Aspectos procedimentais

AutorCibele Benevides Guedes Da Fonseca
Páginas85-120
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ASPECTOS PROCEDIMENTAIS
3.1 PROCEDIMENTO: TRATATIVAS PRÉVIAS, TERMO DE
CONFIDENCIALIDADE E INÍCIO DAS NEGOCIAÇÕES
Como qualquer acordo, a colaboração premiada se inicia com a
negociação entre as partes. Nos Estados Unidos a recomendação aos
promotores e procuradores é que a iniciativa parta sempre da defesa, e
nunca se trata do assunto sem o intermédio de advogado244. No Brasil,
o artigo 4º, § 15 da Lei nº 12.850/2013, antes mesmo da Lei Anticrime,
já determinava a absoluta impossibilidade de realização de acordo de
colaboração premiada sem a presença efetiva de advogado: “Em todos
os atos de negociação, conrmação e execução da colaboração, o
colaborador deve estar assistido por advogado.
A Lei Anticrime estabeleceu que a atuação do advogado tem que
estar respaldada por procuração com poderes especícos ou rmada
pessoalmente pela parte, a m de que qualquer acordo de colaboração
somente possa advir da genuína vontade do investigado, e não apenas
de seu advogado:
Art. 3º-C. A proposta de colaboração premiada deve estar instruída
com procuração do interessado com poderes especícos para iniciar o
procedimento de colaboração e suas tratativas, ou rmada pessoalmente
pela parte que pretende a colaboração e seu advogado ou defensor público.
244 Ver, a propósito, TROTT, Stephen. Op. cit., p. 77.
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§ 1º Nenhuma tratativa sobre colaboração premiada deve ser realizada sem
a presença de advogado constituído ou defensor público.
§ 2º Em caso de eventual conito de interesses, ou de colaborador
hipossuciente, o celebrante deverá solicitar a presença de outro advogado
ou a participação de defensor público.
O § 5º do artigo 3º-B reforça que os termos de recebimento de
proposta de colaboração e de condencialidade serão elaborados pelo
celebrante e assinados por ele, pelo colaborador e pelo advogado ou
defensor público com poderes especícos.
A efetiva presença de advogado cuida-se, desse modo, de direito
irrenunciável por parte do investigado que pretende colaborar. A nova
lei conrma, ainda, que o membro do Ministério Público sequer pode
iniciar as negociações, ainda que informalmente, sem a presença de
advogado. A iniciativa, aliás, de acordo com os termos da Lei Anticrime,
deve partir sempre da defesa.
A tradição do direito brasileiro não é de justiça penal negociada,
de modo que a maioria dos advogados brasileiros tende a defender
seu cliente pela via dos métodos tradicionais, como o uso de Habeas
Corpus para trancar ações penais e inquéritos policiais, suscitando, via
de regra, as teses de negativa dos fatos e de autoria. São poucos ainda
os escritórios de advocacia especializados em acordos de colaboração
premiada no Brasil.
Os advogados que anteveem na colaboração uma boa estratégia
para o seu cliente – sempre com o consentimento deste – podem, em
qualquer momento processual, ainda que após o trânsito em julgado,
procurar, até informalmente, o representante do Ministério Público
para indicar a intenção, por parte do investigado, de revelação de fatos,
sondando se a acusação teria interesse na realização de acordo.
A Lei n. 13.964/2019 inovou ao tratar do procedimento do acordo,
consolidando algumas práticas já existentes. Como ensina Marcelo
Ribeiro de Oliveira,
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uma inovação relevante trazida deu-se no sentido de procedimen-
talizar as tratativas do acordo, em formato bastante similar ao que
constava da já mencionada Orientação Conjunta nº 01/2018, o que
acarreta um aspecto interessante de uniformizar o procedimento a
ser observado pelo Ministério Público no país inteiro e não apenas
o Ministério Público Federal.245
A nova Lei Anticrime estabeleceu que esse contato deve vir por
escrito, através de uma proposta de formalização do acordo feita por
advogado e cliente, da seguinte forma:
Art. 3º-B. O recebimento da proposta para formalização de acordo de
colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco
de condencialidade, congurando violação de sigilo e quebra da conança
e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as
formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial.
Feita a proposta de formalização do acordo, a Lei Anticrime previu
que, se o membro do Ministério Público não demonstrar interesse em
rmar o acordo, deve fundamentar as razões de seu indeferimento:
Art. 3 º-B. (...)
§ 1º A proposta de acordo de colaboração premiada poderá ser
sumariamente indeferida, com a devida justicativa, cienticando-se o
interessado.
Como não se pode falar em direito subjetivo à realização de
acordo246, pode ser que o membro do Ministério Público não demonstre
interesse em realizar a avença com o investigado/réu. Assim, se o
membro do Ministério Público não tiver o interesse no acordo, pois pode
considerar, num juízo de conveniência e oportunidade, que a prova já
está satisfatória para a punição dos responsáveis, deverá fundamentar
a negativa.
245 OLIVEIRA, M arcelo Ribeiro de. Sobre gravações d as tratativas e dos atos de colaboraç ão
premiada. Pacote “Anticrime” – Lei 13.9 64/2019, na visão de Procu radores da
República. Coordenador: João Pau lo Lordelo G. Tavares – Salvador : Editora Juspodiv m,
2020. Pág. 112.
246 Ver capítulo deste trabal ho sobre direitos do réu colaborador.
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