Grupo de apoio psicológico a vítimas de assédio moral no trabalho: uma proposta de intervenção

AutorSuzana da Rosa Tolfo/Júlia Gonçalves/Priscila Gasperin Pellegrini
Páginas87-101

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Historicizando o projeto de extensão e o grupo de apoio psicológico a trabalhadores assediados moralmente no trabalho

O desenvolvimento de trabalhos relacionados ao assédio moral iniciou, a partir do ano de 2007, quando foi firmada a parceria entre a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego do Estado de Santa Catarina (SRTE/SC), por meio de ações acordadas entre o Departamento de Psicologia da UFSC e a Comissão de Combate à Discriminação da SRTE/SC. Inicialmente foi realizada uma pesquisa com dados estatísticos oriundos de processos de trabalhadores denunciantes aos serviços da SRTE. Com este levantamento, foi possível constatar que os trabalhadores desconheciam o assédio moral no trabalho e, aqueles com baixo nível de escolaridade, não denunciavam a ocorrência desta violência. Com base nestes resultados, decidiu-se elaborar diver-sas ações, dentre elas, organização de eventos, cartilha sobre o tema, banners informativos, projetos de cursos e palestras.

Desta parceria resultou, em 2009 a realização do I Seminário Catarinense de Prevenção ao Assédio Moral no Trabalho. O evento teve o objetivo de divulgar medidas de prevenção ao assédio moral no trabalho, resultados de pesquisas, além de debater as consequências para a saúde do trabalhador. Nos anos seguintes, em edições bianuais, foram organizados os II, III e IV Seminários Catarinense de Prevenção ao Assédio Moral no trabalho nos anos de 2011, 2013 e 2015, respectivamente. Na última edição ocorreu concomitante ao III Congreso Iberoamericano sobre Acoso Laboral y Institucional, sediados na UFSC. A iniciativa da SRTE/SC em inserir o debate e ações voltadas à saúde e à segurança dos trabalhadores no Fórum de Saúde e Segurança do Trabalho de Santa Catarina resultou na formação do “Grupo de Estudos e Ações de Prevenção ao Assédio Moral no Trabalho” com a participação de representantes de diversos órgãos, da própria SRTE/SC e UFSC, do Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina (MPT/SC), da Associação Catarinense de Engenharia de Segurança do Trabalho (ACEST), do Serviço Social da Indústria de Santa Catarina (SESI/SC), da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho. (FUNDACENTRO/SC), de entidades patronais e de representações de trabalhadores.

Com a constatação da falta de informação sobre o assédio moral no trabalho e suas repercussões para a saúde do trabalhador, os profissionais da SRTE/SC, da UFSC e acadêmicos de graduação e de pós-graduação em Psicologia e em Administração elaboraram um projeto de extensão intitulado “Prevenção e combate ao Assédio Moral no Trabalho para a promoção da saúde do trabalhador” aprovado no Programa de Extensão Universitária (PROEX) do Governo Federal. A sua execução privilegiou a elaboração de cartilha informativa sobre o tema e o planejamento e execução de um Grupo de Apoio Psicológico para trabalhadores assediados moralmente no trabalho. Em 2011, realizou-se o primeiro grupo, e desde então estes ocorrem semestralmente. Inicialmente o atendimento nos grupos foi voltado para servidores da UFSC, porém foi ampliado para a comunidade devido à procura de trabalhadores de diferentes organizações.

No ano de 2016 foi fundado o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Processos Psicossociais e de Saúde nas Organizações e no Trabalho (NEPPOT) no Departamento de Psicologia e o projeto “Prevenção e Combate

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ao Assédio Moral no Trabalho para promoção da saúde do trabalhador” integra as atividades deste Núcleo.

A intervenção: grupo de apoio às vítimas de assédio moral no trabalho

A Psicologia tem entre seus principais objetos de estudo os processos (ou fatores) psicossociais, ou seja, são aqueles referentes à interação entre indivíduo e seu entorno social (Ministerio de Empleo y Seguridad Social de la España, 2012) e que podem ser favoráveis ou de risco. Aqueles que são favoráveis contribuem para o desenvolvimento da atividade laboral e favorecem a qualidade de vida das pessoas, as relações de trabalho e a produtividade. Compreende-se que a percepção de sofrimento por assédio moral no trabalho se constitui em fator de risco, e que trabalhar em grupo é uma forma de buscar fortalecer a compreensão e estratégias coletivas de enfrentamento às situações de estresse ou de adoecimento do trabalhador.

Antes de descrever a intervenção que vem sendo realizada, é importante destacar que existem diversas definições de grupos conforme as diferentes perspectivas teóricas em psicologia, mas é possível afirmar, de uma forma geral, que:

“Um grupo consiste de duas ou mais pessoas que interagem e partilham objetivos comuns, possuem uma relação estável, são mais ou menos independentes e percebem que fazem de fato parte de um grupo” (Rodrigues et al, 1999,
p. 371).

Nesta intervenção, o grupo se configura como espaço de escuta, troca de experiências e ideias, compartilhamento de informações, esclarecimentos sobre a temática e auxílio na construção de estratégias de enfrentamento. O primeiro grupo, pelo ineditismo da proposta, foi majoritariamente conduzido pela professora coordenadora do projeto em conjunto com alunos de graduação em Psicologia. Os demais grupos contaram com coordenação de dois ou três acadêmicos, da graduação e pós graduação, com supervisão semanal em que eram realizadas a discussão dos casos, o planejamento e escolha das técnicas que melhor se adequariam para a dinâmica semanal do grupo. As perspectivas teóricas adotadas privilegiaram aportes do Psicodrama, da Gestalt, das técnicas de dinâmica de grupo e do construcionismo social, dependendo, principalmente, da abordagem dos acadêmicos que estavam responsáveis pela condução do grupo.

Em todos os grupos houve a preocupação em criar um ambiente de conversa e de trocas de experiências entre os participantes sobre suas situações de assédio moral no trabalho. Este contexto visava propiciar melhor entendimento acerca do assunto e facilitar a construção de estratégias de enfrentamento às dificuldades encontradas pelos trabalhadores que, muitas vezes, encontravam-se com sua saúde afetada pela violência vivenciada no ambiente de trabalho.

Nessa seção é realizada a descrição do planejamento e desenvolvimento das atividades dos grupos de apoio aos trabalhadores em sofrimento psicológico no trabalho, decorrente de situações de assédio moral. Optou-se por descrever desde como é realizada a divulgação do grupo e os aspectos relacionados a organização, até apresentar o protocolo dos encontros. São expostos os materiais utilizados no decorrer das etapas com o objetivo de ilustrar as atividades e de apresentar referências para a construção e desenvolvimento de outros grupos.

Divulgação

A primeira etapa para estruturação de um novo grupo de apoio a vítimas de assédio moral no trabalho é a preparação do material para divulgação. Para isto, elabora-se um texto com as informações sobre a atividade proposta, que é editado com uma arte gráfica. Normal-mente é definido um prazo de aproximadamente dois meses para as inscrições. Neste período são utilizados como fontes de divulgação: (1) cartazes distribuídos nos Centros de Ensino da universidade; (2) publicações no facebook e no site da instituição; (3) e-mails de divulgação para contatos disponíveis em banco de dados, que inclui participantes de pesquisas já realizadas por membros do NEPPOT e dos grupos de apoio anteriores; (4) notícia pelo Divulga UFSC (divulgação para membros da comunidade universitária) e; (5) e-mails para servidores docentes e técnico-administrativos da universidade, sindicatos e para o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST/SC).

Para as primeiras divulgações avaliou-se que poderia haver resistências e dificuldades para que as pessoas viessem às entrevistas, caso fosse mencionado diretamente o assédio moral, até então pouco abordado na universidade. Optou-se por elaborar uma forma de divulgação mais abrangente como explicitado na Figura
1. À medida em que as demais atividades de informação tornaram o tema mais conhecido, foi elaborada uma divulgação na qual o tema, assédio moral no trabalho, está explicitado, como ilustrado na Figura 2.

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Contato dos participantes

Durante o período de divulgação e inscrição, foram recebidos e-mails tanto com dúvidas sobre o tema, quanto manifestações de interessados em participar do grupo. Alguns emails são sucintos, como: “Sou servidor e preciso de ajuda. Estou com pedido de remoção e sem um horizonte”, outros são formais, mais elaborados, com informações detalhadas sobre a situação de assédio moral no trabalho. Por diversas vezes, as pessoas relataram o interesse em participar do grupo, após o contato para agendar a entrevista inicial, o retorno demorava vários dias e até semanas. Nas entrevistas alguns trabalhadores relataram ter recebido o convite em semestres anteriores, mas demoraram para “criar coragem” de procurar ajuda. Nas diferentes edições dos grupos, aproximadamente 20 a 30 pessoas entram em contato para obter mais informações sobre a temática, participar do grupo ou apoiar a proposta. Destes, menos da metade respondem ao e-mail de agendamento da entre-vista inicial e, via de regra, são realizadas cerca de 10 entrevistas individuais.

Local

A escolha do lugar para realização dos grupos deve-se a diversos fatores, tais como a temática envolvida, a disponibilidade de espaço adequado, a vinculação dos coordenadores e acadêmicos com a universidade e o vínculo de trabalho dos participantes. Especialmente nos dois primeiros grupos, compostos prioritariamente por servidores da própria universidade, buscou-se garantir a realização das...

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