As Heresias do Processo Penal: O Direito entre O Queijo e os Vermes

AutorMateus de Moura Ferreira e Mayra Lazzarini Silveira Ribeiro
Ocupação do AutorDoutorando e Mestre em Teoria do Direito (PUC Minas). Professor da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL) e do Instituto Presidente Tancredo Neves (IPTAN). / Especialista em Ciências Penais (IEC-PUC Minas). Graduada em Direito pela PUC Minas. Advogada.
Páginas121-142
AS HERESIAS DO PROCESSO PENAL:
O DIREITO ENTRE O QUEIJO
E OS VERMES
Mateus de Moura Ferreira1
Mayra Lazzarini Silveira Ribeiro2
1. Introdução
O presente trabalho visa estudar e compreender como a Inquisição promovi-
da pela Igreja Católica Romana (Santo Ofício) agia em seus procedimentos inqui-
sitoriais e de que forma seus elementos constituem, na atualidade, uma tradição
inquisitorial presente no processo penal brasileiro, precipuamente na atuação dos
agentes públicos, membros do Ministério Público e magistratura.
Para tanto, realiza-se a análise literária da obra de Carlo Ginzburg, O Queijo
e os Vermes, a m de demonstrar como a literatura pode nos auxiliar a superar as
obviedades da dogmática jurídica, o mero tecnicismo, além de trazer uma pro-
funda interpretação, crítica e dinâmica, para o estudo dos problemas processuais
penais.
Posteriormente, analisa-se a atuação dos agentes públicos, em especial dos
juízes no processo penal. Eleva-se aqui, um ponto de relevância no presente tra-
balho: a ocialização do discurso pelos agentes públicos e a suposta legitimação
de suas condutas pela apropriação de uma mentalidade inquisitória, pautada pela
ideia de hierarquia e poder, fortalecendo assim as características de um procedi-
mento inquisitório.
1 Doutorando e Mestre em Teoria do Direito (PUC Mina s). Professor da Faculdade de Direito de
Conselheiro La faiete (FDCL) e do Instituto Presidente Tancredo Neves (IP TAN).
2 Especiali sta em Ciências Penais (I EC-PUC Minas). Graduada em Direito pela PUC Mi nas.
Advogada.
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MATEUS DE MOURA FERREIRA | MAYRA LAZZARINI SILVEIRA RIBEIRO
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Por m, demostra-se a importância de reconhecermos a mentalidade inquisi-
tória como uma tradição, e essa como linguagem que para ser superada, deve ser
constantemente levada à discussão. Compreendermos, o modelo constitucional
de processo e a necessidade de sua consolidação para efetivação de um Estado
Democrático de Direito.
2. O Nascimento da Inquisição do Santo Ofício e seus
Legados nos Procedimentos Inquisitórios Atuais
Muito se estuda e várias são as teses que cronologicamente tentam estabe-
lecer o surgimento da Inquisição3. A humanidade já vivenciou vários momen-
tos históricos pautados por perseguições e dominação. Em muitos deles, a reli-
gião possuiu papel fundamental no seio social, moral e político, talvez esse seja
o ponto que desencadeie tamanha obsessão por uma homogeneidade religiosa.
Didaticamente podemos conceber dois marcos principais na consolidação da
Inquisição: a Medieval, nos séculos XIII e XIV, e a Inquisição Moderna, centrali-
zada na Espanha e em Portugal, que durou do século XV ao século XIX.
Historicamente, os primeiros sistemas processuais surgiram vinculados à
questão política e o procedimento inquisitório sempre surgiu nos regimes políti-
cos autoritários. Estabeleceu-se o controle pleno da justiça criminal, propagando
a ideologia do combate à criminalidade. Esses regimes comumente ofereciam à
população uma segurança ilusória, sob o signo da tutela dos direitos sociais.4
Leonardo Marinho Marques assevera ainda a menção feita por muitos auto-
res, do procedimento inquisitório vinculado sempre com a Inquisição Medieval,
vez que analisa a época como sendo “o momento em que o método inquisitório
atingiu o nível de excelência5. Foi na Idade Média, com a assunção do cristia-
nismo, que o procedimento inquisitório se desenvolveu, ganhou forças e estabe-
leceu seu marco. Certo é que a Igreja Católica durante a Idade Média, na sede
de tornar-se a religião ocial (o que necessariamente implicaria em mais poder,
dominação, riqueza e expansão), cria, amparada pela detenção de um discurso
ocial, as chamadas “doutrinas heréticas”, das quais a todo custo deveria se defen-
der. Inicia-se então, uma das mais, senão a mais perversa ideologia de dominação
que o mundo já vivenciou.
3 Restringi mos aqui, o objeto da pesquisa acerc a da inquisição da Igreja Católica Roma na.
4 MARQUES, Leon ardo Augusto Marinho. “A hiper-racionalidade i nquisitória”. In: BONATO,
Gilson (org.). Processo Penal, Con stituição e Crítica – E studos em Homenagem ao Dr. Jacinto
Nelson de Miranda, 2011, p. 475-486.
5 Idem.
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