A disciplina geral do novo CPC e a sua central base principiológica em favor de um processo justo

AutorFernando Rubin
Páginas87-98

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Fernando Rubin 1

Introdução

Sendo procedimento amplo, aprovado de maneira democrática e após razoável tempo de debate dentro do Congresso Nacional, mormente na Câmara Federal, certo que temos código processual mais afeito ao nosso atual ambiente cultural e que reflete de maneira mais fidedigna as relações do processo com o direito material e com o direito constitucional, daí por que trataremos da base principiológica do Codex, estruturada de acordo com a nossa Lei Maior, a exigir, principalmente, respeito ao princípio da não surpresa (com o contraditório prévio) e a legitimidade da decisão final de mérito (com a fundamentação completa das decisões, em especial da sentença)2.

Do atual ambiente cultural e da disciplina geral do novo cpc

Os avanços justificadores do novel diploma infraconstitucional apontam para um processo civil que venha: estabeceler verdadeira sintonia fina com a CF/1988; criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade da causa; simplificar as exigências procedimentais com a preocupação central em resolver problemas (“a substância acima da forma”); imprimir maior grau de organicidade ao sistema (“coesão”); e dar todo o rendimento possível a cada processo (“máximo aproveitamento”), inclusive autorizando a autocomposição envolvendo partes e matérias fora da causa de pedir e pedido3.

De maneira geral, confirmada pelo art. 1º da Lei n. 13.105/2015, o Novo CPC aponta para a derrocada do conceito de sua autossuficiência4 para ampla resolução dos conflitos5 (como sugeria a parte inicial do Código Buzaid/1973)6, sendo objetivo do Codex a retomada de rente relação do direito adjetivo com o direito material e principalmente com “os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil7.

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O artigo inaugural, juntamente com os próximos onze dispositivos, formam a Parte Geral do Novo CPC, sendo responsáveis por estabelecerem uma macro-orientação a respeito dos principais eixos do código, que guardam conexão direta com a CF/19888 e auxiliam na exegese dos demais comandos da codificação (interpretação sistemática)9.

Também valioso o registro de que o Novo CPC tem preocupação central com o julgamento do mérito da contenda10, seja pela decisão com exame do contencioso pelo juiz (heterocomposição), seja pela via do acordo (autocomposição). Em ambos os casos, a decisão é coberta pelo manto da coisa julgada material (sentenças definitivas), diversamente das hipóteses de extinção sem julgamento de mérito (sentenças terminativas), cuja importância para o sistema processual passa a ser agora significativamente reduzida, a ponto de não ser repetida pelo codex a consagrada expressão de Liebman a respeito das “condições da ação”11.

Sob essas ajustadas perspectivas, não restam muitas dúvidas de que, ultrapassada a fase científica do processualismo, o ambiente cultural contemporâneo encaminha para ser enxergado o processo sob um ângulo externo, privilegiando a preocupação com a tutela constitucional de direitos12 – o que determina claramente que apegos demasiados à forma (os formalismos perniciosos13) sejam colocados em segundo plano, em favorecimento da matéria e do pronunciamento de mérito. Ao que parecia, sob influência do cientificismo do período anterior, era o operador do direito, ao ingressar com a demanda judicial, que deveria se adaptar ao codex; sendo que no atual cenário, opera-se fenômeno inverso: cogitando-se de o diploma adjetivo se amoldar, desde a fase postulatória, aos contornos específicos da lide.

Dentre os grandes conceitos do Novo CPC, portanto, sobreleva-se a busca por um processo civil de resultados, econômico, qualificado e efetivo, com aceitação de maior flexibilidade e dinamismo procedimental, visão participativa e colaborativa do processo, respeitada a boa-fé objetiva, simplificação do sistema recursal e prestígio aos precedentes, aumento do risco da sucumbência e amplo espírito de conciliação.

Ademais, fundamental mais uma contextualização inicial: as inovações importantes trazidas pela Lei n. 13.105/2015 circunscrevem-se à órbita das demandas individuais, já que as demandas coletivas seguem tratamento à parte; da mesma forma, seguem tratamento à parte as demandas que correm no rito sumariíssimo dos Juizados Especiais. Isto não quer dizer, por outro lado, que não seja possível a aplicação subsidiária do Novo CPC a esses modelos, em casos de compatibilidades14.

Por sua vez, com relação aos grandes procedimentos destacados por Buzaid (cognição, execução e cautelar), temos que foram oferecidas modificações pontuais na execução e diminuição do tamanho das cautelares, sendo oferecidas efetivamente mudanças centrais no procedimento de conhecimento (o rito comum ordinário de Buzaid15), que passa a ser denominado agora de “procedimento comum”.

Pois bem. As novidades podem, grosso modo, ser catalogadas em duas amplas ordens: as relativas a consolidações de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais pátrios; e as relativas a construções adjetivas regem e asseguram o pleno acesso de todos ao Poder Judiciário. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – de acordo com o Novo CPC. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1, p. 30.)

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relacionadas a exemplos vindos de legislações estrangeiras, inclusive do common law16.

Também gostaríamos de referir, propedeuticamente, que muitas outras lançadas novidades acabaram ficando pelo caminho, seja em razão de mudança de redação do Projeto dentro do Congresso Nacional, seja em razão de vetos presidenciais. No primeiro caso, lembramos a questão da alteração da causa de pedir e pe-dido e da eficácia preclusiva da coisa julgada material; e, no segundo caso, a questão envolvendo a conversão da ação individual em coletiva e o cabimento de sustentação oral em sede de agravo interno. Em todos esses casos, a solução adotada pelo Código Buzaid, por falta de consensos, restou mantida.

Partamos, então, para os centrais pontos mere-cedores de destaque, vinculados diretamente à parte principiológica do codex, a saber, dispositivos constantes nos arts. 1º/11 da Lei n. 13.105/2015, os quais não devem ser vistas propriamente como meras “garantias” processo-constitucionais, mas sim como verdadeiros direitos fundamentais processuais dos jurisdicionados – cabendo destacar justamente que a constitucionalização do processo passou a exigir exame dos seus eixos centrais não só como garantias (meios de defesa contra o Estado), mas principalmente como direitos ativos de construção e poder de interferência tempestiva das partes ao longo de todo o desenvolvimento do processo17.

Do contraditório prévio e do dever de fundamentação como eixo central da base principiológica do codex em busca de um processo justo

Embora tenhamos alguns outros importantes eixos da base principiológica do codex, como a duração razoável (art. 4º), a boa-fé objetiva (art. 5º) e a lógica da colaboração (arts. 6º/7º), entendemos que são dois os principais dispositivos que configuram o eixo central da base principiológica do codex (arts. 10 e 11), a tratar, respectivamente, da obrigatoriedade do contraditório prévio e do dever de fundamentação completa das decisões – porque há aqui grande espaço em que projetada verdadeira infraconstitucionalização do conteúdo do due process of law pelo Novo CPC18.

Trata-se, repitamos, do eixo principiológico central do codex: “o art. 10 exige o contraditório prévio para o exame de toda e qualquer questão, ao passo que consequentemente, realizado o contraditório, a fundamentação pressupõe o exame dos argumentos apresentados (art. 489, § 1º, IV).”19

Há, de fato, relação direta e fundamental que se deve fazer entre o direito ao contraditório prévio e o direito à completa fundamentação, ao passo que na decisão judicial é que se deve demonstrar que toda a atuação dialógica anterior foi muito além do “cumprimento de etapas”20, ou seja, o magistrado além de

a) necessariamente ouvir as partes, mesmo em matérias que poderia se pronunciar de ofício, ao tempo de julgar deve também b) necessariamente se manifestar sobre os principais argumentos trazidos tempestivamente pelas partes, devolvendo aos jurisdicionados a legitimidade que se espera do agente político investido no Estado Democrático de Direito21.

Tanto o descumprimento da primeira etapa (formação de contraditório prévio entre as partes litigantes) como o descumprimento da segunda (fundamentação completa de decisão judicial) determinam a nulidade da medida tomada pelo Estado-juiz, interlocutória ou final22.

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Aqui, devemos fazer um necessário parênteses para diferenciar procedimento justo de processo justo, a fim de justificarmos a opção pelo ultimo. Seguro que os termos procedimento e processo não se confundem23; o segundo é mais amplo determinando não só o encadeamento adequado de atos previstos em lei em busca de uma solução final do litígio (o rito propriamente dito), como também os fundamentos, inclusive de ordem constitucional, que justificam, na sua integralidade, a tramitação de uma complexa demanda em que se relacionam atividades múltiplas das partes e também do Estado-juiz – com toda a carga histórica, cultural e de conhecimentos jurídicos que cada ator possui.

Quando se fala em procedimento justo, ou legitimidade do procedimento24, coloca-se em realce o cumprimento dos comandos procedimentais envolvendo a efetividade (duração razoável) e a segurança jurídica (devido processo) ao longo das diversas etapas do iter de cognição (postulatória, saneadora e instrutória), independentemente do resultado final do processo. É que o justo seria já resultado de um procedimento adequado25, o que não...

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