Agência distributiva e sistemas de reputação

AutorPedro Victor Silva de Andrade
Páginas195-210
Agência distributiva e sistemas de reputação
Pedro Victor Silva de Andrade
Resumo
Sistemas de reputação estão presentes em plataformas digi-
tais que utilizamos cotidianamente, como Uber, Airbnb e assemelha-
dos. Tem-se armado que esses sistemas possibilitam aos usuários
avaliar o serviço prestado, incrementando a qualidade do serviço e
minimizando o inadimplemento ou o comportamento inadequa-
do na execução do serviço. No entanto, a análise mais detalhada da
agência desses sistemas e a análise da dinâmica da sua interação com
as pessoas permite divisar possíveis efeitos deletérios sobre a auto-
nomia privada e a dignidade humana. A análise enfoca os conceitos
de dispositivo, agência distributiva e interatividade estruturada para
oferecer uma exposição tanto teórica como pragmática da questão.
Conclui-se que os sistemas de reputação promovem um processo de
dessubjetivação ou tipicação dos usuários do sistema e propiciam
grandes medidas de predição, coação e controle do comportamento
das pessoas em geral.
Introdução
Serviços de intermediação por plataforma são intensamen-
te presentes no nosso dia a dia. Os utilizamos rotineiramente para
nos comunicarmos (Gmail, WhatsApp), irmos de um lugar a outro
(Uber, Waze), adquirir e transportar produtos (Amazon, Rappi, Lo-
ggi), assistir a lmes, programas televisivos ou ouvir música (Netix,
Spotify), pedir uma refeição em domicílio (Uber Eats, Ifood), esco-
lher um prossional ou prestador de serviço (Getninjas, Doctoralia),
selecionar imóveis para aluguel e obter recomendações de lazer e
de destinos de viagem (Airbnb, TripAdvisor). Esses são apenas al-
guns exemplos mais comuns do que tem sido reconhecido como um
ecossistema de plataformas online que, em escala global, permeia
toda sorte de relações e interações entre as pessoas (DIJCK, POELL,
WAAL, 2018, p. 4).
196 • Revolução Informacional - Capítulo 11
José Van Dijck, omas Poell, e Martijn de Waal denem
plataformas digitais como arquiteturas programáveis desenhadas
para organizar interações entre usuários, sendo essas plataformas
alimentadas com dados dos usuários, automatizadas e organizadas
por meio de algoritmos e interfaces, formalizadas por meio de rela-
ções de propriedade orientadas por modelos de negócios, além de
regidas por acordos de usuários (DIJCK, POELL, WAAL, 2018, p.
17).
Podendo intermediar uma variadíssima gama de atividades,
as plataformas se baseiam em um modelo de negócios que se abaste-
ce da coleta de uma grande quantidade de dados dos usuários (PAS-
QUALE, 2015, P. 4). Esses dados são tratados, sistematizados ou or-
ganizados por meio de algoritmos, de forma a oferecer informações
sobre as preferências e o comportamento das pessoas. Assim, além
de oferecer diversos serviços de intermediação de comodidade dos
usuários aliados, as plataformas ofertam a terceiras-pessoas ativos
econômicos signicativos em termos de atenção (ie, de publicidade
direta) ou de informações sobre as preferências e comportamento
dos usuários (eg, perlamento de consumidores de um determinado
segmento comercial, de um determinado produto ou de um tipo de
serviço).
Luciano Floridi argumenta que esses serviços fomentam
uma “cultura da representação” (proxy culture) na medida em que
“desidenticam” as pessoas, convertendo-as em “tipos representati-
vos” — o tipo de cidadão que reside em determinado bairro ou re-
gião da cidade, o tipo de motorista que dirige determinado veículo,
o tipo de paciente de determinado hospital, o tipo de consumidor de
determinado produto ou serviço — que são posteriormente utiliza-
dos como paradigmas de pers de consumo para os “reidenticar
no momento do disparo de uma publicidade direcionada, por exem-
plo (FLORIDI, 2014, p. 58).
Fica claro que a reputação, compreendida como o modo
pelo qual a pessoa espera e efetivamente vem a ser vista socialmente
(FERRAZ JÚNIOR, 1993, 443), portanto aspecto fundamental da
formação da identidade em ambiente social, representa um elemen-
to importante ao funcionamento da economia das plataformas. Des-
de o tipo ou o conteúdo da atividade de alguém nas redes sociais,
suas preferências gastronômicas, cinematográcas, literárias ou mu-
sicais, suas entradas e tópicos de interesse e pesquisa em ferramentas

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