Quando a privacidade de um afeta a privacidade de muitos: a coletivização da proteção de dados

AutorJulia D'Agostini Alvares Maciel
Páginas176-194
176 • Revolução Informacional - Capítulo 10
Quando a privacidade de um afeta a privacidade
de muitos: a coletivização da proteção de dados
Julia D’Agostini Alvares Maciel
Resumo
Este artigo almeja analisar a coletivização da proteção de
dados, partindo de uma investigação bibliográca preliminar pau-
tada no método lógico-dedutivo, tendo como marco teórico o con-
ceito de group privacy de Leonardo Floridi e a construção sobre a
dimensão coletiva da proteção de dados de Alessandro Mantelero.
Pretende-se compreender a insuciência da proteção da privacidade
com foco exclusivamente no indivíduo e a superação desse modelo
a partir da noção de privacidade de grupos, bem como apresentar
os data trusts como uma proposta para viabilizar essa abordagem
coletiva da proteção de dados.
Introdução
Na era do big data, novas tecnologias e técnicas analíticas
tornam possível e corriqueira a análise de enorme quantidade de
dados para a identicação de pers e padrões comportamentais de
grupos, comunidades e até nações (MANTELERO, 2016). Contudo,
legislações e disputas judiciais tendem a abordar os riscos envolvi-
dos nessas práticas a partir de uma proteção de direitos individuais.
Embora ocasionalmente seja reconhecido o impacto social envolvi-
do nos problemas relacionados à privacidade e à proteção de dados,
esses são, de maneira geral, atrelados a e exercidos por indivíduos.
Essa abordagem focada no indivíduo não é suciente para
a proteção desses direitos, que são violados a partir do uso de tec-
nologias de analytics e decisões automatizadas. É necessária uma
camada adicional de proteção que proteja a privacidade e os dados
não apenas de indivíduos, mas também de grupos, já que os efeitos
da utilização dessas técnicas e dos abusos e práticas discriminatórias
relacionados a elas são sofridos não apenas por um indivíduo singu-
larizado, mas de forma coletiva.
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O presente trabalho busca demonstrar a insuciência da
visão atomística para uma efetiva tutela da privacidade e da prote-
ção de dados, propondo uma reexão quanto à expansão do direito
à privacidade para além do indivíduo, principalmente a partir das
construções teóricas de Luciano Floridi e Alessandro Mantelero.
Para isso, inicialmente será contextualizado como as tecnologias e
técnicas de processamento de dados impactam não apenas a pri-
vacidade, mas também o acesso a demais direitos pela população,
explorando como se dá a tutela da privacidade e proteção de dados
no ordenamento brasileiro. Em seguida, será apresentada a proposta
de expansão da privacidade para um nível coletivo, buscando expor
como grupos podem ser formados e analisados a partir das catego-
rias moderada e forte propostas por Floridi. Ao nal, será discutida
a ideia de data trusts e como essa proposta pode funcionar para uma
efetiva coletivização de dados pessoais, entendendo também quais
as limitações e desaos a serem enfrentados.
O fracasso da visão atomística da privacidade e da proteção de dados
Antes de ingressar no cerne da discussão proposta por este
trabalho, é preciso compreender qual o modelo que se pretende su-
perar. Quais as falhas do modelo individualista e por que ele precisa
ser superado?
Luciano Floridi (2017, p. 98) explica essa questão a partir
de uma comparação entre Moby Dick e um cardume de sardinhas.
A sardinha pode sentir que a rede está tentando a capturar, quando
na verdade ela busca capturar todo o cardume, sendo improvável a
proteção individual da sardinha sem que todo o cardume seja pro-
tegido. Um modelo que trata todos os indivíduos como se fossem
Moby Dick não faz sentido diante de uma realidade tecnológica de
processamento de dados que afeta todo o “cardume.
A abordagem que se busca superar foca na proteção de da-
dos enquanto atrelados a um indivíduo, o que pode ser extraído a
partir do próprio conceito de dado pessoal, sendo esse o elemento
central que determina o escopo de tutela da Lei Geral de Proteção de
Dados Pessoais (LGPD). De maneira geral, o conceito de dado pes-
soal pode ser visto sob uma perspectiva reducionista ou expansio-
nista (BIONI, 2019, p.59). Nessa última, para que o dado seja quali-
cado como pessoal, é preciso que ele esteja relacionado a uma pessoa

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