Consultoria interna em conflitos no trabalho: prevenção do assédio moral no hospital de clínicas da UFPR

AutorMaria da Penha Simões Pedrosa/Patrícia Borim da Silva Pereira/Angélica Kasprik Vidal/Paula Mansur Lago Echterhoff
Páginas59-76

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1. Apresentação

Este capítulo tem por objetivo relatar a experiência do Serviço de Consultoria Interna (SCI1) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/ UFPR), no período de 2008 a 2014. Trata-se de um hospital público com demanda crescente a pacientes de médio e alto risco, recursos financeiros e humanos deficitários, o que propicia elevado nível de estresse aos trabalhadores da saúde.

A consultoria foi implantada no ano de 20082, como uma atividade ligada à chefia da Unidade de Administração de Pessoas (UAP3).

A iniciativa indicou sensibilização da instituição para com a qualidade de vida dos seus trabalhadores no ambiente de trabalho. Para tanto, formou uma equipe de consultores voltada, na ocasião, para apoiar as lideranças formais da instituição nos aspectos jurídico, administrativo e comportamental relativos aos servidores e funcionários, na tentativa de resolver ou minorar as dúvidas recorrentes apresentadas pelas lideranças formais do hospital, sobretudo as de menores níveis hierárquicos e para lidar com os conflitos existentes, dentre eles as situações de assédio moral4.

Tais dúvidas geravam informações contraditórias e/ou postergação de decisões relativamente simples.

O diagnóstico inicial era de que as lideranças precisavam: 1) dispor de um guia de orientações jurídico-administrativas de fácil acesso para se tornarem mais seguras, autônomas e resolutivas e 2) de formação continuada para o seu desenvolvimento gerencial, com temas relativos ao exercício da liderança, tais como: tipos de liderança, comunicação, ética, gerenciamento de conflitos profissionais e assédio moral, trabalho em equipe, entre outros.

A primeira intervenção da Consultoria começou com a elaboração de um “Guia Prático de Gestão de Pessoas” para responder as demandas de teor jurídico-administrativo, com as seguintes etapas:

a. Levantamento das dúvidas recorrentes5, assim como das informações e anotações existentes sobre o assunto, aproveitando o conhecimento acumulado dos colegas de trabalho.

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b. Compilação, organização e reescrita do material coletado, de forma didática, dando origem a um “Guia piloto” que foi testado junto a algumas lideranças formais que se propuseram a participar dessa fase da sua elaboração. Nesse processo, o “Guia” sofreu ajustes diversos, inclusive na linguagem e na inclusão e/ou exclusão de temas, com rica troca de experiência geradora de aprendizagem mútua.

c. Divulgação e distribuição do documento finalizado, em reunião do Conselho Diretivo, a todos os presentes para consulta e orientação às suas respectivas Unidades Funcionais.

Essa primeira intervenção favoreceu o aumento da autonomia das lideranças, tendo como consequência, a redução do número de consultas à UAP. Evidenciou a importância e a necessidade das chefias terem em mãos informações padronizadas, de fácil acesso e consulta, retirando delas o “peso” de serem suspeitas e/ou acusadas de fornecerem informações contraditórias e/ou de tomarem decisões arbitrárias, supostamente favorecendo alguns membros da equipe em detrimento de outros. Conduta esta que constituiria uma linha tênue entre o exercício do poder diretivo6 e assédio moral7. Evidenciou também a importância, para a receptividade e validação do trabalho, de partir das demandas específicas do HC e de aproveitar a experiência e produção preexistentes o que foi fundamental para a receptividade e validação do trabalho.

Em contrapartida, as demandas de caráter comportamental pareciam aumentar. A maioria delas era trazida pelas chefias e comumente atribuídas: à cultura da instituição, a conflitos interpessoais decorrentes da existência de vínculos empregatícios diferentes8; ao quadro reduzido de trabalhadores agravado por afastamentos e restrições laborativas; ao aumento da carga de trabalho sem a correspondente reposição de trabalhadores; à politização crescente dos trabalhadores; às acusações mútuas de suposta prática de assédio moral ascendente, descendente e entre pares9.

Ante tais dificuldades, algumas das lideranças diziam sentir-se impotentes e inclinadas a adotar uma gestão laissez-faire10 pressupondo que, com essa conduta, se estressariam menos e que as coisas acabariam se resolvendo por si só e também que, evitando atritos, ficariam menos vulneráveis a acusações de assédio. Trata-se, contudo, de dois pressupostos equivocados, uma vez que, primeiro, conflitos não se resolvem sozinhos, por passe de mágica e, ao contrário do que se pensa, pioram se não forem enfrentados (PICKERING, 2002, ARGYRIS, 1992). Segundo, a permissividade da chefia comumente gera efeito oposto ao por ela pretendido, entre eles: insatisfação na equipe; prejuízo para o serviço; deteriorização das relações de trabalho; percepção por parte da equipe de estar à deriva; sobrecarga, sofrimento e sentimento de injustiça nos trabalhadores.

Nesse contexto, era comum parte da equipe subordinada criticar as chefias por omissão e por falta de diálogo, de assertividade, de critérios justos, de resolutividade, entre outros. Muitas vezes, contudo, tais críticas

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apresentavam contradições, distorções e visão parcial e, muitas vezes, indiferenciada da realidade, apontando para a necessidade de serem iluminadas por uma discussão construtiva em torno do problema, na tentativa de sair da indiferenciação para a integração que torna possível a resolução do problema, ainda que nem sempre sejam alcançadas soluções plenas. Isso porque, alguns conflitos não podem mesmo ser resolvidos na situação presente, pois envolvem outras variáveis que transcendem possibilidades e recursos das partes conflitantes. Que fazer? As táticas de diálogo, atentando sobretudo para a de resolução de problemas, permitem descobrir alternativas de controle do conflito. Uma vez conscientizada a situação real de impotência, uma decisão prática prevalece: manter o conflito, bem delineado e compreendido, sob controle de ambas as partes. Isto é preferível a insistir em esforços estéreis e desgaste emocional inócuo para vencer algo que está além das forças de ambos. (MOSCOVICI, 2004, p. 13).

Um aspecto que merece destaque nas queixas é que a competência técnica das partes raramente era questionada. A competência relacional, contudo, era frequentemente colocada em questão.

Interessante não negligenciar que exercer posição de chefia não é tarefa fácil e por isso requer, além de aprimoramento permanente dos que ocupam tais cargos sobre temas relacionados ao exercício da liderança, respaldo e apoio emocional.

Outro aspecto importante a considerar é que qualquer que seja a conduta da chefia, mesmo a de omissão, pode produzir danos importantes, constituindo por isso um tipo de assédio – organizacional – que compromete não apenas a chefia, mas a própria imagem da organização, no momento em que o assédio cria um ambiente profissional instável que acaba por comprometer o desempenho daquele que sofre a agressão dos demais que estão ao redor, assim como contribui para o surgimento de problemas ligados à relacionamentos interpessoais e acima de tudo produtividade. (BUENO, 1988; SOUZA, 2008 apud GUERRA, BACCHI e PINTO, 2011, p. 3).

Vale também destacar os custos financeiros decorrentes de processos judiciais11 movidos pelas vítimas, além do seu sofrimento/adoecimento.

Daí porque é de fundamental importância a atuação da organização no sentido de impedir a prática de assédio nas suas dependências, atentando, em especial, para o exercício do poder diretivo utilizado pelas suas lideranças formais, cuja prática é crucial para reduzir a violência no trabalho. Isso requer “revisão dos seus métodos de gestão e a adoção de estratégias de enfrentamento e evitação de situações de violência.” (MARTININGO FILHO, 2004 apud CLDF, 2008, p. 19).

Glina e Soboll (2012), refletindo sobre a relação entre tipos de lideranças e assédio, tomam por base diversos autores para afirmarem que a liderança laissez faire – tanto quanto a destrutiva, autocrática, não contingente, por conflito, desinteressada – somadas à carga de trabalho, ao clima competitivo, à alta dependência de cooperação, à falta de clareza sobre a estrutura de comando, aos altos níveis de ambiguidade, entre outros, são considerados potenciais precursores do assédio moral. As autoras afirmam também que existem problemas ligados à organização do trabalho que favorecem o assédio moral interpessoal no trabalho, quais sejam “a falta crônica de pessoal, pesados constrangimentos no trabalho, tarefas mal definidas, excesso de hierarquia, instruções insuficientes, métodos de trabalho inadequados e falta de informação” (GLINA E SOBOLL, 2012, p. 277). Além disso, as referidas autoras citam outros tantos pesquisadores que apontam para a relação entre comportamentos agressivos e mudanças organizacionais, tais como a introdução de uma nova tecnologia, a flexibilização da produção, o downsizing e a reestruturação produtiva, que podem resultar na precarização do trabalho e no medo de perder o emprego (...). A terceirização e a multiplicação de subsidiárias com traços culturais diferentes podem produzir situações que levem à negligência de características humanas e locais dos empregados (GLINA E SOBOLL, 2012, p. 277).

O assédio moral é, portanto, muito mais complexo do que comumente se entende. Circunscrevê-lo ao âmbito das relações interpessoais dissociadas da forma con-

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temporânea de interação social e dos modos de gestão e organização do trabalho reduzem as possibilidades de compreensão do fenômeno na sua complexidade. Nessa perspectiva – sem desconsiderar que existem pessoas que perseguem, humilham, ameaçam, constrangem, comunicam-se de forma violenta, entre outros comportamentos abusivos – nem todos os conflitos podem ser explicados, exclusivamente, a partir de...

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