Análise econômica da colaboração premiada

AutorCibele Benevides Guedes Da Fonseca
Páginas213-261
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ANÁLISE ECONÔMICA DA
COLABORAÇÃO PREMIADA
É momento de analisar se vale a pena, para a sociedade, que o
Ministério Público rme com o acusado um acordo de colaboração
premiada, sopesando-se os custos e benefícios de aceitar a palavra de
um criminoso – e suas provas corroborativas – para punir os demais e
desmantelar a organização criminosa.
É hora de ver, ainda, se compensa, para o membro de organização,
descumprir o pacto de silêncio, com todos os riscos dele decorrentes, e
aceitar colaborar com o law enforcement para desbaratar a organização.
No caso do presente trabalho, a análise será focada nos casos de
colaboração premiada realizada em investigações de organizações
criminosas que praticam crimes de corrupção, vericando-se se, nesses
casos especícos, compensa para o acusado colaborador confessar e
desfazer-se do patrimônio ilicitamente adquirido em troca de benefícios
processuais e penais.
6.1 CORRUPÇÃO E RECUPERAÇÃO DO PRODUTO DO CRIME
A Lei n. 12.850/2013 previu, em seu artigo 4º, que a colaboração
premiada será possível desde que dela advenham no mínimo um
dentre os seguintes resultados: a) identicação dos demais coautores
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Cibele Benevides Guedes da Fonseca
e partícipes e dos crimes por ele praticados; b) o esclarecimento da
hierarquia da organização; c) a prevenção de crimes decorrentes das
atividades da organização criminosa; d) a localização de eventual vítima
viva; e e) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito dos
crimes praticados pela organização delituosa.
A lei elenca hipóteses alternativas, de modo que é possível que
a recuperação do produto do crime não ocorra em um acordo de
colaboração premiada. Assim, na hipótese de crime de sequestro,
por exemplo, pode-se pensar em conceder benefícios decorrentes da
colaboração feita por um dos comparsas que aponta o local do cativeiro,
mas que não sabe indicar onde está o dinheiro que foi entregue a outro
coautor. Nesse caso, os bens jurídicos “vida” e “liberdade” se sobrepõem
ao bem jurídico “patrimônio.
Contudo, em crimes de corrupção, peculato, crimes praticados
por Prefeitos (previstos no Decreto-Lei 201/1967) e crimes contra a
Administração Pública em geral, em que há, sempre, dano ao erário, não
é recomendável, pela natureza do bem jurídico protegido, a realização
de acordo de colaboração premiada sem que haja o retorno, aos cofres
públicos, dos recursos desviados.
O próprio Código Penal prevê, em seu artigo 91, a título de efeitos
da condenação, tanto a obrigação de indenizar o dano causado pelo
crime, como a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado
ou de terceiro de boa-fé, do produto do crime ou de qualquer bem
ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do
fato criminoso. Assim, o consco ou perdimento de bens que sejam
produto ou proveito de atividades criminosas é um efeito automático
da condenação criminal. Não poderia ser diferente, sob pena de
consagração do enriquecimento ilícito.
A preocupação com a reparação do dano veio prevista, ainda, na
reforma do Código de Processo Penal, quando foi inserido o inciso
IV ao artigo 387, permitindo ao juiz, quando da prolação da sentença
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ANÁLISE ECONÔMICA DA COLABORAÇÃO PREMIADA
condenatória, xar valor mínimo para reparação dos danos causados
pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido,
tornando minimamente líquida a sentença penal condenatória.
Assim, a condenação através de um processo penal clássico por
crime de corrupção acarreta, para o réu, invariavelmente, a obrigação
de reparar o dano causado ao erário, não podendo, portanto, o
Ministério Público, em um acordo de colaboração premiada, abrir mão
da recuperação dos valores desviados em troca de informações. Assim
tem sido feito no Brasil, tanto no caso do Banestado como no caso da
Operação Lava Jato: todos os acordos estipulam a devolução, por parte
do réu colaborador, do produto do crime, inclusive o que foi objeto
de crime de lavagem de dinheiro (patrimônio ilícito do colaborador),
tudo isso além da multa aplicada (decorrente, esta, do patrimônio lícito
do colaborador).
Essa busca pela reparação do dano se coaduna com a vertente do
Direito denominada “Justiça Restaurativa”, preconizada por Howard
Zehr, em contraposição à Justiça Criminal meramente retributiva. A
chamada Justiça Restaurativa parte da premissa de que:
O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação
de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na
busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.479
A reparação do dano é a tendência absoluta quando se fala de
colaboração premiada, principalmente quando se trata de crimes
de corrupção e similares praticados por organizações criminosas. A
evolução das leis no Brasil se deu nesse sentido, uma vez que as primeiras
normas que previram a redução de pena para o réu colaborador se
satisfaziam apenas com o auxílio para esclarecimento do crime e
identicação dos coautores.
479 ZEHR, Howard. Trocand o as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. S ão Paulo:
Palas Athena, 2 008. p. 171.
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