O Que Ainda Podemos Aprender com a Literatura sobre os Princípios Jurídicos e suas Condições de Aplicação?

AutorLenio Streck e Flávio Quinaud Pedron
Ocupação do AutorDoutor (UFSC) e Pós-Doutor em Direito (UL-PT). Professor titular da Unisinos e Unesa. / Doutor e Mestre em Direito pela UFMG. Professor Ajunto do Curso de Direito do IBMEC. Professor Adjunto da PUC Minas. Advogado. Agradeço ao professor Rafael (Kendel) Loureiro Navarro pela interlocução e por me apresentar a estrutura do kishötenketsu.
Páginas83-100
O QUE AINDA PODEMOS APRENDER
COM A LITERATURA SOBRE OS
PRINCÍPIOS JURÍDICOS E SUAS
CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO?
Lenio Streck1
Flávio Quinaud Pedron2
1. Considerações iniciais
ere’s more to the picture
an meets the eye.
(Hey Hey My My, Neil Young,
1979, Álbum Rust Never Sleeps)
É mais que divulgado pela doutrina mundial (e até nacional, ainda que um
atraso cronológico assustador) de que a partir do paradigma jurídico contempo-
râneo (chamemos de Estado democrático de direito ou de Estado constitucional),
os princípios adquirem relevância e destaque para a práxis jurídica. Mais e mais
julgados, principalmente oriundos dos Tribunais Superiores e da segunda ins-
tância armam respeitar e aplicar princípios em uma situação concreta; e mais
e mais encontramos até mesmo doutrinadores dispostos a elaborar catálogos de
princípios (temos até no mercado de livros jurídicos como um curioso Dicionário
de Princípios3).
Contudo, não é nem de longe homogêneo o modo com o qual os juristas dis-
cutem sobre princípios, nem o que eles realmente estão fazendo quando alegam
aplicar um princípio em um caso concreto. É claro que uma polissemia de vozes
se levanta na doutrina (não apenas nacional, mas mundial) quando o assunto é
“princípios e sua aplicação.
1 Doutor (UFSC) e Pós-Doutor em Direito (UL-PT). Profes sor titular da Unisinos e Unesa .
2 Doutor e Mestre em Direito pela UF MG. Professor Ajunto do Curso de Di reito do IBMEC.
Professor Adjunto da PUC Minas. Advoga do. Agradeço ao professor Rafael (Kendel) Loureiro
Navarro pela interlocuç ão e por me apresentar a estrutur a do kishötenketsu.
3 TORRES, R icardo Lobo et al. [or g.]. Dicionário de Princípios. R io de Janeiro: Elsevier, 2010.
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LENIO STRECK | FLÁVIO QUINAUD PEDRON
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Esse cenário não poderia passar à revelia do Direito Processual Civil, prin-
cipalmente em tempos de um novo CPC. Nesse sentido, o texto do novo CPC
traz dispositivos acerca dos princípios jurídicos, principalmente os princípios
jurídico- processuais.
Primeiro, vemos que os artigos iniciais (1º a 12) trazem um catálogo de prin-
cípios e uma preocupação em identicar uma linha de convergência entre a nova
legislação processual e a Constituição.4 Ao fazer isso, permite a doutrina armar
uma recepção de um modelo constitucional já estabelecido em 1988 acerca dos
direitos processuais e do devido processo legal.
Ao disciplinar o dever de fundamentação dos magistrados, no art. 489, o
CPC/2015, no seu § 2º determina:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 2º No caso de colisão
entre normas, o juiz deve justicar o objeto e os critérios gerais da pondera-
ção efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma
afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
Quando o texto da nova legislação empregou a palavra “ponderação, uma
parcela da dogmática processual civil e constitucional passou a armar que havia
uma determinação de ordem legislativa para que houvesse o uso da técnica de
solução de colisão entre princípios desenvolvida por Robert Alexy,5 conhecida
como balanceamento.6
4 Contudo, essa não é a preocupaç ão do presente texto. Em outras oport unidades discuti mos tal
temática: THEODORO JR , Humberto; NUNES , Dierle; BAHIA, Alexand re; PEDRON, Flávio.
Novo CPC: Fundamentos e Sis tematização. 3. ed. Rio de Janei ro: Forense, 2016.
5 Veja a relevante crítica sobre o inst ituto da ponderação no CPC/15. Aqui reside um problema:
tudo indica que os jur istas que par ticiparam da C omissão de elabora ção do CPC quisera m
estabelecer a ponderaç ão de origem alexiana. Ocorre que o d ispositivo foi aprovado com um
grave defeito, ao falar em “coli são de normas”. Ora, se regras também s ão normas – e, efetiva-
mente, o são – isso quer diz er que o juiz poderá “ponderar” regr as? Mas, se assim proceder, es-
tará retir ando uma regra em detri mento de outra. Logo, estará inva lidando uma delas. S ó que,
então, estará viol ando a jurisdição constituciona l e criando Direito, o que lhe é vedado a toda
evidência. Port anto, o dispositivo que autoriza o jui z a ponderar normas (e regras são normas)
é inconstituciona l, porque fere o artigo 2º da Constit uição Federal, que estabelece a d ivisão de
Poderes na República. A lém do mais, o próprio Robert Alexy se refere à col isão de princípios
e não colisão de regra s, criação, aliás, tipica mente brasileira, como se pode ver em Ana Pau la
Barcelos. Cf. STR ECK, Lenio Luiz. Ponderação de norm as no novo CPC? É o caos. Presidente
Dilma, por favor, veta! Consultor Jurídico. 8 de ja neiro de 2015. Disponível em: http://ww w.
conjur.com.br/2015-jan-08/senso -incomum-ponderac ao-normas-c pc-caos-d ilma-favor-veta-
-presiente. Acesso em: 24 fev. de 2015.
6 ALEXY, Robert. Teoría de lo s derechos funda mentales. Trad. Erne sto Garzón Valdés. Madr i:
Centro de Estudios C onstitucionales, 1997.
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