A Experiência Totalitária na Filosofia e na Literatura: Um Paralelo entre As Origens do Totalitarismo, de Arendt, e A Revolução dos Bichos, de Orwell

AutorGabriel Henrique Silva Tomé e Vitor Amaral Medrado
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela PUC Minas. / Professor da PUC Minas. Mestre e Doutorando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Visiting Research Fellow (University of Baltimore School of Law ? 2015/2016).
Páginas39-60
A EXPERIÊNCIA TOTALITÁRIA NA
FILOSOFIA E NA LITERATURA:
UM PARALELO ENTRE AS ORIGENS
DO TOTALITARISMO, DE ARENDT,
E A REVOLUÇÃO DOS BICHOS,
DE ORWELL
Gabriel Henrique Silva Tomé1
Vitor Amaral Medrado2
1. Introdução
O Estado totalitário é um fenômeno que não se confunde com o despotismo.
Ele destrói o fundamento da teoria política e rompe com as fronteiras do legal e
do ilegal, do legítimo e do ilegítimo3. No regime totalitário, o julgamento, a legi-
timidade e a legalidade são compreendidos a partir da lógica inerente ao próprio
regime4.
O governo totalitário, nesse sentido, desaa as leis positivas pretendendo ser
uma forma superior de legitimidade que, inspirada nas suas próprias fontes, pode
dispensar as legalidades menores5. Criando um inimigo comum a partir da propa-
ganda e do terror, o Estado garante a coesão do povo, mantendo o controle a par-
tir da insegurança jurídica e da opressão violenta. Nesse sentido, o totalitarismo
1 Bacharel em Direito pela PUC Mi nas.
2 Professor da PUC Minas. Mes tre e Doutorando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Vi siting
Research Fellow (Universit y of Baltimore School of Law – 2015/2016).
3 ARENDT, 1979, p. 514.
4 ARENDT, 1979, p. 514.
5 ARENDT, 1979, p. 514.
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GABRIEL HENRIQUE SILVA TOMÉ | VITOR AMARAL MEDRADO
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cria a polícia secreta para denunciar todos os que se opusessem aos interesses
do Estado. É por meio de práticas como essa que o governo totalitário garantiu a
ecácia do movimento6.
A existência de um único partido político representando todas as instâncias
do poder, uma ideologia denindo o regime, a mobilização das massas, a pene-
tração na vida privada do cidadão, a personicação do líder e o uso do terror. São
esses os elementos que compõem o fenômeno totalitário. Esse conjunto de carac-
terísticas torna o totalitarismo, enquanto conceito político, mais inteligível, além
de permitir aplicá-lo com maior objetividade, já que categorias especícas podem
ser consideradas, como partido único de massas ou polícia secreta. E é com base
nessas categorias que se pode falar em dois totalitarismos: o comunismo stalinista
e o nazismo, fenômenos inéditos na história da humanidade. Os elementos apre-
sentados estiveram presentes em outros momentos históricos, mas a combinação
e a dinâmica entre esses elementos durante o comunismo soviético e o nazismo
foram únicas7.
Essa é a maneira como, em geral, Hannah Arendt explicou o surgimento e o
desenvolvimento do movimento totalitário. Arendt se valeu de conceitos comple-
xos como os de massa, polícia secreta, legalidade e ilegalidade, propaganda tota-
litária dentre outros. Cabe, entretanto, perguntar se não há uma outra maneira,
talvez mais intuitiva de descrever esse fenômeno. Acreditamos que a literatura
possa nos ajudar. Na obra A Revolução dos Bichos, George Orwell revela o cenário
da sociedade europeia no contexto da Revolução Soviética. Em forma de sátira, a
obra acaba abarcando os regimes totalitários de forma universal. Em clara crítica
ao regime instituído na União Soviética de Stalin, o romance de Orwell permite
uma reexão sobre o poder e seus efeitos naqueles que carregam bandeiras ideo-
lógicas, como acontece com os animais da “Granja dos Bichos”.
Queremos mostrar que é possível traçar um paralelo entre a Revolução dos
Bichos e a maneira como Arendt descreve o regime totalitário. Para tanto, parti-
mos de uma exposição do totalitarismo em Arendt para, a partir de uma resenha
do livro de Orwell, identicar ao nal do texto as passagens, ideias e personagens
do texto literário que nos ajudam a compreender o totalitarismo de uma maneira
mais intuitiva. Comecemos do início.
6 ARENDT, 1979, p. 430.
7 ARENDT, 1979, p. 469.
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