No meio do caminho tinha uma pedra': a exigência de autorização da assembleia legislativa como obstáculo à criminalização de governadores de estado

AutorEla Wiecko V. de Castilho/Marina Quezado
Páginas637-647

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Ver Nota12

A cada quatro anos, no Brasil, elegem-se os governadores das 27 unidades da federação para mandatos que serão exercidos nos quatro anos seguintes. Para o Superior Tribunal de Justiça, o término do período eleitoral indica um momento de grande alteração na competência para os processos que investigam e responsabilizam essas autoridades por crimes comuns. Habitual-mente, ao fim de cada eleição, sabe-se que os governadores que encerram seus mandatos perderão a prerrogativa de foro que têm no STJ e que os novos governadores passarão a tê-la, acarretando uma migração de feitos de um juízo a outro, com repercussão inegável na apuração das responsabilidades criminais e sua persecução.

Afora a transitoriedade dos cargos eletivos, que afeta sobremaneira a competência por prerrogativa de foro de modo temporal, outros aspectos influenciam o processo de criminalização dos governadores de estado a ponto de impedir que tais autoridades sejam punidas pelos atos ilícitos que come-tem, alimentando o fenômeno da impunidade.

O presente texto pretende demonstrar os entraves à criminalização dos governadores de estado3, pontuando, a partir de levantamento de dados, que a necessidade de autorização das assembleias legislativas estaduais para a instauração de processo, prevista em todas as constituições estaduais (e na Lei Orgânica do Distrito Federal ? LODF), é um dos seus principais obstáculos.

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Serão, assim, abordados, neste trabalho, a previsão da Constituição Federal da prerrogativa de foro no STJ para essas autoridades, a previsão das constituições estaduais (e da LODF) de que assembleia legislativa autorize a instauração de processo contra o governador de estado, os dados da atuação da Corte Especial do STJ nesses processos e, por fim, a necessidade de reconhecimento urgente da inconstitucionalidade da exigência de prévia autorização, como já tem sido suscitada em diversas ações diretas de inconstitucionalidade que aguardam julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, para que, retirados os entraves procedimentais, sejam os governadores processados pelos crimes que lhes são atribuídos.

Os governadores de estado e o do Distrito Federal possuem a prerrogativa de serem processados e julgados, originariamente, por crimes comuns, perante o Superior Tribunal de Justiça, por força do disposto no art. 105, I, a, da Constituição Federal. A investigação de crimes por eles praticados se desenvolve perante esse tribunal, impulsionada pelo procurador-geral da República, mas, tão logo é oferecida a denúncia, nas ações penais públicas – ou nas queixas-crimes, no caso de ações penais privadas – a fase processual que se segue (a do recebimento da denúncia) é obstada pela necessidade, primeira, de se oficiar às assembleias legislativas estaduais (ou à Câmara Legislativa do DF) pedindo-se autorização para a abertura do processo.

As constituições de todos os estados da federação e a Lei Orgânica do Distrito Federal exigem a necessidade de prévia autorização da respectiva Assembleia para processar o governador:

Quadro 1 – Tabela de dispositivos das CE e LODF sobre autorização da Assembleia para processar Governador

UF Dispositivo da Constituição Estadual (e da LODF)

AC Art. 81. Admitida a acusação contra o Governador do Estado, por dois terços da Assembleia Legislativa, é ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nos crimes comuns, ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade.

AL Art. 110. Admitida a acusação pela Assembleia Legislativa Estadual, pelo voto de dois terços de seus membros, será o Governador do Estado, nas infrações penais comuns, submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, e, perante a própria Assembleia Legislativa, na hipótese de crime de responsabilidade.

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AM Art. 56. Admitida por dois terços dos integrantes da Assembleia Legislativa a acusação contra o Governador do Estado, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade.

AP Art. 121. O Governador do Estado, admitida a acusação pelo voto de dois terços dos Deputados Estaduais, será submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade.

BA Art. 107. O governador será julgado, nos crimes de responsabilidade, pela Assembleia Legislativa e, nos comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça, depois de admitida a acusação por dois terços da Assembleia.

CE Art. 90. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade pela Assembleia Legislativa e, nos comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça, após admitida a acusação por dois terços dos membros da Assembleia.

DF Art. 60. Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal: […] XXIII – autorizar, por dois terços dos seus membros, a instauração de processo contra o Governador, o Vice-Governador e os Secretários de Governo.

ES Art. 93. Depois que a Assembleia Legislativa declarar a admissibilidade da acusação contra o Governador do Estado, pelo voto de dois terços de seus membros, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade.

GO Art. 39. Admitida a acusação contra o Governador, por dois terços da Assembleia Legislativa, será ele submetido a julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça nas infrações penais comuns e pela Assembleia Legislativa por crimes de responsabilidade.

MA Art. 66. Admitida a acusação pelo voto de dois terços dos Deputados, o Governador do Estado será submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a Assembleia Legislativa, nos crimes de responsabilidade.

MG Art. 62. Compete privativamente à Assembleia Legislativa: […] XIII – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra...

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