Intervenções no espaço possível de ação: princípios e estratégias básicas no combate ao assédio moral e organizacional

AutorLis Andrea Pereira Soboll
Páginas33-46

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Aqui não serão encontradas teorias sobre intervenções ou uma revisão de publicações, pesquisas e literaturas que abordam as intervenções em assédio moral. Nem mesmo serão listados os métodos científicos propostos para estes casos. Descolando dos modelos mais acadêmicos dos nossos textos anteriores, o material aqui apresentado é direcionado a profissionais e aborda questões práticas. Apresentaremos alguns princípios e estratégias básicas para o desenvolvimento de ações de combate ao assédio moral e de promoção da dignidade no trabalho, considerando os espaços possíveis de ação. Importa esclarecer que as considerações sobre intervenções descritas são aplicáveis na prática profissional daqueles que atuam na gestão, sendo parte da equipe interna ou ainda consultor externo. Também é um material relevante para profissionais de outros âmbitos de ação (clínico, jurídico e sindical) por evidenciar as potencialidades e os limites das ações nos intramuros da organização.

Os princípios e as estratégias de intervenção que serão apresentados foram sistematizados como resultado de experiências de consultoria externa, desenvolvido majoritariamente em empresas ou órgãos públicos1.

Seu caráter compartilhável pauta-se na apresentação de princípios e de estratégias norteadoras válidas em qualquer realidade, enquanto alertas e elementos inspiradores de ação.

Princípios norteadores

Tomando como referência a experiência de 10 anos na trativa do assédio moral, é possível elencar alguns princípios básicos utilizados na experiência prática de consultoria voltada ao desenvolvimento de políticas de combate ao assédio moral.

1. É primordial o reconhecimento de que o assédio moral é um problema real no cotidiano do trabalho contemporâneo e passível de ocorrer em qualquer realidade

Um dos grandes desafios para o desenvolvimento de intervenções organizacionais é o convencimento das estruturas de mando e comando para a aceitação de projetos com o tema do assédio moral. Há um receio de que, ao tratar abertamente o tema, situações de assédio aparecerão ou ainda a abordagem pode ser entendida como o reconhecimento de ocorrência de casos e das responsabilidades por parte da empresa. De fato, tendo autorizado a discussão, relatos antes silenciados podem se tornar evidentes, o que não significa que aumentaram as ocorrências de assédio e sim sua visibilidade. Significa apenas que casos existentes e importantes estavam escondidos, que uma intervenção pode sim aumentar sua visibilidade. Em algumas circunstâncias a divulgação do tema pode causar efeito contrário: diminuir relatos e demandas relativas ao assédio moral, como efeito dos esclarecimentos sobre a diferença entre o assédio moral e as práticas lícitas e adequadas de gestão (não abusivas), que nem sempre agradam a todos.

Se o problema existe ele precisa ser identificado para ser tratado. Intervenções que começam com receio de que as ocorrências tenham visibilidade correm

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o risco de terem como produto final apenas discursos dissimulados e não esforços reais para a melhoria das relações no trabalho.

Ainda que casos concretos de assédio moral não tenham visibilidade numa organização específica, o tema deve ser objeto de intervenção em todas as realidade. Argumentos que sustentam esta afirmação precisam ser apresentados às estruturas de mando e comando capacitadas a autorizarem tais intervenções. Dados estatísticos e aparatos legais podem evidenciar, até para os mais resistentes, que o assédio moral é real e demanda, na melhor das hipóteses, prevenção. Nestas circunstâncias, recomenda-se o uso de dados internos (afastamentos por saúde, absenteísmo, pesquisa de clima, denúncias formais e informais, pedido de troca de setor ou desligamento, denúncias no sindicato, diagnósticos de assédio) ou externos (a exemplo dos índices de violência no trabalho mapeados pela OIT, ou dos afastamentos do trabalho por problemas de saúde mental indicados pelos INSS, ou dos casos de ajuste de conduta no Ministério Público do Trabalho, ou de casos na mídia ou na Justiça do Trabalho e também dados de pesquisas científicas). Impressiona o volume de informações e dados gerados pelas empresas. Mas assusta observar como estes dados não são analisados em seu conjunto, ficando segmentado e oferecendo sempre uma visão parcial do que ocorre na organização.

Além dos dados, importa evidenciar todos os dispositivos legais (internos e externos) que implicam na responsabilização da organização pelos casos de assédio moral e portanto, do imperativo da necessidade de prevenir e combater estas situações. Todas as organizações, sem excessão, precisam instruir seus integrantes a respeito desta forma de violência cada vez mais insidiosa e danosa. Importa reconhecer que, em todos os locais de trabalho o assédio moral (interpessoal e organizacional) é passível de se fazer presente, seja de maneira mais evidente ou sutil. E sendo assim cabe às próprias organizações a prevenção e o gerenciamento dos casos, inclusive diante da Justiça, ainda que sejam casos de assédio interpessoal.

E se os superiores desconsiderarem esta realidade? Em geral os planos de ação das empresas (públicas e privadas) são mobilizados por referenciais de resultados, de mercado ou pelas normas e leis vigentes. Por vezes é necessário justificar na lógica econômica, jurídica, legal e adminstrativa a real demanda de se trabalhar a problemática do assédio moral e organizacional dentro das organizações. Infelizmente os discursos relativos ao respeito ao ser humano no contexto de trabalho, em geral, não são suficientes para a aprovação de projetos de intervenção em assédio moral, na nossa realidade. Sendo assim, importa evidenciar o custo de um dia de trabalho perdido, o valor das indenizações na Justiça ou ainda o prejuízo na produção ou no valor da marca ou da imagem! Não raras vezes as empresas se mobilizam frente a esta problemática somente quando enfrentam denúncias concretas no sindicato, no Ministério Público do Trabalho ou por demandas na Justiça do Trabalho.

De qualquer forma há como trabalhar com a problemática do assédio moral por meio de intervenções de sensibilização, abordando temas mais amplos como ética, respeito, conflitos, liderança entre outros. Isso também se justifica uma vez que as intervenções precisam ter caráter de promoção de relações mais saudáveis, com compromisso pelo respeito e pela dignidade no trabalho. No entanto, sempre que possível, recomenda-se o uso do termo assédio moral explicitamente, de forma nominada e transparente para que sejam mais efetivos seus resultados.

Sem o consentimento e o reconhecimento da alta hierarquia da necessidade de tratar esta problemática, todo o restante da intervenção pode ficar comprometida ou interrompida. A legitimidade e a implantação de uma política depende sim deste compromisso institucional com a promoção da dignidade e do respeito no trabalho, no desenvolvimento de uma política de combate ao assédio moral, nominada e aplicável a todos. Como este panorama nem sempre faz parte da realidade das organizações, é possível desenvolver ações pontuais de sensibilização sobre a problemática, partindo para temas correlatos, os quais, ainda que bastante limitadas, permitem a insersão de algumas reflexões iniciais sobre o assédio, para, quiça, posteriormente instituir uma política específica.

2. Faça a melhor intervenção possível, no espaço de ação que se tem

Algum lugar é melhor do que lugar nenhum. Se o espaço de ação é pequeno então existe um espaço a ser ocupado, ainda que seja pequeno. As intervenções precisam sair dos modelos ideais que cabem tão perfeitamente nos projetos e até nos esquemas conceituais e acadêmicos. Precisamos de ações reais nos espaços vitais e viáveis para que a transformação da realidade aconteça, ainda que tenha impacto a um grupo restrito apenas. Portanto qualquer oportunidade é uma oportunidade de intervir visando melhores relações no trabalho, ou, minimamente, a redução de danos. Mas vamos examinar com mais cuidado esta questão.

Pensando em ações dentro da gestão organizacional é essencial que haja uma análise panorâmica do lu-

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gar que se ocupa e dos espaços efetivos de ação. Talvez a intervenção de alguns fique restrita a ter relações mais leais, de reconhecimento e menos conflitivas ou ainda dar apoio a pessoas alvo de hostilizações, impactanto realidades individuais e muito particulares.

Mas se o bojo do rol das tarefas ocupacionais contemplar ações de saúde, de decisões estratégicas, de gestão de pessoas ou na ouvidoria, então há muito mais a ser feito! Este alerta é importante pois profissionais de gestão de pessoas ou ainda da área de saúde têm clareza dos limites reais das suas ações e facilmente se deparam com a falta de esperança, com o sentimento de impotência. Quando acolhem relatos de assédio, acompanhados de sofrimento e adoecimentos, geralmente em estágios mais graves e prolongados, tais profissionais encontram barreiras na complexa realidade para efetivar encaminhamentos ou soluções. Acreditam que é nos espaços de ação da alta hierarquia ou de um consultor externo que está a possibilidade de resolução destes conflitos, pensando muitas vezes não ser possível apresentar nenhum tipo de resposta. De fato é imprescindível ter clareza dos limites para que não haja desgaste em caminhos estéreis e nem mesmo sofrimento ético relacionado a culpa de não conseguir fazer aquilo que acreditava que era possível. Usar o...

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