As Relações de Trabalho na Construção da Hidrelétrica de Jirau: Precariedade em Contraposição ao Discurso do Progresso

AutorPaula Talita Cozero
Ocupação do AutorDoutoranda e mestra em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Páginas250-273
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AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DA HIDRELÉTRICA DE
JIRAU: PRECARIEDADE EM CONTRAPOSIÇÃO AO DISCURSO DO
PROGRESSO
LABOR RELATIONS IN THE CONSTRUCTION OF JIRAU HYDROELECTRIC:
PRECARIOUSNESS IN OPPOSITION TO THE DISCOURSE OF PROGRESS
Paula Talita Cozero
1
RESUMO: A construção de grandes projetos hidrelétricos encontra-se atrelada ao discurso de
exaltação do progresso e do desenvolvimento ligado à melhoria das condições de vida da
população, acesso a serviços e aumento de emprego na região. Este artigo analisa o discurso do
consórcio construtor da hidrelétrica de Jirau, localizada no estado de Rondônia que ficou
conhecida nacionalmente pelo levante dos trabalhadores ocorrido em 2011 – especialmente no
tocante às condições de trabalho e às promessas de “progresso” à região. Examina-se os
meandros do discurso e suas táticas de legitimação dos interesses empresariais e estatais,
especialmente a busca por apresentar os interesses das classes dominantes como interesses
neutros e gerais. Busca-se, então, contrapor tal discurso às reais condições de trabalho,
marcadamente precárias e sem o mínimo de garantias legais respeitadas. Ressalta-se, ainda, o
papel contraditório dos trabalhadores dessas grandes obras: ao mesmo tempo em que podem
ser tido como “defensores” da implementação desses projetos, especialmente devido à criação
de empregos, também podem ser considerados “atingidos” ou impactados negativamente por
eles, devido às péssimas condições de vida e trabalho a que são submetidos.
Palavras-chave: trabalhadores; discurso; progresso; Hidrelétrica de Jirau.
ABSTRACT: The construction of large hydroelectric projects is tied to the discourse of
exalting progress and development linked to the improvement of the population's living
conditions, access to services and increased employment in the region. This article analyzes the
discourse of the construction consortium of Jirau hydroelectric, located in the state of Rondônia
- nationally known for the workers' uprising in 2011 - especially regarding working conditions
and promises of "progress" to the region. It examines the meanders of discourse and its tactics
of legitimizing business and state interests, especially the quest to present the interests of the
ruling classes as neutral and general interests. The aim is oppose this discourse to the real
conditions of work, markedly precarious and without the minimum of legal guarantees
respected. The contradictory role played by the workers in these constructions is also
highlighted: at the same time that they can be considered as "defenders" of the project’s
implementations, especially due to the creation of jobs, they can also be considered negatively
impacted by the bad living and working conditions to which they are subjected.
Keywords: workers; discourse; progress; Jirau hydroelectric.
1
Doutoranda e mestra em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Integrante do Grupo de pesquisa “Trabalho e Regulação no Estado
Constitucional” (GP-TREC UniBrasil) e do Núcleo de pesquisa “Direito Cooperativo e Cidadania” (NDCC
UFPR). Professora de Direito do Trabalho no Centro Uni versitário Autônomo do Brasil (Unibrasil). Advogada
em Curitiba/PR. Endereço eletrônico: cozero.paula@gmail.com
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INTRODUÇÃO
Si usted habla de progreso
nada más que por hablar
mire que todos sabemos
que adelante no es atrás
(Mario Benedetti)
Este artigo analisa as relações de trabalho que se estabelecem a partir da construção de
grandes projetos hidrelétricos, evidenciando a precariedade das relações que se colocam em
contradição ao discurso de desenvolvimento e progresso pregado pelas empresas e pelo Estado.
Os impactos da implantação de grandes projetos hidrelétricos têm sido debatidos com
mais veemência nos últimos anos, especialmente pelos desastrosos danos sociais e ambientais
que, apesar de ainda invisibilizados, se tornam cada vez mais evidentes. Indígenas, povos
ribeirinhos, comunidades tradicionais, habitantes das cidades próximas às grandes obras, a
biodiversidade e a fauna são impactados de diversas formas pela implementação desses
projetos.
Neste contexto, uma questão bastante importante a ser debatida diz respeito às relações
de trabalho estruturadas a partir desses grandes projetos. Especialmente considerando os
discursos que acompanham a implementação dessas obras – com promessas de criação de
empregos, progresso e desenvolvimento regional e movimentação da economia local.
Para além do dado de que a exploração e precariedade das relações de trabalho são
intrínsecas às relações capitalistas de produção, é possível identificar algumas especificidades
em relação ao trabalho dos “barrageiros”, como são chamados os trabalhadores envolvidos nas
construções de barragens. De forma característica, nessas obras, muitos trabalhadores são
migrantes, há violações massivas de direitos garantidos formalmente ao trabalhadores em geral
e as relações de trabalho e condições de vida estão distantes daquelas prometidas pelo Estado e
pelas empresas.
Relevante, então, analisar as falácias que fundamentam os discursos que a parceria
público-privada envolvida na construção de barragens propaga buscando legitimar a
implementação de seus projetos. Esta análise permite reforçar a compreensão dos direitos
violados por empresas nacionais e transnacionais, em especial as grandes construtoras, o que é
essencial para evidenciar os impactos negativos de tais projetos e questionar o modelo de
desenvolvimento a eles atrelado.
O trabalho coloca, dessa forma, a questão sobre a existência de um perfil de relações de
trabalho específicas que se estruturam a partir da construção de hidrelétricas e barragens que se
contrapõe ao discurso propagandeado. Para tanto, optou-se por examinar especialmente o caso
da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Jirau, em Rondônia, analisando-se o discurso do

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