – 2. Tributação do consumo – 3. Justiça scal e gasto
público – Conclusões – Referências.
1. PREMISSAS FUNDAMENTAIS
1.1 Existem critérios a partir dos quais as desigualdades podem ser avaliadas, de sorte a serem
consideradas moralmente legítimas, ou ilegítimas?
1.2 Mesmo abstraída a questão moral, a redução de algumas desigualdades seria defensável
sob um ponto de vista econômico?
1.3 O tributo é uma ferramenta adequada para se promover a redução de desigualdades?
Mesmo que seja considerado adequado, é ele suciente?
1.4 Como equacionar a questão relacionada ao fato de que os detentores de maior capacidade
contributiva, se confrontados com uma tributação mais onerosa – como pode ser o caso de uma
destinada a reduzir desigualdades –, tendem a migrar para países de tributação mais branda,
ou mesmo recorrer ao planejamento tributário internacional e ao uso de paraísos scais?
Em época de crise mundial, algumas questões tornam à tona com mais força.
Uma delas é a que se refere às desigualdades sociais e de que forma essa proble-
mática interfere no desenvolvimento econômico das sociedades.
A tributação tem papel extremamente importante na redistribuição de
renda e também contribui para que as desigualdades já existentes não sejam
incrementadas. Isso porque não somente a arrecadação tributária encontra base
na ideia de solidariedade social, em que aqueles que possuem maior capacidade
contributiva arcam com ônus maiores do que aqueles que a possuem em menor
escala, mas também a própria aplicação dos recursos oriundos da tributação, se
procedida de forma correta, enseja a redução das desigualdades sociais e propicia
o nanciamento da efetivação de direitos sociais.
Reduzir as desigualdades sociais, através de mecanismos como a redistri-
buição de renda, mormente através da efetivação dos direitos sociais, deve estar
na pauta política de todos os Estados que almejam se desenvolver ou continuar
crescendo economicamente. Por desigualdades sociais, entende-se “aquelas sur-
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gidas entre segmentos da sociedade em virtude precipuamente de discrepâncias
na renda auferida e no patrimônio acumulado pelas pessoas”.1
Machado Segundo2 salienta que a existência de certas desigualdades é algo
saudável e que não necessariamente deve ser combatida. Por outro lado, há de-
sigualdades que precisam sim ser minadas ou ao menos mitigadas, pois não são
moralmente justicáveis, por não reverterem em proveito de todos e não decor-
rerem de escolhas feitas pelos sujeitos envolvidos:
Estas últimas são desigualdades que prejudicam o desenvolvimento da sociedade, e que não
representam a consequência de maior ou menor esforço, trabalho, ousadia, criatividade ou
mérito; são essas, não justicáveis moralmente, e nocivas economicamente, que precisam
ser reduzidas.
A redução das desigualdades sociais é um dos objetivos da República Federativa
do Brasil, conforme exposto no seu art. 3º, inciso III. E essa redução é importante pois
é fator que estimula o desenvolvimento econômico. Isso porque buscar uma sociedade
mais igualitária não é aspecto meramente moral e losóco, mas ação que, ao trazer a
população para um nível em que pelo menos os mínimos existenciais e patrimoniais
sejam alcançados por todos, aumentam-se tanto o mercado consumidor quanto o
capital humano, impulsionando a economia.3 Com uma renda maior, é possibilitado
ao indivíduo investir em educação e desenvolver de forma plena suas habilidades
e garantir oportunidades. Destaque-se que até a base de cidadãos-contribuintes é
implementada quando pessoas são retiradas do ciclo da pobreza.4
Piketty5 destaca que a desigualdade social é fruto, principalmente, da so-
ciedade de rentistas, em que há uma concentração de renda bastante elevada em
razão principalmente de patrimônios herdados. Cabe aos pesquisadores com-
preenderem as origens dessa desigualdade e identicarem o que pode ser feito
para modicar essa situação.
A primeira forma de se chegar à extrema desigualdade é o esquema clássico de uma ‘sociedade
hiperpatrimonial’ (ou ‘sociedade de rentistas’), isto é, uma sociedade em que os patrimônios são
muito importantes e a concentração atinge níveis muito elevados (tipicamente 90% do patrimô-
nio total para o décimo superior e 50% para o centésimo superior). A hierarquia da renda total é,
assim, dominada pelas rendas muito elevadas do capital e, sobretudo, pelas rendas do capital
herdado. É o esquema que se observa, com pequenas variações, no Antigo Regime e na Europa
da Belle Époque. Necessitamos ainda compreender as condições que permitem o surgimento e
a durabilidade dessas estruturas de propriedade e desigualdade, bem como entender em que
medida elas pertencem ao passado ou, ao contrário, podem retornar no século XXI.
1. MACHADO SEGUNDO, 2018, p. 107.
2. 2018, p. 109.
3. CINGANO, 2014.
4. HOLMES; SUNSTEIN, 1999, p. 212.
5. 2014, p. 258.
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