As peculiaridades processuais e jurisdicionais dos juizados especiais federais

AutorJoão Batista Lazzari
Páginas104-120

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João Batista Lazzari 1

Introdução

Com o presente artigo, pretende-se faze uma breve análise das peculiaridades processuais e jurisdicionais dos Juizados Especiais Federais (JEFs) em face dos desafios a serem superados, destacadamente em relação ao respeito ao direito fundamental de produção de provas e, ainda, quanto ao alto índice de recorribilidade das decisões. Esse último, em face da instabilidade jurisprudencial, da falta de observância dos precedentes, da quantidade de recursos cabíveis e da inexistência de oneração que desestimule a busca por instâncias superiores.

Para consecução dos objetivos, é analisada a forma de instrução processual nos JEFs e a aplicação das regras do novo CPC a esse rito, para, em seguida, enfrentar a importante temática das alternativas da justiça conciliativa e o processo de revisão das decisões dos JEFs, diante das várias hipóteses recursais e de eventual superação da coisa julgada em prol de um processo justo.

A instrução processual nos juizados especiais federais e o novo cpc

Os Juizados Especiais Federais buscam atender à necessidade de constante reestruturação e modernização dos meios de acesso à Justiça, acompanhando as transformações da sociedade e o desejo majoritário de uma prestação jurisdicional simplificada, sem as amarras e entraves do modelo convencional.

Pode-se afirmar que os JEFs possuem uma dinâ-mica diferenciada e um procedimento inovador que deve ser compreendido e praticado pelos operadores jurídicos, evitando-se a denominada “ordinarização” do processo.

Segundo Omar Chamon, os Juizados se definem como um sistema absolutamente novo com princípios específicos e que exigem um olhar totalmente diferenciado2.

Das inovações trazidas pela Lei n. 10.259/2001 merecem destaques: a igualdade de prazos para a prática de qualquer ato processual, entre o particular e o ente público demandado; a abolição do reexame necessário; o pagamento imediato (60 dias) das condenações até 60 salários mínimos (sem precatórios); a desnecessidade de que as partes estejam representadas por advogado para a propositura da ação; e a autorização legal aos representantes judiciais dos entes públicos para conciliar, transigir ou desistir.

Para elucidar o tratamento processual das ações que tramitam nos JEFs, recomendamos a leitura dos enunciados do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF, organizado pela Associação dos Juízes Federais – AJUFE, cuja íntegra estão no portal: .

Quanto ao sistema recursal, sugerimos consultar a Resolução CJF n. 345/2015, que trata do Regimento Interno da TNU e a Resolução CJF n. 347/2015, que dispõe sobre a compatibilização dos regimentos internos

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das Turmas Recursais e das Turmas Regionais de Uniformização, além das Súmulas e Questões de Ordem da TNU, disponíveis no portal: .

2.1. Competência absoluta dos JEFs e renúncia

Compete ao Juizado Especial Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 salários mínimos, bem como executar suas sentenças3.

A complexidade da causa não exclui a competência dos JEFs, já que o critério escolhido pelo legislador foi o do valor da causa, o qual tem natureza absoluta.

Essa é a posição adotada pelo STJ (STJ, 3ª Seção, CC n. 86.398/RJ, DJ 22.02.2008).

Sobre os parâmetros para a definição do valor da causa e de renúncia, enaltecemos a decisão proferida pelo TRF da 4ª Região no julgamento do IRDR – Tema n. 2. Vejamos a tese fixada:

  1. No âmbito dos Juizados Especiais Federais há duas possibilidades de renúncia:

(i) uma inicial, considerando a repercussão econômica da demanda que se inaugura, para efeito de definição da competência;

(ii) outra, na fase de cumprimento da decisão condenatória, para que o credor, se assim desejar, receba seu crédito mediante requisição de pequeno valor.

b) Havendo discussão sobre relação de trato sucessivo no âmbito dos Juizados Especiais Federais, devem ser observadas as seguintes diretrizes para a apuração de valor da causa, e, logo, para a definição da competência, inclusive mediante renúncia:

(i) quando a causa versar apenas sobre prestações vincendas e a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, considera-se para a apuração de seu valor o montante representado por uma anuidade;

(ii) quando a causa versar sobre prestações vencidas e vincendas, e a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, considera-se para a apuração do seu valor o montante representado pela soma das parcelas vencidas com uma anuidade das parcelas vincendas;

(iii) obtido o valor da causa nos termos antes especificados, a renúncia para efeito de opção pelo rito previsto na Lei n. 10.259/2001 incide sobre o montante total apurado, consideradas, assim, parcelas vencidas e vincendas.

c) Quando da liquidação da condenação, havendo prestações vencidas e vincendas, e tendo o autor renunciado ao excedente a sessenta salários mínimos para litigar nos Juizados Especiais Federais, o montante representado pelo que foi objeto do ato inicial de renúncia (desde o termo inicial das parcelas vencidas até o termo final da anuidade então vincenda) deverá ser apurado considerando-se sessenta salários mínimos vigentes à data do ajuizamento, admitida a partir deste marco, no que toca a este montante, apenas a incidência de juros e atualização monetária. A acumulação de novas parcelas a este montante inicialmente definido somente se dará em relação às prestações que se vencerem a partir de um ano a contar da data do ajuizamento, incidindo juros e atualização monetária a partir dos respectivos vencimentos. A sistemática a ser observada para o pagamento (§ 3º do art. 17 da Lei n. 10.259), de todo modo, considerará o valor total do crédito (soma do montante apurado com base na renúncia inicial com o montante apurado com base nas parcelas acumuladas a partir de doze meses contados do ajuizamento). – grifamos –

2.2. Impactos do Novo Código de Processo Civil nos JEFs

Questiona-se se cabe nos JEFs a aplicação subsidiária do CPC. Pode-se dizer que sim, mas deve-se agir com a devida ponderação e aplicar o CPC somente quando as leis que regem os Juizados Especiais não contenham disposição específica, observando-se, ainda, os seus princípios norteadores4. Por exemplo: requisitos da petição inicial, contagem de prazos, regras do contraditório, prioridades, limites do recurso, interesse recursal, julgamento por decisão monocrática. A respeito do tema, os Enunciados que seguem:

– FONAJEF n. 151: “O CPC/2015 só é aplicável nos Juizados Especiais naquilo que não contrariar os seus princípios norteadores e a sua legislação específica.”

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– JORNADA CJF/CEJ CPC/2017 ENUNCIADO n. 2: “As disposições do CPC aplicam-se supletiva e subsidiariamente às Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, desde que não sejam incompatíveis com as regras e princípios dessas Leis.”

O CPC/2015 foi idealizado para harmonizar o sistema processual civil com as garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito, buscando o equilíbrio entre conservação e inovação, evitando uma drástica ruptura com as normas em vigor. Destacamos dentre as inovações trazidas pelo CPC/2015:

– o incentivo à realização de conciliação e mediação judiciais (art. 3º, § 3º);

– a prolação de sentenças ou acórdãos pelos juízes e tribunais atendendo, preferencialmente, a ordem cronológica de conclusão, excetuando-se a esta regra “causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada” (art. 12, § 2º, IX);

– a criação do negócio jurídico processual, ou seja, as partes, de comum acordo, poderão alterar o procedimento para a tramitação do processo (art. 190);

– a contagem dos prazos processuais em dias úteis (art. 219);

– o “ônus dinâmico da prova”, que faculta ao juiz a redistribuição do ônus probatório (art. 373, § 1º);

– a obrigação de os magistrados de primeiro grau apreciarem os tópicos e argumentos propostos pelas partes, um a um, sob pena de nulidade da decisão (art. 489, § 1º, IV);

– a obrigatoriedade de observância ao sistema de precedentes para fins de estabilização da jurisprudência (art. 926 e parágrafos);

– a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões judiciais (art. 927, § 3º);

– a implementação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976);

– a simplificação do sistema recursal, com a uniformização dos prazos (art. 1.070);

– o fim dos embargos infringentes e do agravo retido.

Das inovações do CPC/2015, enumeramos algumas para analisar sua aplicabilidade aos Juizados Especiais, indicando enunciados aprovados pelo Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF, pelo Semi-nário “O Poder Judiciário e o novo Código de Processo Civil”, organizado pela Escola Nacional de Formação e

Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM e pela I Jornada de Direito Processual Civil CJF/CEJ – 2017.

  1. Petição inicial, novos requisitos

O CPC/2015, na Parte Geral, estabelece entre seus princípios e regras fundamentais que “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (art. 3º, § 3º).

Por essa razão, a petição inicial deve indicar a opção ou não pela realização de audiência de conciliação (art. 319...

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