Atuação sindical em situações de assédio moral: relato de experiência

AutorRegina Heloisa Maciel/Marselle Fernandes Fontenelle/Virginia Cavalcante Coelho
Páginas137-155

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Apresentação

O assédio moral no trabalho e tudo que ele envolve tem sido uma preocupação crescente dos sindicatos, pois suas consequências podem ser devastadoras para as vítimas, as testemunhas e os locais de trabalho. Por outro lado, a abordagem sindical ao assédio possui também uma função política. Em geral, as ações sindicais frente ao assédio se relacionam às questões de saúde e estão ligadas às respectivas secretarias de saúde e, quando tomadas, têm grande repercussão entre os sindicalizados.

A resposta sindical às ocorrências do assédio pode tomar diversas formas, desde a denúncia pública até o apoio e acompanhamento das vítimas de assédio, bem como ações de investigação, negociação, administração e judiciais, visando a prevenção do assédio nos locais de trabalho e a compensação das vítimas.

No caso das intervenções sindicais, elas podem ser classificadas de acordo com a profundidade em que atuam na modificação das condições que dão origem ao assédio. Os sindicatos não têm acesso a modificações diretas nas condições de trabalho, mas eles podem atuar promovendo a conscientização da categoria, recebendo denúncias e realizando investigações e fornecendo apoio e orientação às vítimas. Mesmo não podendo atuar diretamente na melhoria das condições de trabalho, os sindicatos podem envidar esforços para forçar as empresas a fazerem tais ações. Neste capítulo, busca-se mostrar algumas das possíveis ações que podem ser empreendidas pelos sindicatos para promover o combate ao assédio moral e sua prevenção.

Considerando que o fenômeno do assédio moral no trabalho está relacionado a fatores culturais, organizacionais e individuais, as decisões sobre o tipo e forma das ações sindicais a serem tomadas não devem ser feitas de maneira a seguir cegamente preceitos já estabele-cidos. Pelo contrário, as ações devem ser pensadas segundo o contexto e a cultura local onde serão aplicadas. Assim, embora muito se tenha a ganhar de exemplos de experiências já realizadas em outros contextos, as diferentes ações não devem ser tomadas como receitas prontas para qualquer situação, devem ser pensadas e adaptadas ao contexto específico em que se pretende aplicá-las. Além disso, um programa sindical para o combate e prevenção ao assédio moral deve envolver várias ações que podem ser tomadas em conjunto para uma melhor efetividade.

I Atuações

Informação e capacitação dos trabalhadores para prevenção do assédio moral

Esse tipo de ação se refere ao uso de estratégias de comunicação para difundir conhecimentos sobre o assédio moral entre os trabalhadores, orientando como identificar e proceder diante de condutas de assédio no local de trabalho. A informação é uma das principais formas de combate às condutas não aceitáveis e antiéticas. Por um lado, auxilia a vítima a saber identificar e resistir à violência e, por outro, inibe os agressores quanto às possíveis consequências de seus atos.

A difusão de informações também é útil para advertir cúmplices, testemunhas ou observadores passivos do assédio que é inaceitável colaborar com esse tipo de conduta negativa, sendo necessário seu enfrentamento no trabalho.

O objetivo desse tipo de ação é que todos os trabalhadores estejam cientes das particularidades das situações de assédio e possam denunciá-lo o mais rápido possível, além de buscarem guardar e provocar provas de sua ocorrência, de tal modo a facilitar a investigação do assédio e negociações posteriores com a empresa ou

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instituição, no sentido de definir medidas preventivas e mudanças organizacionais para sua erradicação.

Nesse sentido, uma boa parte dos sindicatos têm desenvolvido e publicado cartilhas e panfletos sobre o assédio moral. Usualmente, o material inicia com uma definição do que é assédio moral. Destaca-se que uma boa definição do que é assédio esclarece, de maneira simples e direta, o conceito, sem entrar em discussões acadêmicas mais profundas. Isto é essencial para a efetividade da comunicação e orientação aos trabalhadores. No entanto, nem sempre é suficiente quando se discute o assunto com os líderes sindicais.

Uma das primeiras definições de assédio foi dada por Leymann (1996): o assédio moral é entendido como qualquer conduta abusiva, configurada por meio de gestos, palavras, comportamentos inadequados e atitudes que fogem do que é comumente aceito pela sociedade, ferindo a integridade psíquica ou física de uma pessoa e afetando o ambiente de trabalho. Esta definição é uma das mais adotadas no Brasil e em outros países (Barreto, 2000; Hirigoyen, 2002).

Em geral, as definições sustentam que, para haver assédio moral, é necessário que os comportamentos ou situações de assédio sejam repetitivos e persistentes. Mas isto tem mais a ver com a questão da mensuração da prevalência do assédio em um determinado grupo de trabalhadores do que com a definição conceitual do assédio. Leymann (1996) define um critério estrito como parâmetro para operacionalização das investigações sobre assédio: a ocorrência de pelo menos uma situação de assédio no mínimo semanalmente e, pelo menos, durante seis meses. O critério estrito é útil para identificar o grupo de alvos de assédio denominados de “vítimas”. Porém, como afirmam Notelaers, Einarsen, De Witte e Vermunt (2006), o assédio moral pode ser visto como um processo que se agrava gradualmente, existindo um contínuo de “não ser assediado” até ser “altamente assediado”. Dessa forma, pessoas submetidas a assédio moral, mas ainda em fase inicial, podem não vivenciar as agressões de forma sistemática e prolongada. Inclusive, os comportamentos assediadores também tendem a se intensificar na medida em que chegam a uma fase mais aguda, o que pode levar a vítima ao desligamento da empresa. Assim, a utilização do critério estrito na definição do assédio é uma simplificação, embora altamente operacional. Por essa razão, este é o critério que geralmente se utiliza para a mensuração da prevalência do assédio moral no trabalho.

Além da repetitividade e permanência no tempo, outro fator que aparece nas definições do assédio moral é a questão do desequilíbrio de poder nas relações pessoais com o chamado “abuso de poder” por parte do agressor. O abuso de poder pode acontecer em todos os níveis da organização, independentemente da posição hierárquica da vítima e do agressor, daí a possibilidade de ocorrer o chamado assédio horizontal, praticado entre colegas de trabalho do mesmo nível hierárquico formal. É importante frisar que a desigualdade de poder não é requisito imprescindível e definidor da existência ou não do assédio moral (Soboll, 2011). Conforme a autora, estudos apontam que, não é necessário que a pessoa esteja em condição de inferioridade ou ser incapaz de se defender para se configurar uma situação de início do processo de assédio. Nessa perspectiva, o fenômeno do desequilíbrio do poder ocorre ao longo do processo, portanto é decorrente do assédio. Assim sendo, trata-se de uma consequência do assédio e não uma condição para o seu surgimento. No entanto, na sua análise das situações de assédio, é comum os trabalhadores se referirem ao “abuso de poder” como uma explicação ou até causa do assédio moral no trabalho.

As dificuldades na definição do que é assédio devem ser explicitadas, sempre que possível, nas comunicações feitas pelos sindicatos para evitar mal entendidos e facilitar a percepção da ocorrência do assédio. Uma das cartilhas sindicais (SEEB-CE, 2001) sobre o assédio, assim o define:

O assédio moral é uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho e que visa diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional (Freitas, Heloani & Barreto, 2008, p. 37).

Ressalta-se que nessa definição várias nuances relativas ao fenômeno não são explicitadas como a possibilidade da ocorrência de assédio moral por meio das regras e normativas da empresa, dirigidas, portanto, ao coletivo dos trabalhadores, ou até mesmo à possibilidade das condições de trabalho agredirem violentamente a integridade do trabalhador. Ambos os casos podem ser entendidos como de assédio moral. No entanto, as regras ou normativas que agridem o coletivo podem também ser entendidas como condições de trabalho inadequadas. Assim compreendidos, esses casos podem ser combatidos de outras formas como, por exemplo, lançando-se mão das Normas Regulamentadoras do Trabalho (NRs) e outros dispositivos existentes em nossa legislação trabalhista. É importante e, algumas vezes vantajoso, singularizar as situações que podem ser

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abordadas pela legislação já existente, pois o sindicato pode mover ações coletivas junto às Superintendências Regionais e/ou Procuradorias Regionais do Trabalho, embasados nas leis vigentes. Como exemplo, pode-se citar a NR-17: Ergonomia, que especifica a necessidade de condições e organização de trabalho adequadas. Assim, embora seja possível considerar a forma de gestão e algumas condições de trabalho, às quais os coletivos de trabalhadores são expostos, como assédio moral, esses casos, na maioria das vezes, no que se refere às ações sindicais, podem ser combatidos de outras formas.

Outro ponto que é invariavelmente abordado nos panfletos e cartilhas sindicais sobre o assédio são os principais aspectos do assédio, incluindo quem são os possíveis assediadores e as consequências do assédio para as vítimas e para os ambientes de trabalho e isto pode ser feito de diversas maneiras. Convém, no entanto, utilizar estratégias de comunicação adequadas às categorias de trabalhadores para as quais o material está sendo desenvolvido. A cartilha citada acima, do Sindicato dos Bancários do Ceará, mostra ilustrações...

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