Mínimo existencial - imposto de renda - desigualdade pós-pandemia

AutorFernando Aurelio Zilveti
Páginas153-169
MÍNIMO EXISTENCIAL –
IMPOSTO DE RENDA –
DESIGUALDADE PÓS-PANDEMIA
Fernando Aurelio Zilveti
Sumário: Introdução – 1. Mínimo existencial como direito fundamental – 2. Mínimo existencial
no imposto de renda – 3. Mínimo existencial na interpretação constitucional – Conclusão.
INTRODUÇÃO
O momento de pandemia da Covid-19 vivido pelos brasileiros sem renda
despertou o legislador para a necessidade de pensar uma saída para a miséria
absoluta ao estabelecer o auxílio emergencial. Cabe ao Estado socorrer aos que
sequer constam nas estatísticas econômicas, aplicando recursos do orçamento
para um auxílio nanceiro, em cumprimento ao princípio constitucional do
mínimo existencial.
Observando o direito comparado, constatou-se que a Corte Constitucional
alemã decidiu ampliar o benefício. Para tanto, a Corte alemã equiparou cidadãos.
Mais recentemente, outra decisão da mesma corte constitucional desautorizou
extraditar um estrangeiro no meio da pandemia Covid-19, por temer que no país
de origem o extraditado não tivesse igual acesso ao mínimo existencial garanti-
do a ele pelo Estado alemão, ao menos enquanto ambos os países se encontrem
assolados pela pandemia.1 Os requisitos constitucionais centrais para o desenho
dos benefícios de segurança básica do Estado decorrem da garantia do direito
fundamental de um nível de subsistência digno (art. 1º, § 1º conjugado com o art.
20º, § 1º GG). O que se entende por mínimo existencial varia no tempo, mas é
possível dizer que a Corte Constitucional alemã se dedica a isso há mais de trinta
anos, concretizando o princípio para os jurisdicionados.2
1. ALEMANHA – Corte Constitucional – Decisão de 5 de novembro de 2019 – 1 BvL 7/16. Acesso em:
20 set. 2022. Disponível em: https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Entscheidungen/
DE/2019/11/ls20191105_1bvl000716.html.
2. ALEMANHA – Corte Constitucional – BVerfGE 87, p. 153. (p 169 .) (Existenzminimum). Acesso em:
20 set. 2022. Disponível em: https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Entscheidungen/
DE/2019/11/ls20191105_1bvl000716.html.
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Esse princípio constitucional do mínimo existencial informa o Estado para
a realização de políticas públicas de combate à pobreza, para tornar visível aquele
cidadão que, com a pandemia Covid-19, demanda uma ação emergencial. Nesse
sentido, o STF decidiu por unanimidade intimar o Congresso a regulamentar uma
lei aprovada há duas décadas, que prevê a renda mínima. A pressão do STF para
que o Legislativo regulamente a concessão de renda mínima tem um contorno
dirigente de inspiração constitucional portuguesa. Não se trata de intervenção,
apenas de chamar a atenção de outro poder para uma questão emergencial, em
cumprimento à Constituição.3
Resta ao STF tratar dos contribuintes que durante a pandemia sequer foram
atendidos em seu mínimo existencial, muito embora economicamente ativos e
contribuintes do imposto de renda. Todos os anos, os cidadãos economicamente
ativos deixam sua parcela de contribuição para o Estado. Esses contribuintes, em
função da pandemia, viram seus rendimentos diminuírem e as despesas aumen-
tarem. Não se confunda aqui, mínimo existencial com correção monetária de
tabela de isenção do imposto de renda das pessoas físicas.
Ora, o contribuinte que custeia o Estado em suas políticas públicas, pagando
os tributos indiretos sobre o consumo e diretos sobre o patrimônio e a renda,
merece proteção constitucional ao seu mínimo existencial. Trataremos aqui
do imposto de renda, aquele tributo descontado mensalmente do trabalhador
com carteira assinada ou dos contribuintes autônomos, cobrado mensalmente,
ou no ajuste anual. O imposto de renda ainda é a melhor ferramenta de aferição
da capacidade contributiva e, por consequência lógica, do mínimo existencial.
Mas ele não equaliza a desigualdade de renda, pois não é essa a sua função como
tributo. Por outro lado, realiza o ideal de igualdade na tributação, por meio da
capacidade contributiva.
Com o distanciamento social, os contribuintes aumentaram seus gastos
com saúde, com médicos, psicólogos, sioterapeutas etc. Além disso, os gastos
com medicamentos aumentaram. O estresse provocado pela pandemia custou ao
contribuinte uma boa parte de seus rendimentos e isso precisa ser considerado
pelo Fisco, na apuração do imposto de renda. Os gastos com despesas médicas não
têm limite de dedução, diferentemente de valores com educação. Essa escolha do
legislador do imposto de renda foi, essencialmente, ligada às políticas públicas.
Sabia o legislador tributário das necessidades básicas do contribuinte, mas foi
obrigado a fazer escolhas. Optou, com efeito, por deixar a educação limitada em
3. BRASIL – Decreto 10.852/21 – Acesso em: 20 ago. 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/D10852.htm.
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