Capítulo 10 - Condições da ação

Páginas315-388
CAPíTUlO 10
CONDIÇÕES DA AÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Na vigência do CPC/73, as condições da ação eram elementos processuais essen-
ciais para o desenvolvimento regular do processo e eventual julgamento do mérito
(legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica). A ausência de
qualquer uma das condições da ação causava a extinção do processo sem julgamento
de mérito (art. 267, VI, CPC/73).
Note-se, contudo, que essa regra não foi reproduzida no CPC/15. O art. 17, do
atual código, estabelece que para postular em juízo é necessário ter interesse e legi-
timidade. O CPC/15 separou os requisitos das condições da ação alocando-os em
pressupostos processuais e questão de mérito.1 Assim, interesse de agir e legitimidade
ad causam extraordinária passaram a ser tratados como pressupostos processuais,
sendo a ausência desses elementos causa de indeferimento da inicial, consoante art.
330, II e III, do CPC/15. Já a possibilidade jurídica da demanda e a legitimidade ad
causam ordinária passou a integrar o próprio mérito.2 A bem da verdade, diga-se, tal
modif‌icação não é mérito do CPC/15, pois já era entendimento assente na doutrina.
Apesar de entender que não há mais a categoria jurídica autônoma das condições
ao legítimo e regular exercício do direito de ação, isso não implica dizer que as partes
1. “A legitimidade e o interesse passarão, então, a constar da exposição sistemática dos pressupostos processuais
de validade: o interesse, como pressuposto de validade objetivo intrínseco; a legitimidade, como pressuposto de
validade subjetivo relativo às partes.” DIDIER JR., Fredie. http://www.frediedidier.com.br/artigos/condico-
es-da-acao-e-o-projeto-de-novo-cpc/. Acesso em 08.11.2017.
2. “Não signif‌ica que a possibilidade jurídica do pedido deixou de existir, mas, sim, que ela passou a ser tratada
como aquilo que, em conformidade com a doutrina contemporânea, verdadeiramente é, ou seja aspecto
inerente ao próprio mérito da pretensão deduzida em juízo.” BARROS LEONEL, Ricardo de. Manual do
Processo Coletivo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 225
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CURSO DE PROCESSO COLETIVO • Fabrício bastos
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deixam de demonstrar tais requisitos e que o juiz não deve mais exigi-los.3 Implica
dizer que não serão mais qualif‌icados juridicamente como condições da ação, porém
mantive o tópico com este título para f‌ins didáticos. Por f‌im, vale mencionar a exis-
tência de uma divergência doutrinária sobre o tema. Para uma 1a tese, com o advento
do CPC/15 houve o f‌im dessa categoria jurídica autônoma, como já exposto. Com a
adoção desta tese, há um problema que carece de solução: com o f‌im dessa categoria,
os elementos que antes a compunham devem receber nova qualif‌icação jurídica. As-
sim, a possibilidade jurídica vai para o mérito, assim como a legitimidade ad causam
ordinária. O interesse processual e a legitimidade ad causam extraordinária vão para
os pressupostos processuais. Para uma 2ª tese, que se demonstra majoritária, não
houve o f‌im desta categoria jurídica diante da não reprodução do termo “condições
da ação”. Permanece, no ordenamento jurídico, esta categoria jurídica autônoma,
mas com a transferência da possibilidade jurídica para o mérito.4
2. POSSIBILIDADE JURÍDICA DA DEMANDA COMO ELEMENTO DO MÉRITO
A possibilidade jurídica deixou ser elemento da ação e passou a ser tratada como
questão de mérito, com o advento do CPC/15. Entende-se por possibilidade jurídica
a ausência de vedação expressa no ordenamento acerca dos elementos presentes na
própria demanda (partes, pedido e causa de pedir). Não podemos admitir a ideia
de que a possibilidade jurídica f‌ique adstrita somente ao pedido, pois o seu âmbito
estende-se a todos os elementos da demanda, ou seja, as partes, os pedidos e a causa
de pedir deverão observar as restrições existentes no ordenamento jurídico. Tudo o
que não tiver vedação expressa no ordenamento será juridicamente possível. Não
podemos, portanto, confundir ausência de regulamentação de determinado tema
com a impossibilidade jurídica.5 Ora, se determinado tema ventilado na demanda
não for abrangido por qualquer forma de regulamentação, haverá possibilidade ju-
rídica e o magistrado deverá buscar em outras fontes do Direito a solução adequada
3. “É o conceito “condição da ação” que seria eliminado. Aquilo que por meio dele se buscava identif‌icar permaneceria
existente, obviamente. O órgão jurisdicional ainda teria de examinar a legitimidade, o interesse e a possibilidade
jurídica do pedido. Tais questões seriam examinadas ou como questões de mérito (possibilidade jurídica do
pedido e legitimação ad causam ordinária) ou como pressupostos processuais (interesse de agir e legitimação
extraordinária).” DIDIER JR., Fredie. http://www.frediedidier.com.br/artigos/condicoes-da-acao-e-o-pro-
jeto-de-novo-cpc/. Acesso em 08.11.2017.
4. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;
MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Ed. RT, 2015. CÂMARA, Alexandre Freitas. “Será o f‌im da categoria ‘condição da ação’? Uma resposta a
Fredie Didier Junior”. Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, julho 2011, v. 197, p. 261-269. NEVES, Daniel
Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016.
5. “Como se sabe, a possibilidade jurídica do pedido deve ser compreendida no sentido negativo, como au-
sência de vedação no ordenamento quanto à espécie de provimento que o autor pretende com a ação. Não
pode ser contemplada no sentido positivo, como necessidade de expressa previsão da providência, sendo
inviável exigir do legislador que estabeleça previamente, e de forma hipotética, pedidos em tese amoldáveis
a todas as situações da vida.” BARROS LEONEL, Ricardo de. Manual do Processo Coletivo. 4ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2017, p. 256.
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CAPÍTULO 10 • CONDIÇÕES DA AÇÃO
para tanto, pois lhe é vedado o non liquet, ou seja, a prestação da tutela jurisdicional
é indeclinável (art. 140, CPC).
Neste aspecto, são relevantes alguns temas diretamente atrelados à tutela ju-
risdicional coletiva, tais como: matéria tributária, controle de constitucionalidade,
controle judicial de políticas públicas, relativização da coisa julgada, reparação por
danos morais coletivos e habeas corpus coletivo.
O magistrado, na fase de recebimento da inicial, ao verif‌icar a presença da
impossibilidade jurídica da demanda (em todos os seus elementos: partes, pedido
e causa de pedir), deverá julgar liminarmente improcedente a demanda (art. 332,
CPC), por ser tratar de hipótese atípica de improcedência liminar.6
2.1. Matéria tributária, contribuições previdenciárias, FGTS ou outros fundos
Com relação à tutela coletiva evolvendo matéria tributária, não é juridicamente
possível, em sede de ação civil pública, pedido envolvendo matéria tributária. Isto
porque a Medida Provisória 2.180/01 incluiu o parágrafo único no art. 1º da LACP
determinando que não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que
envolvam tributos, contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos benef‌iciários po-
dem ser individualmente determinados. Tal previsão é objeto, com a devida razão,
de severas críticas da doutrina.7
A vedação prevista nesta norma padece de claro vício de inconstitucionalida-
de, com base nos seguintes argumentos: a) limita, de certa forma, as atribuições do
Ministério Público, pois estas somente poderão ser objeto de regulamentação por
meio de lei complementar, conforme preconiza o art. 128, § 5º, CR/88. Ademais, a LC
75/1993, de forma expressa, em seu art. 5º, II, a e d prevê a atuação ministerial para
a tutela do sistema jurídico nacional e da seguridade social;8 b) viola o princípio do
acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CR/88), pois impede que tais matérias sejam resolvi-
das pelo Judiciário, por meio das demandas coletivas que são, por essência, a correta
6. “Acrescente-se que, embora o Código de Processo Civil/2015, ao tratar da improcedência liminar do pedido,
não tenha feito referência expressa à impossibilidade jurídica, isso não signif‌ica que o juiz não possa, num
processo, rejeitar liminarmente a pretensão do autor se constatar, de forma manifesta, que o pedido por
ele deduzido conf‌lita frontalmente com expressa proibição contida no ordenamento jurídico.” BARROS
LEONEL, Ricardo de. Manual do Processo Coletivo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 255.
7. “a mais dura investidura (política) do Poder Público Federal, via medida de exceção, contra o sistema de
tutela dos direitos meta-individuais no Brasil, que criou verdadeira antinomia entre o referido dispositivo
legal e o princípio da absoluta instrumentalidade da tutela coletiva.” VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo.
São Paulo: Malheiros Editores. 2007, p. 252. “é como se o governante dissesse assim: como a Constituição
e as leis instituíram um sistema para dessa coletiva de direitos, e como esse sistema pode ser usado contra
o governo, então impeço o funcionamento do sistema para não ser acionado em ações coletivas, nas quais
posso perder tudo de uma vez.” MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 28ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 814.
8. ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública. 3ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, p.
88/89.
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