A atividade petrolífera e o dano ambiental: reflexos aos pescadores do Paraná

AutorEugênio Achille Grandinetti
Páginas648-667

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Ver Nota1

1. Introdução

Desde a Revolução Industrial a atuação de pessoas jurídicas como agentes econômicos se intensificou, predominando nas relações econômicas e sociais. Consequentemente, passaram a ser as que mais exploraram as reservas naturais, geralmente de maneira despreocupada e desmedida, em nome do desenvolvimento industrial e da maior obtenção de lucro.

A atuação empresária produziu grandes impactos ambientais que afetaram a fauna e a flora natural, ocasionando um desequilíbrio que também atingiu negativamente o próprio homem. Assim, a poluição e a deterioração ecológica foram o produto nocivo imediato da explosão capitalista e demandaram a atuação do direito, em diversas searas, para a sua preservação.

Exemplo disto são as atividades petrolíferas, as quais, além de seu elevado valor econômico, têm alto poder de poluição, sendo regulamentadas pela Lei
9.966/00. Não raro acontecem desastres envolvendo o vazamento de óleo em rios e regiões litorâneas, como os que serão abordados neste artigo, ambos ocorridos em 2001, os quais ensejaram uma maior atenção do direito como mecanismo de proteção de bens jurídicos coletivos e individuais.

2. O dano ambiental e a sua responsabilização

Antes de se abordar propriamente os tipos de responsabilidade aplicáveis ao agente poluidor, necessário se faz analisar o próprio conceito jurídico de dano ambiental.

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Diferentemente de outras legislações, o direito brasileiro não elaborou um conceito fechado do que seja dano ambiental, muito porque a Constituição da República sequer conceituou expressamente o que seja meio ambiente2, podendo ser definido casuisticamente. Partindo, então, da análise da descrição do que é considerado degradação da qualidade ambiental e poluição, conforme dispõe o artigo 3º, incisos II e III, da Lei 6.938/81, o dano ambiental pode ser entendido como uma alteração negativa dos aspectos ambientais de uma biota, que implique a deterioração ou destruição de quaisquer recursos naturais, afetando adversamente a natureza e, direta ou indiretamente, o homem3.

Esta alteração admite diferentes gradações, não constituindo, todas elas, uma lesão relevante ao bem jurídico meio ambiente. A gravidade do dano ambiental decorre, assim, do rompimento do equilíbrio do ecossistema, causando uma situação de total perigo a todos os seus elementos, pois o meio ambiente é caracterizado pela dependência mútua e pela ação recíproca de vários seres que o constituem, de maneira que os resultados de cada ação contra a natureza são acrescidos a todos os danos ecológicos já produzidos (efeito cumulativo).4O dano ambiental é caraterizado pela degradação dos elementos naturais, pelo seu uso predatório, independente das repercussões que tenha nas pessoas e nos bens. Todavia, sabe-se que a lesão ao meio natural sempre atinge o homem, ainda que a longo prazo e indiretamente, e, por tal razão, eis a importância de tentar evitar a concretização desta lesão, especialmente ante a imensa dificuldade de reparar o dano causado, sendo este, na maioria das vezes, irreparável.

Portanto, nas situações em que o ambiente não consegue se recompor, em virtude de um desequilíbrio ecológico grave, é que o dano passa a ser passível de responsabilização pelo agente poluidor.

Pode-se constatar, ainda, duas modalidades de dano ambiental, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81: o dano ao meio ambiente propriamente dito (coletivo) e em face de terceiros (individual)5. Este dano, chamado de dano ricochete ou reflexo, diverge do prejuízo coletivo, o qual recai diretamente sobre os recursos e os elementos ambientais, pois diz respeito aos danos patrimoniais ou morais que atingem uma certa pessoa ou um grupo de pessoas determinadas ou determináveis6. Os julgados do Agravo Regimental no Recurso Especial 1.133.842 e do Recurso Especial 1.114.398, pelo Superior Tribunal de Justiça, oportunamente analisados, dizem respeito ao dano refle-

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xo ambiental, que afetou a população pesqueira do litoral do Estado do Paraná, local atingido pelos vazamentos de óleo diesel e nafta ocorridos em 2001.

A reparação do dano ambiental propriamente dito diz respeito à lesão causada ao meio social, ao bem difuso meio ambiente. Por tal razão, a indenização é destinada a um fundo de reparação (Fundo de Defesa de Direitos Difusos7), podendo ser pleiteada por meio de ação civil pública, proposta pelo Ministério Público, ou por impetração de mandado de segurança coletivo. O valor da indenização é destinado à reconstituição do próprio ambiente degradado ou, se impossível, na região em que houve a ofensa:

As ações civis públicas, via de regra, perseguem duas finalidades: a recuperação do meio ambiente degradado e a indenização decorrente do dano causado. A primeira nem sempre é possível (v.g. a morte de espécimes da fauna) ou simples
(v.g. a demolição de obra construída em área de preservação ambiental). Todavia, ainda assim, vem ela sendo imposta, seja por medidas diretas (v.g. restauração de um imóvel tombado), seja por medidas alternativas (v.g. zelar por uma área de proteção ambiental na impossibilidade de recuperar a atingida).8Outra modalidade que a doutrina vem se ocupando nos últimos tempos diz respeito ao dano moral ambiental9. Esta lesão, também de ordem coletiva, consiste em todo prejuízo que não seja econômico, causado à coletividade, em razão da lesão ao meio ambiente. Não se pode olvidar da questão social desencadeada pelo dano ambiental. O dano ao meio ambiente representa lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo, autônomo, de interesse da coletividade, garantido constitucionalmente para o uso comum do povo e para contribuir com a qualidade de vida das pessoas.10Por fim, é de se destacar no que consiste a atual política ambiental. Esta é voltada precipuamente à prevenção da consumação do dano ao meio ambiente, concretizando os princípios da prevenção e da precaução11. O dever jurídico de evitar a consumação de danos à natureza vem sendo salientado em convenções, declarações e sentenças de tribunais internacionais. Exemplificando esta preocupação, pode-se citar a sentença da Corte Internacional de Justiça:

A corte não perde de vista que, no domínio da proteção do meio ambiente, a vigilância e a prevenção impõem-se em razão do caráter frequentemente irreversível dos prejuízos causados ao meio ambiente e dos limites inerentes aos mecanismos de reparação deste tipo de dano.12

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A Convenção de Basileia, em 1989, também expressou seu posicionamento de prevenção ao dano ambiental, quando discutiu o controle de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito, bem como o Tratado de Maastricht, sobre a União Europeia, indicou como um dos princípios da política ambiental o da ação preventiva13. A responsabilidade pela potencialidade do dano se tornou mais evidente e relevante do que a responsabilidade pelo dano em si. Prevaleceu o ditame de que “para prevenir é preciso predizer”, agir antecipadamente. Este princípio está cristalizado no artigo 2º da Lei 6.938/81 e nas sanções penais e administrativas aplicadas ao agente infrator estabelecidas na Lei 9.605/98.

A reparação, especialmente no âmbito cível – que pressupõe a ocorrência de um dano –, e a repressão penal constituem políticas secundárias, aplicáveis após a constatação da lesão ao ambiente, não apresentando um viés tão preventivo quanto as políticas administrativas empregadas. É através do poder de polícia que o poder público protege o meio ambiente.

A maioria das leis administrativas tende à proteção ambiental, visando o equilíbrio entre os direitos do uso da propriedade privada e as consequências que este uso tem sobre o ambiente natural. É restringido um bem individual em benefício da proteção de um bem da coletividade. Outro exemplo de como o princípio da prevenção está presente nos atos da administração é a autorização que o particular deve ter da autoridade administrativa para explorar os recursos naturais. Havendo dúvidas sobre danos ao ambiente, sendo estes potencialmente irreversíveis, a autoridade pública não pode deferir o pedido de licença de exploração ambiental ao particular.

Desta forma, os atos e sanções administrativas são os que melhor atendem ao princípio da proteção ambiental visto que este se manifesta em três situações: quando do deferimento da licença ambiental ao particular; quando da aplicação da sanção a mera probabilidade de dano ao ambiente; e quando da aplicação da sanção ao dano concreto ao ambiente.

2. 1 Modalidades de responsabilidade para o poluidor

A responsabilidade do agente poluidor pela prática de ilícito ambiental está prevista tanto na legislação constitucional como infraconstitucional. A Constituição da República resume os três tipos de responsabilidade aplicáveis à pessoa jurídica nos ilícitos ambientais: civil, administrativa e penal, conforme dispõe o artigo 225, §§ 2º e 3º:

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Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.14Na legislação infraconstitucional, o Decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, que...

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