Intervenção psicossocial sistêmica: modelo e parâmetros em casos de assédio moral no trabalho

AutorLaura Pedrosa Caldas/Dagmar Silva Pinto de Castro/Marcus Tulio Caldas
Páginas47-58

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Este capítulo apresenta as etapas necessárias a realização de uma intervenção psicossocial sistêmica tendo em vista casos de assédio moral no trabalho, abordando também o relato de intervenção neste modelo numa empresa do setor elétrico brasileiro.

Por onde começamos nosso modelo de intervenção?

Podemos dizer que iniciamos em duas direções que se complementam: a primeira, a partir da contextualização dos parâmetros que justificam o modelo de Intervenção Psicossocial Sistêmica, proposto por Caldas & Caldas (2016) e Caldas (2007), e a segunda, no diagnóstico organizacional, tal qual adotado pela autora e detalhado adiante.

O aspecto sistêmico está presente quando se descreve o assédio moral: “o comportamento vil desencadeia na vítima uma reação defensiva que, por sua vez, gera novos atos agressivos. Esse processo evolui às fo-bias recíprocas: o agressor acentua sua conduta violenta sempre que a vítima reage por medo e a reação motivada pelo medo, justifica novas agressões” (Caldas, 2007,
p. 50). É esse viés sistêmico que se estrutura o modelo de intervenção psicossocial aqui apresentado.

Caldas (2007) baseia e justifica seus parâmetros no conceito da teoria geral dos sistemas (TGS), propos-ta pelo biólogo Ludwig Bertalanffy, na década de 1920. “A TGS tem suas raízes na concepção organísmica em biologia”. O autor afirmar, ainda, que “existem modelos, princípios e leis que se aplicam a sistemas generalizados ou suas subclasses, qualquer que seja seu tipo particular, a natureza dos elementos que os compõem e as relações ou forças que atuam entre eles” (Bertalanffy, 1977, 59).

A organização, enquanto um sistema aberto, mantém um fluxo de entrada e saída, conservando, por meio das interações entre seus diversos públicos, o que Bertalanffy denominou de essência vital e, no caso específico, de cultura organizacional.

Ao reconhecer a complexidade dessas inter-relações, a partir do assédio moral, passamos a compreender que o processo de mudança e evolução constante do sistema assume prejuízos da ordem sistêmica, como a instabilidade, a imprevisibilidade e a incontrolabilidade do ‘sistema-organização’.

Nessa perspectiva, a organização não se encerra em si mesma. Ela pertence a um contexto mais amplo. Atua de forma sistêmica, incluindo as diversas relações que estabelece – direta e indiretamente – com todos os públicos com os quais interage e que impactam nas tomadas de decisões, no negócio e na sustentabilidade de uma empresa.

Assim, um fenômeno, a exemplo do assédio moral no contexto de trabalho, que influencia um de seus membros, afeta e é por ele afetado mutuamente a partir de suas intra e inter-relações. Por sua vez, impacta nas relações sociais do indivíduo, na organização e também em sua dinâmica familiar, alterando o comportamento de seus integrantes e as relações entre eles. No caso do fenômeno do assédio moral aqui apresentado, isso gera consequências à organização, seja nos custos, visíveis ou não, ou nos danos que a situação impõe a seus integrantes, independente do papel que assuma: vítima, testemunha, equipe, gestor ou agressor. Todos perdem!

Por outro lado, o diagnóstico mais próximo da realidade organizacional deve contemplar três níveis de análise: individual, organizacional e o cenário mais amplo que extrapola a organização.

O nível individual abrange requisitos de personalidade, da história de vida, das relações sociais, da dinâmica familiar, aspectos de vulnerabilidade à saúde

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e fatores pessoais que se entrelaçam com os aspectos objetivos e subjetivos do trabalho em cada empregado.

No segundo nível, avaliamos a organização em sua integralidade: a estrutura, as relações sociais do trabalho, suas políticas e estratégias organizacionais; assim como aspectos subjetivos, abstratos, simbólicos e outros requisitos que sustentam sua cultura. Avaliamos, também, fatores de riscos psicossociais numa perspectiva sistêmica, considerando as redes de poder (instituída e informal) e suas consequências.

Em terceiro nível, sugerimos ampliar o diagnóstico para o cenário macro político e econômico, além do organizacional, levando em conta o seu segmento, o meio ambiente e seu stakeholder, ou seja, partes interessadas e parceiras, tais como: fornecedores, clientes, comunidade em seu entorno, governos, instituições de ensino e educação, a sociedade em geral e o Estado, dentre outros (Ethos, 2013).

Método e técnicas

Nossa proposta interventiva sistêmica utiliza estratégias socioeducativas, psicossociais e, eventualmente, psicoterapêuticas. O objetivo é demonstrar parâmetros de diagnóstico e de intervenção nos casos de assédio moral no trabalho, numa perspectiva sistêmica.

A metodologia definida é de natureza quanti-qualitativa, utilizando, para análise dos resultados, a estratégia de triangulação de métodos (Minayo, 2005). Os dados documentais avaliados, a exemplo dos regis-tros das denúncias de assédio moral, do absenteísmo-doença ou do acidente de trabalho, contribuem na identificação de riscos psicossociais e na realização de intervenções psicossociais sistêmicas.

A partir da conclusão exitosa de um projeto piloto, em 2006, outras intervenções vêm sendo realizadas, contribuindo para a definição de parâmetros desse modelo. Para a realização do projeto, foram considerados, especificamente, o absenteísmo prevalente, independentemente do tipo de patologia, e a área com o maior número de ocorrências. À medida que vêm sendo realizadas novas ações interventivas, outras variáveis que sinalizam riscos psicossociais são estudadas.

Um dos objetivos da proposta de intervenção psicossocial sistêmica é construir e consolidar uma rede de apoio interna que garanta espaços confidenciais de fala, o cuidado das vítimas e também dos algozes nas situações de assédio moral no trabalho, além de identificar, reduzir fatores dificultadores ou de risco e os danos psicossociais.

Quais as principais etapas?

A intervenção psicossocial sistêmica é realizada em quatro etapas distintas. A primeira é a diagnóstica. Inicia com o acolhimento da denúncia de assédio moral ou pela avaliação por outros meios e indicadores de riscos psicossociais. A segunda é a pré-interventiva. Nessa etapa, são apresentados os dados coletados e a análise dos resultados obtidos com todos os entrevistados, inclusive o gestor. Na terceira, os participantes validam os achados do diagnóstico ao mesmo tempo em que sugerem melhorias. Ainda nessa etapa, são legitimados os temas e procedimentos da etapa de intervenção psicos-social sistêmica. Trata-se de uma etapa flexível, podendo inserir diversos atores sociais, tais como: familiares dos trabalhadores envolvidos, sindicatos, representantes de categoriais profissionais, Ministério Público do Trabalho, Cerest (Centros de Referência em Saúde do Trabalhador), Justiça do Trabalho e outros órgãos de suporte aos trabalhadores.

A quarta e última etapa, pós-interventiva, refere-se à devolutiva das etapas anteriores. Nesse ponto, ocorrem os compromissos assumidos pela gestão, representando a empresa, os resultados obtidos a partir dos indicadores previamente definidos e mensurados e a avaliação de todo o processo.

Ao final de cada etapa, há uma avaliação da queixa de assédio moral que deflagrou a intervenção, considerando, principalmente, os envolvidos e suas interações. Além disso, não se pode esperar a conclusão de todas as etapas para os encaminhamentos que se façam necessários, a fim de se garantir as condições de saúde e segurança, especialmente de quem se encontra vulnerável.

Etapa diagnóstica

As principais entradas para a realização do modelo interventivo sistêmico nos casos de assédio moral são as denúncias de testemunhas, da própria vítima e até de seus familiares. Há ainda acusações representadas por equipes de trabalho ou gestores, principalmente nos casos do assédio moral ascendente. São tratadas também as denúncias formais em órgãos de apoio ao trabalhador, como o Ministério Público do Trabalho, desde que a empresa seja notificada.

Para cada queixa de trabalhador, a qual pode ser configurada desde um desconforto até um caso clássico de assédio moral, faz-se necessário considerar fatores mais amplos e que extrapolam os muros da organização. É preciso analisar aspectos específicos da alegada vítima, tais como sua avaliação de desempenho, as medidas disciplinares adotadas, a possibilidade de ascensão e os fatos relatados. Ademais, é imprescindível uma

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percepção mais sistêmica sobre o indivíduo: requisitos de personalidade, de sua história de vida, suas condições de saúde e doenças prevalentes, danos psicossociais, repercussões em sua dinâmica familiar, dentre outros fatores (Caldas & Caldas, 2016).

Antes mesmo de coletar mais informações sobre a queixa específica, realiza-se uma análise documental relativa à área onde a suposta vítima e os demais envolvidos estão lotados. São analisados: dados brutos epidemiológicos do absenteísmo-doença, os quais contêm as patologias prevalentes, inclusive por Grupos F (CID-10); acidentes de trabalho; avaliação de desempenho da equipe e do gestor...

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