O Narrador-Personagem e a Dedicatória em A Hora da Estrela: Deslocamentos Possíveis para a Decisão Jurídica
Autor | Luciana Pereira Queiroz Pimenta Ferreira |
Ocupação do Autor | Doutora em Direito Processual, pela PUC Minas. Mestre em Filosofia Social e Política pela UFMG. Coordenadora do Projeto Direito e Literatura, desenvolvido na PUC Minas, vinculado ao Grupo de Pesquisa registrado junto ao CNPq, Direito e Literatura: um olhar para as questões humanas e sociais a partir da Literatura. Professora das disciplinas de ... |
Páginas | 101-120 |
O NARRADORPERSONAGEM
E A DEDICATÓRIA EM
A HORA DA ESTRELA:
DESLOCAMENTOS POSSÍVEIS
PARA A DECISÃO JURÍDICA
Luciana Pereira Queiroz Pimenta Ferreira1
Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública.
Trata-se de um livro inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta esta que
espero que alguém no mundo me dê. Vós? (LISPECTOR, A hora da estrela,
dedicatória do Autor).
1. Uma pré-introdução, porque antes da
introdução havia a pré-introdução
É domingo. Toda vida precisa, algum dia, de um domingo. Um dia de morte,
para renascer. Será a Criação habitando em mim? É Clarice quem abre a janela
do quarto para que eu assista à travessia da noite ao dia – ela que também es-
crevia com as manhãs, ainda escuras? É esta A hora da estrela2? Ou apenas um
1 Doutora em Direito Processu al, pela PUC Minas. Me stre em Filosoa Soc ial e Política pela
UFMG. Coordenadora do Projeto Di reito e Literatura, desenvolv ido na PUC Minas, vincul ado
ao Grupo de Pesquisa reg istrado junto ao CNPq, Direito e Literatur a: um olhar para as ques-
tões humanas e soc iais a partir da L iteratura. Professora das d isciplinas de Filosoa do Di reito
e Hermenêutica e Argu mentação Jurídica no curso de Dire ito da PUC Minas, desde fevereiro
de 20 01.
2 Os termos em itálic o, nesta pré-introdução, afora as e xpressões em outro idioma, e xplicadas em
nota própria, constitue m os 13 títulos da obra A hora da estrela (L ISPECTOR, 1998). Registra-
-se, aqui, a possibil idade de se fazer uma interpretaç ão desse número de títulos, 13, assoc iada
aos 13 tiros (as 13 balas) desferidos contra Mineir inho, personagem da crônica de me smo nome
que Clarice menciona em entre vista concedida a Júlio Lerner, na TV Cu ltura, pouco antes de
morrer, como sendo um dos escritos que ma is a marcou, em sua vida literária . (LISPECTOR,
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LUCIANA PEREIRA QUEIROZ PIMENTA FERREIRA
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Registro dos fatos antecedentes?, “eis que antes da pré-história havia a pré-história
da pré-história e havia o nunca e havia o sim”3. Dedico-me a escrever ao som dos
clássicos, que evidenciam o contraste entre os sons de dentro e de fora, o alto e
o baixo do que pode ser dito, subjetividades e objetividades, palavras e silêncio.
Ressuscito-os para que me transgurem. Penso na Dedicatória do Autor. Vivaldi4
não está lá. Mas como fugir d’As Quatro estações, se sinto que é primavera?... esse
tempo de renascimento... A culpa é minha ou tem mesmo um Assovio no vento
escuro? Esse Allegro5 de abertura é um sim. “Tudo no mundo começou com um
sim. [...] Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escre-
vo o que estou escrevendo”6. Clarice ou eu? Eu, a partir de Clarice, ou Clarice a
partir de mim? “Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei
a escrever”7. O que pergunto? Sou eu quem pergunto? De onde vêm as pergun-
tas? Adentra o Largo e pianíssimo sempre8. Uma sensação de perda. Cenário para
Macabéa. O céu, agora, está blue. O piano soa como Lamento de um blue. I’m so
blue today9! Seriam as perguntas chegando pela boca de Macabéa, ela que não
dispõe de palavras para expressar o que sente e deseja? Ela não sabe gritar. Não
sabe ou não tem O direito ao grito? Danza pastorale allegro10. Recebo Rodrigo S.M.
e sua pastoral sobre a vida de Macabéa. Eu não posso fazer nada, “experimentarei
contra os meus hábitos uma história com começo, meio e gran nale seguido de
silêncio e de chuva caindo”11. Uma História lacrimogênica de cordel. Macabéa é
vida para Folheto. Ela que se arranje. O que se busca, anal, ao escrever, seria uma
Saída discreta pela porta dos fundos, no drama da existência, o drama da vida, o
drama da justiça? Quanto ao futuro..., decido ouvir Schumann. Preciso introduzir.
2015). Essa interpretação se conect a ao fato de o título A hora da estrela s er a hora da morte da
personagem Macabéa . “Pois na hora da morte a pessoa se torna bril hante estrela de cinema, é
o instante de glór ia de cada um e é quando como no canto coral s e ouvem agudos sibilantes”.
O outro escrito mencionado por Cl arice, na mesma entre vista, como sendo o outro t exto de
sua predileção, é o conto “O ovo e a ga linha”, no qual se lê “O ovo não existe mais. C omo a luz
da estrela já mor ta, o ovo propriamente dito não existe mai s” (g.n., LISPECTOR, 1977, p. 81).
3 LISPECTOR, 1998, p. 11.
4 Compositor e músico italia no do barroco tardio, Antônio Lúc io Vivaldi (1678 a 1741), autor da
composição musical mencionad a em seguida, a saber, As quatro es tações.
5 Primeira pa rte da composição As quatro estaç ões, de Vivaldi.
6 LISPECTOR, 1998, p. 11.
7 LISPECTOR, 1998, p. 11.
8 Segunda pa rte da composição As quatro estaç ões, de Vivaldi.
9 Esta expressão, no id ioma inglês, é utiliza da por nós para explicar o sign icado do termo blue
no título Lamento d e um blue, no qual entendemos estar prese nte a noção de tristeza.
10 Terceira parte da composição A s quatro estações, de Vivald i.
11 LISPECTOR, 1998, p. 13.
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