Direitos e garantias do réu colaborador

AutorCibele Benevides Guedes Da Fonseca
Páginas121-184
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DIREITOS E GARANTIAS DO
RÉU COLABORADOR
4.1 VOLENTI NON FIT INJURIA, WAIVERS E
RENÚNCIA A DIREITO FUNDAMENTAL
Ao aceitar rmar o acordo de colaboração premiada, o acusado
mantém direitos e garantias constitucionais, porém, por se tratar
de Justiça consensuada, é certo que o réu colaborador renuncia a
determinados direitos visando a obtenção de outros. Assim, o presente
capítulo cuida da análise de quais direitos e garantias são irrenunciáveis,
bem como quais podem ser objeto de renúncia por parte do réu: os
chamados waivers no direito norte-americano.309
De acordo com o brocardo latino Volenti non t injuria (“a vontade
não causa dano”), aquele que consente não causa mal a si mesmo.310 Desse
309 Os waivers signicam, no d ireito americano, renú ncia ao exercício de um di reito, como
por exemplo o waiver of Jury Trial (Renúncia ao julga mento pelo Júri). Ver, a propósito:
ARAS, V ladimir. Renúncia ao Julgamento pelo Júri no Proces so Penal brasileiro. ht tp ://
ww w.prr j.mp f.mp. br/cu stos leg is/re vi sta _2010 /2010/a prov ados /2010_ Di r_Pe nl_V lad imi r.
pdf Acesso em 05/09/2016.
310 ADAMY, Pedro Augusti n. Renúncia a Direito Fundamenta l. São Paulo: Mal heiros
Editores, 2011. p. 108.
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Cibele Benevides Guedes da Fonseca
modo, o réu colaborador, ao expressar a vontade de realizar acordo de
colaboração premiada, renunciando a determinados direitos em troca
de benefícios proporcionais, sempre assessorado por advogado, sendo
pessoa capaz e não estando sob coação física ou moral, apenas exercita
o seu direito à liberdade de realizar a melhor escolha para a sua situação
processual e penal.
Segundo Andrey Borges de Mendonça, “A autonomia da vontade
deui do princípio da liberdade, assegurado no texto constitucional.311
O direito à liberdade propicia que o titular do direito opte por exercê-lo
ou não, a depender das circunstâncias. A esse respeito, leciona Daniel
Diniz Barreto de Paiva:
Muitas garantias constitucionais apresentam dúplice perspectiva, permi-
tindo ao seu titular a liberalidade de exercitá-las de forma positiva (comis-
são) ou negativa (abstenção). A liberdade de pensamento (art. 5º, inciso IV,
da CF/88), por exemplo, pode ser empreendida tanto na expressão de um
conteúdo ideológico quanto na prerrogativa de manter-se inerte em sua
divulgação ou mesmo de não ter qualquer opinião sobre o contexto que
se lhe apresenta. Da mesma forma, a liberdade prossional (art. 5º, inciso
XIII, CF/88) é validamente exercida tanto com a escolha e desempenho de
um ofício, quanto coma a opção de não exercer ofício algum.312
Rodrigo da Silva Brandalise, ao tratar das causas de legitimação
justiça penal negociada, elenca, ao lado da busca pela celeridade
e razoável duração do processo, a a autonomia do indivíduo e a
possibilidade de não exercício de direitos processuais como fundamento
para o consenso no processo penal.313 Ensina o autor que “A disposição
311 MENDONÇA, A ndrey Borges de. Os benef ícios possíveis na colaboraç ão premiada:
entre a legalidade e a autonomia d a vontade. BOTTINI, Pierpaolo Cru z; MOURA, Maria
ereza de Assis. Colaboração Premiada. 1ª ed. 2ª t iragem. São Paulo: Editora Re vista dos
Tribunais, 2017. p. 64.
312 PAIVA, Daniel Diniz Bar reto de. Limites Negociais do Sistema Crim inal brasileiro; um
estudo a partir d a colaboração premiada . 2018, TCC (Graduação) – Curso de Direito,
Universidade Federal do R io Grande do Norte, Natal, 2018. p. 91.
313 BRANDALISE , Rodrigo da Sil va. Justiça Penal Negociad a: Negociação de Sentença
Criminal e Pr incípios Processuais Releva ntes. Curitiba: Juruá, 2016. p. 30/56.
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dos direitos fundamentais protegidos ganha legitimação a partir do
respeito à autonomia da vontade do acusado, que busca participar do
objetivo ressocializador que a negociação possibilita.314
De fato, a renúncia a certos direitos fundamentais é, na lição de
Pedro Augustin Adamy, nada mais que o exercício do próprio direito
renunciado, em conjunto com o direito de liberdade, quando diz que:
Ao renunciar a um direito fundamental, estará o titular exercendo o direito
fundamental de duas formas variadas: a primeira como uma das possíveis
formas de exercício daquele direito em conjunto com o seu direito de
liberdade e a segunda como meio autônomo de restrição ou limitação do
direito renunciado.315
Assim, é plenamente lícita a renúncia ao direito ao silêncio ou
ao direito de recorrer, por exemplo, quando se rma um acordo de
colaboração premiada, eis que o réu colaborador “está levando em
consideração a sua situação, suas necessidades, eventuais benefícios
com aquela atitude e, dessa forma, exercendo esse mesmo direito
fundamental, conjuntamente com a sua liberdade individual”.316
A garantia individual da liberdade é prestigiada quando se
permite que o titular do direito o renuncie, temporariamente, para
obter um benefício que considera maior. Novamente ensina Pedro
Augustin Adamy:
A renúncia aos direitos fundamentais, independentemente de quais sejam,
deve ser centrada na proteção das decisões individuais no que tange às
escolhas feitas individualmente como – assim acredita-se – melhor
forma de desenvolvimento da personalidade e não como forma de impor
determinada posição.317
314 BRANDALISE , Rodrigo da Silva. Op. cit., p. 45.
315 ADAMY, Pedro Augusti n. Op. cit., p. 49.
316 ADAMY, Pedro Augusti n. Op. cit., p. 49/50.
317 ADAMY, Pedro Augusti n. Op. cit., p. 50/51.
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