A prescrição previdenciária após a modificação operada no código civil por meio do estatuto da pessoa com deficiência

AutorFernanda Valerio Garcia da Silva
Páginas79-86

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Fernanda Valerio Garcia da Silva 1

Introdução

Pelo presente estudo, procurou-se reunir argumentos interpretativos da modificação sofrida no Código Civil, art. 3º, por meio da Lei n. 13.146/2015 que excluiu do rol de absolutamente incapazes os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, causando assim questionamento sobre a ocorrência ou não da prescrição em face destes sujeitos.

Para analisar tal problemática, se faz necessário observar os princípios constitucionais norteadores de tal modificação, bem como o que se buscou alcançar com tal mudança, qual seja, a igualdade e liberdade às pessoas que, em razão de sua deficiência, não tinham autonomia para os atos da vida civil e social.

Nesta linha, estuda-se a posição hierárquica dos tratados internacionais de Direitos Humanos, a Convenção de Nova Iorque sobre os direitos da pessoa com deficiência e os direitos que se objetivou com a Lei n. 13.146/2015.

Tratados internacionais de direitos humanos

Os tratados constituem hoje a principal fonte de obrigação do Direito Internacional, inclusive por disposição no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, art. 38, onde figuram como fonte ao lado do costume internacional, princípios gerais de direito, decisões judiciais e doutrina. Assumiram essa posição, que anteriormente era principalmente reservada ao costume internacional, a partir do crescente positivismo internacional.

A disciplina e regulação dos tratados internacionais entre Estados (não envolvendo organizações internacionais) se deu por meio da Convenção de Viena concluída em 1969. O governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da referida Convenção junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 25 de setembro de 2009 e em 14 de dezembro do mesmo ano a promulgou, por meio do Decreto n. 7.030, com reserva aos arts. 25 e 66.

A definição de tratado consta no art. 2 da Convenção de Viena, segundo a qual “tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. Os tratados são obrigatórios apenas aos Estados-partes, que não podem alegar disposição de direito interno para descumpri-los; os que com ele não consentiram não têm obrigação de cumpri- los, salvo se a matéria constante no tratado tenha sido incorporada pelo costume internacional.

Ao fazer parte de um tratado internacional, o Estado-membro primeiramente o assina demonstrando aquiescência quanto ao seu conteúdo; em seguida, o tratado é apreciado e aprovado pelo Poder Legislativo; posteriormente, tem-se o ato de ratificação pelo Poder Executivo, que é o ato formal a demonstrar

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internacionalmente a ligação do Estado-membro ao tratado e torna-o uma obrigação. Leciona Flávia Piovesan:

vale dizer, não obstante a assinatura pelo órgão do Poder Executivo, a efetividade do tratado fica, via de regra, condicionada à sua aprovação pelo órgão legislativo e posterior ratificação pela autoridade do órgão executivo – matéria disciplinada pelo Direito interno.2

O art. 12 da Convenção estabelece que a assinatura é a demonstração do consentimento, bem como relaciona as hipóteses em que a ratificação é necessária para que haja obrigatoriedade. “Além da assinatura, apreciação, aprovação e ratificação o instrumento de ratificação há de ser depositado em um órgão que assuma a custódia do instrumento.”3 No Brasil, o Presidente da República tem a competência privativa para celebrar tratados os quais ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional por meio de decreto legislativo.

Ainda que a matéria pareça ser bem resolvida pelas previsões constitucionais, há críticas quanto algumas omissões:

cabe observar que a Constituição brasileira de 1988, ao estabelecer apenas esses dois dispositivos supracitados (os arts. 49, I, e 84, VIII), traz uma sistemática lacunosa, falha e imperfeita: não prevê, por exemplo, prazo para que o Presidente da República encaminhe ao Congresso Nacional o tratado por ele assinado. Não há ainda previsão de prazo para que o Congresso Nacional aprecie o tratado assinado, tampouco previsão de prazo para que o Presidente da República ratifique o tratado, se aprovado pelo Congresso. Essa sistemática constitucional, ao manter ampla discricionariedade aos Poderes Executivo e Legislativo no processo de formação dos tratados, acaba por contribuir para a afronta ao princípio da boa-fé vigente no Direito Internacional.4

Não obstante a ratificação pelo órgão do Poder Executivo, muito se discutiu sobre a posição hierárquica do tratado no cenário nacional. A Constituição da República os inclui no rol dos direitos constitucionalmente protegidos quando dispõe em seu art. 5º, § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, assim “esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos”5.

Em decorrência do disposto na Constituição da República, art. 5º, § 3º (este parágrafo incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004), “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às Emendas Constitucionais”. A respeito da composição realizada por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

decorre dela deverem-se distinguir duas situações. Uma, a dos tratados que, de acordo com o novo § 3º do art. 5º (parágrafo acrescentado por essa Emenda), tiverem sido aprovados pelas Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos de seus respectivos membros (procedimento equivalente ao de adoção de emenda constitucional – v. art. 60, § 2º, da Lei Magna); outra, a dos tratados que não forem assim aprovados. No primeiro caso, os direitos decorrentes do tratado têm status constitucional, equiparam-se aos direitos fundamentais enunciados pela Constituição (arts. 5º, 6º, etc.). Claro está que ato que contrariar tais direitos incidirá em inconstitucionalidade. No segundo, o status é [de] lei infraconstitucional.6

O procedimento adotado pelo art. 5º, § 3º, quanto aos tratados internacionais de direitos humanos, permite o pensamento de que essas fontes do direito internacional não mais ostentam a condição de lei ordinária como ocorria antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, mas sim o status de norma constitucional, tendo supremacia sobre as demais normas do ordenamento.

Desta forma, os tratados internacionais aprovados anteriormente à citada emenda não ostentam a mesma equivalência, nem aqueles que, mesmo de direitos humanos, não tenham observado a liturgia constante na Constituição da República.

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Dizer que um tratado, observados os preceitos do art. 5º, § 3º, da Constituição da República, equivale à Emenda Constitucional significa dizer que se alguma norma infraconstitucional for a ele contrário será inconstitucional, não tendo eficácia.

A convenção de nova iorque sobre os direitos da pessoa com deficiência e seu protocolo facultativo

De acordo com cada momento histórico, as pessoas com deficiência têm recebido um tipo de tratamento, desde a exclusão do convívio social até a inclusão assistencialista. São também vistas como “Vítimas de um processo histórico de exclusão social e não reconhecidas como sujeitos de direitos, as pessoas com deficiência tem [sic] sido impedidas de exercerem plenamente os seus direitos de cidadania”7.

No dizer de Alexsandro R. A. Feijó e Tayssa S. P. M.

Pinheiro:

observa-se que a proteção dos direitos dessas pessoas se inicia com a sua exclusão social e passa para a visão assistencialista de integração. Constata-se progresso, é bem verdade, mas o paradigma constitucional exige mudanças mais profundas do que as oferecidas pelo assistencialismo. Com o crescimento do número de pessoas com deficiência, decorrente, sobretudo, de questões genéticas, acidentes de trabalho e sequelas de guerras, a necessidade de assegurar direitos a elas.8

Leciona ainda Flávia Piovesan:

a história da construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência compreende quatro fases: a) uma fase de intolerância em relação às pessoas com deficiência, em que a deficiência simbolizava impureza, pecado, ou mesmo, castigo divino; b) uma fase marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência; c) uma terceira fase orientada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma “doença a ser curada”, sendo o foco centrado no indivíduo “portador da enfermidade”; e d) finalmente uma quarta fase orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como a necessi-dade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício de direitos humanos. Isto é, nessa quarta fase, o problema passa a ser a relação do indivíduo e do meio, este assumido como uma construção coletiva.9

Nessa linha de raciocínio, é dever do Estado no exercício de suas atribuições oportunizar a remoção e eliminação das desigualdades que impedem o pleno exercício dos direitos das pessoas com deficiências.

De acordo com informações da ONU:

cerca de 10% da...

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